"Mas demasiadas vezes se esquece que o contrário do pecado de modo algum é a virtude. Esse é antes um ponto de vista pagão, que se contenta com uma medida puramente humana, ignorando o que é o pecado e que ele está sempre perante Deus. Não, o contrário do pecado é a fé; como o diz a Epístola aos Romanos 14,23: Tudo o que não provém da fé é pecado. E uma das definições capitais do cristianismo é que o contrário do pecado não é a virtude, mas sim a fé.
Esta oposição do pecado e da fé domina o cristianismo e transforma, cristianizando-os, todos os conceitos éticos, que dela recebem assim um mais profundo relevo. É sobre o critério soberano do cristão que ela repousa: se está ou não perante Deus, critério que implica outro, por sua vez decisivo no cristianismo: o absurdo, o paradoxo, a possibilidade do escândalo. A presença desse critério é de extrema importância todas as vezes que se quer definir o cristianismo, pois é o escândalo que defende o cristianismo contra qualquer especulação. Onde se encontra então, aqui, a possibilidade do escândalo? Mas em primeiro lugar neste ponto, que a realidade do homem devia consistir em existir Isolado perante Deus; e neste segundo ponto, consequência do primeiro, de que o seu pecado deveria ocupar Deus. Esse tête-à-tête do Isolado e de Deus jamais entrará na cabeça dos filósofos; eles não fazem outra coisa senão universalizar imaginariamente os indivíduos na espécie. Foi isso o que levou um cristianismo incrédulo a inventar que o pecado não é senão o pecado, sem que estar ou não perante Deus acrescente ou diminua alguma coisa. Em suma, queria-se eliminar o critério: perante Deus, inventando para tal fim uma sabedoria superior, que era afinal um regresso ao que é ordinariamente a sabedoria superior, para o antigo paganismo."
Soren Kierkegaard
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