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sexta-feira, 20 de abril de 2012

A Cabana - William P. Young



Há pelo menos duas perspectivas possíveis para a leitura de A Cabana, de William P. Young: como um manual de teologia sistemática ou como um livro de ficção, que parece ter sido a proposta do autor. A primeira opção torna a obra um enorme acervo de heresias. Já a segunda, ao compreender o papel da metáfora como importante instrumento de elucidação de questões complexas, oferece uma riquíssima oportunidade de o leitor entrar em contato com uma abordagem simples e acessível dos grandes problemas existenciais da humanidade.
Através de uma narrativa leve, mas profundamente emocionante, o autor apresenta a fé também como fonte de conhecimento, ao lado da razão, numa relação de complementaridade.

"Há ocasiões em que optamos por acreditar em algo que normalmente seria considerado absolutamente irracional. Isso não significa que seja mesmo irracional, mas certamente não é racional. Talvez exista a supra-racionalidade: a razão além das definições normais dos fatos ou da lógica baseada em dados. Algo que só faz sentido se você puder ver uma imagem maior da realidade. Talvez seja aqui que a fé se encaixe." (p. 61).

               A Trindade aparece como tema central da obra. Deus Pai é Elousia, uma mulher negra, gorda, governanta e cozinheira; Jesus aparece como um homem do Oriente Médio, vestido de operário; e o Espírito Santo é apresentado como uma mulher asiática e pequena chamada Sarayu.
            Obviamente, esses personagens fictícios, assim como qualquer doutrina teológica, não dão conta de explicar o mistério da Trindade. A idéia do autor consiste justamente em desconstruir paradigmas religiosos que “aprisionam” Deus em caixas e sistemas fechados, esvaziando não só seu caráter, mas sua beleza.

“Se eu escolho aparecer para você como homem ou mulher, é porque o amo. Para mim, aparecer como mulher e sugerir que você me chame de Papai é simplesmente para ajudá-lo a não sucumbir tão facilmente aos seus condicionamentos religiosos.” (p. 83).

A questão central que envolve o mistério da Trindade, entretanto, é preservada. Elousia, Jesus e Sarayu, apesar de pessoas distintas, são apresentados como sendo um só Deus. Além disso, o aspecto relacional da Trindade, tão importante para explicar a natureza do amor de Deus pela humanidade, também é bastante ressaltado, assim como a coexistência das duas naturezas, humana e divina, na pessoa de Cristo. “Sou totalmente Deus, mas sou humano até o âmago.” (p. 103).
Como pontos duvidosos, que não chegam a ser negativos, justamente pela falta de rigor teológico proposto pela obra, podem ser apontados a possível sugestão de um universalismo e, talvez, um escorregão pelo panteísmo ou panenteísmo. Jesus inicialmente é apresentado não como o único caminho que leva ao Pai, como na Revelação, mas como o melhor caminho. “Eu sou o melhor modo que qualquer humano pode ter de se relacionar com Papai ou com Sarayu.” (p. 101). Posteriormente, entretanto, aparece uma possível explicação. Ou não. Fica a dúvida.

“Os que me amam estão em todos os sistemas que existem. São budistas ou mórmons, batistas ou muçulmanos, democratas, republicanos e muitos que não votam nem fazem parte de qualquer instituição religiosa. Tenho seguidores que foram assassinos e muitos que eram hipócritas. Há banqueiros, jogadores, americanos e iraquianos, judeus e palestinos. Não tenho desejo de torná-los cristãos, mas quero me juntar a eles em seu processo para se transformarem em filhos e filhas do Papai, em irmãos e irmãs, em meus amados. [...] A maioria das estradas não leva a lugar nenhum. O que isso significa é que eu viajarei por qualquer estrada para encontrar vocês” (p. 169).

Em outra parte, há a seguinte afirmação: “Deus, que é a base de todo o ser, mora dentro, em volta e através de todas as coisas, e emerge em última instância como o real. Qualquer aparência que mascare essa verdade está destinada a cair.” (p. 102). Aqui, portanto, também permanece a dúvida se é de fato uma declaração panenteísta ou apenas a falta do rigor teológico característica desse tipo de literatura.
A obra aborda ainda, além das questões já citadas, o problema do mal e a questão referente à liberdade humana e soberania divina. No primeiro caso, o autor segue o pensamento de Agostinho de Hipona, apresentando o mal não como uma estrutura ontológica, mas como ausência do bem. No segundo, o autor, assim como a própria Bíblia, não procura apresentar uma resposta à questão, mas, simplesmente, afirma tanto a liberdade humana quanto a soberania de Deus como processos indiscerníveis que não podem ser entendidos de forma separada.
De uma forma geral, o livro vale muito a pena. As pesadas críticas que recebeu por setores mais conservadores da igreja, tanto na tradição católica quanto na protestante, revelam muito mais o medo diante de um período de transição e incertezas, características da pós-modernidade, do que uma crítica bem sustentada em argumentos sólidos. De qualquer forma, e isso deve ficar claro, A Cabana continuará sendo somente uma obra de ficção.

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