Tradicionalmente, a filosofia platônica é dividida em três fases ou períodos: a primeira é marcada pelos diálogos socráticos, onde é bastante evidente a influência de Sócrates sobre o pensamento de Platão; um segundo momento, quando Platão começa a se distanciar um pouco do pensamento de seu mestre, desenvolvendo de forma mais autônoma seu próprio pensamento, com destaque para a teoria das formas; e, por fim, a fase da maturidade, representada por diálogos como Parmênides e O Sofista, período em que Platão critica sua própria teoria e procura resolver problemas deixados em aberto.
A influência de Sócrates na obra de Platão pode ser observada, especialmente, em sua concepção de filosofia como método conceitual. Bastante evidente no Ménon, quando Sócrates pergunta ao personagem que dá nome ao diálogo o que seria a virtude, e dele recebe uma resposta insatisfatória, essa concepção busca distinguir, a partir de uma definição precisa, o conhecimento verdadeiro (episteme) da opinião (doxa). Para isso, o método socrático tinha como tarefa questionar o senso comum, as crenças e as opiniões vagas e imprecisas provenientes da experiência sensível, revelando a fragilidade desse tipo de entendimento e mostrando a necessidade e a possibilidade de aperfeiçoá-lo através da reflexão.
Outras características importantes do pensamento socrático que devem ser ressaltadas são o método dialético e o lugar de destaque dado à moral em sua filosofia. Para Sócrates, que entendeu a essência do homem como psyché, seria a dialética a responsável por conduzir o ser humano à verdade, livrando sua alma de toda ilusão de conhecimento. O método, bastante utilizado por Platão, consistia em um processo com dois momentos essenciais: a refutação e a maiêutica. Utilizando-se amplamente do recurso da ironia, Sócrates procurava, negativamente, levar seu interlocutor ao reconhecimento de sua ignorância e, positivamente, conduzi-lo a auto-descoberta, dando luz aos seus conhecimentos. Além disso, a finalidade maior do método socrático herdado por Platão era de natureza ética. Para ele, toda a conduta e a existência humana deveriam ser orientadas por valores morais, chegando mesmo a identificar o conhecimento com a própria virtude. Assim, para ele, conhecer uma virtude seria já possuí-la.
Já na segunda fase de seu pensamento, Platão, apesar de compartilhar da visão socrática da filosofia como método de análise, começa a se distanciar um pouco do pensamento de seu mestre por entender que essa concepção seria insuficiente. Seu principal argumento versava sobre a necessidade de um fundamento teórico que estabelecesse critérios segundo os quais o método fosse aplicado de forma correta e eficaz. Assim, Platão passou a defender o desenvolvimento de uma teoria sobre a natureza dos conceitos e das definições a serem obtidas, o que acabou dando origem à teoria das Formas, ou das Idéias, que representou o grande marco do início da metafísica clássica. Dessa maneira, enquanto Sócrates considerava a filosofia como um método de reflexão que levaria o indivíduo a compreender melhor a si mesmo e sua realidade, Platão entendeu a filosofia essencialmente como teoria, ou seja, um processo de abstração e de superação da experiência concreta, que conduziria o filósofo a enxergar a verdadeira natureza das coisas em seu sentido eterno e imutável.
Entretanto, apesar desse afastamento da concepção socrática, em outro sentido é possível observar um desenvolvimento e até mesmo uma radicalização de algumas idéias de Sócrates também nesse período do pensamento platônico. Em A República, talvez o mais conhecido dos diálogos platônicos, fica evidente a preocupação socrática com o interesse da filosofia em questões de ordem prática, especialmente nas dimensões ética e política da existência humana. Contudo, segundo Platão, esse interesse prático da filosofia só poderia ser realizado efetivamente através da teoria, ou melhor, de uma articulação equilibrada entre teoria e prática. Para ele, toda ação humana envolve, de uma forma ou de outra, um processo de decisão que culmina em uma escolha feita pelo indivíduo. A teoria seria justamente a responsável por formar, a partir de definições e princípios gerais, os critérios que balizam tais decisões. E estes princípios, ou valores gerais, por sua vez, deveriam ser universais, permanentes e abstratos para que pudessem realmente orientar a ação do indivíduo sem que se precisasse refazer todo o processo a cada nova decisão. Dessa forma, seria possível afirmar que a teoria seria a condição da ação racional, já que estabelece suas normas, mas, por outro lado, não seria um fim em si mesmo, já que visa sempre uma prática.
Toda essa concepção se deveu ao desenvolvimento da noção de que o homem está em contato permanente com dois tipos de realidade: uma sensível e uma inteligível. Enquanto, para Platão, o conhecimento sensível se ocupava dos objetos sensíveis, que eram considerados apenas imagens das idéias, o conhecimento inteligível seria aquele responsável pelos modelos dos objetos sensíveis, ou seja, as próprias Idéias. A origem desse conhecimento, por sua vez, seria explicada pela teoria da reminiscência, em que Platão defende que a alma humana já traz consigo um conhecimento prévio, alcançado a partir da contemplação das Formas antes da encarnação no corpo material e mortal. Com a encarnação, entretanto, a alma teria sua visão das formas obscurecida e caberia ao filósofo chamar atenção para esse conhecimento esquecido, conduzindo o indivíduo a aprender por si mesmo.
Assim, a partir de sua distinção entre os dois planos do ser, a saber, o sensível e o inteligível, Platão conseguiu superar a antítese que separava os pensamentos de Heráclito e Parmênides. Enquanto o fluxo constante, com todas as suas características, representou a marca específica do ser sensível, a imutabilidade, também com todas as suas características, foi considerada a grande peculiaridade do ser inteligível. Entretanto, ainda faltava a resolução de dois outros grandes problemas: a explicação da existência de seres “múltiplos” e o problema do “não-ser”.
A resposta para essas questões apareceram somente na terceira fase do pensamento platônico, conhecida como maturidade. Iniciando no Parmênides e continuando no Sofista, Platão critica sua herança eleática para salvar a doutrina das Formas. É uma consequência da concepção eleática do “ser” e do “um” a impossibilidade de pensar o não-ser e a multiplicidade sem contradição. Enquanto antes cada Forma era um ser e uma unidade, como afirmava Parmênides, a crítica de Platão torna possível às Formas se misturarem, isto é, serem capazes de participação recíproca, em virtude de que cada Forma é una e múltipla ao mesmo tempo.
Para Platão, Parmênides também tinha razão em afirmar a inexistência do “não-ser” como negação absoluta do “ser”. Entretanto, há uma outra possibilidade que não foi levada em consideração pelos eleatas: o “não-ser” como diversidade. Toda Idéia, para ser efetivamente a Idéia que é, deve ser diferente de todas as outras. Assim, em certo sentido, toda Idéia possui uma dose de ser e, ao mesmo tempo, um não-ser infinito. Além disso, a superação de Parmênides também pode ser observada na admissão platônica de um “repouso” e de um “movimento” ideais no mundo inteligível, ou seja, cada Idéia seria ela mesma, e ao mesmo tempo, de forma dinâmica, um “movimento” ideal em direção às outras, ou mesmo excluiria a participação das outras.
Dessa maneira, Platão salva sua Teoria das Formas e constrói um sistema hierarquicamente organizado e ordenado, onde as idéias inferiores implicam as superiores em um processo contínuo de ascensão até a Idéia de Bem, que ocupa o topo da hierarquia e é a Idéia que condiciona todas as outras e não é condicionada por nenhuma delas. Essa Idéia de Bem seria não somente o fundamento que torna possível o conhecimento das outras Idéias, mas, especialmente, seria ela a responsável por produzir o ser e a substância, estando ela mesma situada acima da substância, transcendendo-a tanto em dignidade hierárquica quanto em poder.
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