A boca fala do que o coração tá cheio

sexta-feira, 27 de abril de 2012

Democracia



Roubai-nos e chamai-lhe economia nacional.
Tirai-nos as nossas casas e chamai-lhe planificação regional.
Humilhai-nos e chamai-lhe assistência social.
Tornai-nos loucos e chamai-lhe higiene mental.
Envenenai-nos e chamai-lhe conservação do meio ambiente.
Adormecei-nos e chamai-lhe ideologia de consumo.
Deixai-nos no desemprego e chamai-lhe reconversão.
Confundi-nos e chamai-lhe publicidade.
Vendei os nossos corpos e chamai-lhe liberdade sexual.
Enganai-nos e chamai-lhe política de rendimentos.
Coisificai-nos e chamai-lhe nível de vida.
Escarnecei do nosso trabalho e chamai-lhe jubilação antecipada.
Menti-nos e chamai-lhe liberdade de expressão.
Tiranizai-nos e chamai-lhe democracia.

- Claes Andersson (1974, Versão a partir da tradução castelhana de Francisco J. Uriz

domingo, 22 de abril de 2012

LEVA


No coração de São Paulo pulsa o maior movimento de luta por moradia da América Latina. Famílias desabrigadas ocupam o edifício Mauá, um dentre muitos ocupados no centro da cidade. O documentário LEVA acompanha a vida de moradores da ocupação e apreende a revitalização dos espaços ociosos e a construção do coletivo como agente de transformação do indivíduo.

sábado, 21 de abril de 2012

Viajante acima de um mar de nuvens - Friedrich


Samba à Clarice



Clareou o céu da minha noite
Brilhou lá em cima uma estrela
Era a princesa mais bela que eu já vi
Pele rosada e sorriso deslumbrante
Iluminou a minha vida eternamente
Era Clarice, a menina graciosa
Cheia de encanto e tantas travessuras
Desde cedo apreciava a liberdade
Essa menina vai me dar muito trabalho

Aqui se faz, aqui se paga

Aqui se faz, aqui se paga  

Mas por você, linda estrela, eu pago até feliz
Vai, minha pequena, construir o teu caminho
Meu Deus certamente guardará a tua história
Ilumina a terra que o teu pé tocar
E enche esse mundo de amor.

CONFISSÕES DO PASTOR


"Viver esses poucos anos neste planeta me tem sido uma experiência apaixonante. Amo ser um humano. Gosto de existir. Cada dia, a cada sabor que os momentos trazem, vejo-me mais seduzido pelas possibilidades de ser quem eu posso ser, ainda. Mesmo quando mergulho nas minhas memórias mais escuras e plenas de ambiguidades, ainda aí e nelas encontro a certeza de que, sendo quem sou e carregando as emoções humanas que carrego, teria sido quase impossível existir de outro modo. Nesse caso, o milagre da conversão é ainda mais profundo, pois, se assim é, conversão não é apenas uma mudança de história, mas, sobretudo, a invasão da Graça Divina, penetrando as teias de nossa intimidade e nos fazendo desabrochar de dentro para fora, não para uma outra existência, mas para o melhor de nossa possibilidade existencial, levando em consideração quem somos. E o que somos se engra-vida com a graça de Deus, fazendo com que nossa vida encontre em Cristo a melhor variável de nós mesmos. E esta é a vida que vale ser, pois é vida Nele.
     Percebo que lateja em mim uma paixão constante. Com ela tenho passado pela cadeia dos momentos que formaram as minhas horas, dias, meses e anos. Disse minhas, fazendo alusão ao tempo, pois cada pessoa tem o seu tempo. E os mais felizes são os que sabem que o tempo é nosso, não de Deus. O tempo é dádiva divina aos mortais. É essa paixão de viver que me dá esse fortíssimo sentimento de que o tempo é meu. Mesmo me vendo como um cristão que crê na imortalidade da existência espiritual, ainda assim trato esta dimensão como única, pois ela vai acabar. Ainda que eu viva para sempre, vou morrer, contigencialmente, como cidadão da Terra, daí minha sôfrega paixão pela experiência consciente que Deus me deu conhecer neste lapso de existência cósmica.
     É a vida movida por paixão o que nos arremete ao mundo como uma dádiva divina, mesmo no dia dos nossos equívocos. É também esta paixão que nos põe no único espaço onde o medo de existir se desvanece: o chão do amor. Quando se chega a esse lugar existencial, percebe-se que dele se pode ver o perigo de existir , mas descobre-se também que nele a vida não conhece infelicidade, mesmo quando dói, pois nesse lugar a vida é pura celebração, vez que o verdadeiro amor nos liberta de toda culpa e nos põe a salvo de todo medo.
     Eu sei que viver assim é fascinantemente assustador para os que assistem a vida em seus processos. Dessa forma, coletam-se amores, devoções, imitadores e patrocinadores. Mas também surgem os aduladores, os traidores, os invejosos, os inimigos gratuitos de toda liberdade conquistada pelo amor e pela graça. É neste ponto da existência que eu me sinto hoje. A tentação agora é fazer opção por um dos lados. Se me dedico aos primeiros, vivo para a mediocridade que se alimenta de fantasias. Se me entrego ao segundo grupo, passo a existir para manter um poder que não me foi dado pela força, mas pela graça do amor e que pode sutilmente se converter em poder satânico, que é aquele que existe para se proteger e para exercer controle, fruto do medo de perder o que tem.
     Prefiro morrer hoje a me entregar a qualquer desses dois grupos. Meu compromisso com minha própria consciência é o de perseguir novas possibilidades de ser em Deus, pois de uma coisa estou certo: bondade e misericórdia me seguirão todos os dias de minha vida e habitarei na casa do Senhor para todo o sempre.
     Sou feliz, mesmo quando não estou feliz. Afinal, depois de tudo, eu pude perceber que felicidade só existe como a possibilidade de ser, a cada dia, em Deus e em seu amor. Assim, sem escusas, eu confesso quem sou." 

Caio Fábio

O Escândalo da Fé



"Mas demasiadas vezes se esquece que o contrário do pecado de modo algum é a virtude. Esse é antes um ponto de vista pagão, que se contenta com uma medida puramente humana, ignorando o que é o pecado e que ele está sempre perante Deus. Não, o contrário do pecado é a fé; como o diz a Epístola aos Romanos 14,23: Tudo o que não provém da fé é pecado. E uma das definições capitais do cristianismo é que o contrário do pecado não é a virtude, mas sim a fé.

Esta oposição do pecado e da fé domina o cristianismo e transforma, cristianizando-os, todos os conceitos éticos, que dela recebem assim um mais profundo relevo. É sobre o critério soberano do cristão que ela repousa: se está ou não perante Deus, critério que implica outro, por sua vez decisivo no cristianismo: o absurdo, o paradoxo, a possibilidade do escândalo. A presença desse critério é de extrema importância todas as vezes que se quer definir o cristianismo, pois é o escândalo que defende o cristianismo contra qualquer especulação. Onde se encontra então, aqui, a possibilidade do escândalo? Mas em primeiro lugar neste ponto, que a realidade do homem devia consistir em existir Isolado perante Deus; e neste segundo ponto, consequência do primeiro, de que o seu pecado deveria ocupar Deus. Esse tête-à-tête do Isolado e de Deus jamais entrará na cabeça dos filósofos; eles não fazem outra coisa senão universalizar imaginariamente os indivíduos na espécie. Foi isso o que levou um cristianismo incrédulo a inventar que o pecado não é senão o pecado, sem que estar ou não perante Deus acrescente ou diminua alguma coisa. Em suma, queria-se eliminar o critério: perante Deus, inventando para tal fim uma sabedoria superior, que era afinal um regresso ao que é ordinariamente a sabedoria superior, para o antigo paganismo."

 Soren Kierkegaard

O VALIOSO TEMPO DOS MADUROS


"Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui
para a frente do que já vivi até agora.
Tenho muito mais passado do que futuro.
Sinto-me como aquele menino que recebeu uma bacia de cerejas..
As primeiras, ele chupou displicente, mas percebendo que faltam
poucas, rói o caroço.
Já não tenho tempo para lidar com mediocridades.
Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflamados.
Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram,
cobiçando seus lugares, talentos e sorte.
Já não tenho tempo para conversas intermináveis, para discutir
assuntos inúteis sobre vidas alheias que nem fazem parte da minha.
Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas, que apesar
da idade cronológica, são imaturos.
Detesto fazer acareação de desafectos que brigaram pelo majestoso cargo
de secretário geral do coral.
‘As pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos’.
Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência,
minha alma tem pressa…
Sem muitas cerejas na bacia, quero viver ao lado de gente humana,
muito humana; que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com
triunfos, não se considera eleita antes da hora, não foge de sua
mortalidade,
Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade,
O essencial faz a vida valer a pena.
E para mim, basta o essencial!"

Mário de Andrade

I Coríntios 13


"Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e não tivesse amor, seria como o metal que soa ou como o címbalo que retine. E ainda que tivesse o dom de profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e ainda que tivesse toda fé, de maneira tal que transportasse os montes, e não tivesse amor, nada seria. E ainda que distribuísse todos os meus bens para sustento dos pobres, e ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, e não tivesse amor, nada disso me aproveitaria. O amor é sofredor, é benigno; o amor não é invejoso; o amor não se vangloria, não se ensoberbece, não se porta inconvenientemente, não busca os seus próprios interesses, não se irrita, não suspeita mal;não se regozija com a injustiça, mas se regozija com a verdade; tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. O amor jamais acaba; mas havendo profecias, serão aniquiladas; havendo línguas, cessarão; havendo ciência, desaparecerá; porque, em parte conhecemos, e em parte profetizamos; mas, quando vier o que é perfeito, então o que é em parte será aniquilado. Quando eu era menino, pensava como menino; mas, logo que cheguei a ser homem, acabei com as coisas de menino. Porque agora vemos como por espelho, em enigma, mas então veremos face a face; agora conheço em parte, mas então conhecerei plenamente, como também sou plenamente conhecido. Agora, pois, permanecem a fé, a esperança, o amor, estes três; mas o maior destes é o amor."
Paulo de Tarso

O louco - G. K. Chesterton


"Se você discutir com um louco, é extremamente provável que leve a pior; pois sob muitos aspectos a mente dele se move muito mais rápido por não se atrapalhar com coisas que costumam acompanhar o bom juízo. Ele não é embaraçado pelo senso de humor ou pela caridade, ou pelas tolas certezas da experiência. Ele é muito mais lógico por perder certos afetos da sanidade. De fato, a explicação comum para a insanidade nesse respeito é enganadora. O louco não é um homem que perdeu a razão. O louco é um homem que perdeu tudo exceto a razão.
A explicação oferecida por um louco é sempre exaustiva e muitas vezes, num sentido puramente racional, é satisfatória. Ou, para falar com mais rigor, a explicação insana, se não for conclusiva, é pelo menos incontestável. E o que se pode observar especialmente nos dois ou três tipos mais comuns de loucura. Se um homem disser, por exemplo, que os homens estão conspirando contra ele, você não pode discutir esse ponto, a não ser dizendo que todos os homens negam que são conspiradores; o que é exatamente o que os conspiradores fariam.
A explicação dele dá conta dos fatos tanto quanto a sua. Ou se um homem disser que ele é, de direito, o rei da Inglaterra, não é uma resposta completa dizer que as autoridades existentes o chamam de louco; pois, se ele fosse o rei da Inglaterra, essa poderia ser a maneira mais sábia de agir para as autoridades existentes. Ou se um homem disser que ele é Jesus Cristo, não é uma resposta dizer-lhe que o mundo nega a sua divindade; pois o mundo negou a de Cristo.
Apesar de tudo, ele está errado. Mas se tentarmos descrever seu erro em termos exatos, mão acharemos a tarefa tão fácil como havíamos imaginado. Talvez a maneira de nos aproximarmos ao máximo dessa descrição é dizer o seguinte: que a mente dele se move num círculo perfeito, porém reduzido. Um círculo pequeno é exatamente tão infinito quando um círculo grande; mas, embora seja exatamente tão infinito, não é tão grande. Da mesma forma a explicação insana é exatamente tão completa como a do sensato, mas não tão abrangente. Uma bala é exatamente tão redonda como o mundo, mas não é o mundo." 

Perdoando Deus - Clarice Lispector




Eu ia andando pela Avenida Copacabana e olhava distraída edifícios, nesga de mar, pessoas, sem pensar em nada. Ainda não percebera que na verdade não estava distraída, estava era de uma atenção sem esforço, estava sendo uma coisa muito rara: livre. Via tudo, e à toa. Pouco a pouco é que fui percebendo que estava percebendo as coisas. Minha liberdade então se intensificou um pouco mais, sem deixar de ser liberdade. Tive então um sentimento de que nunca ouvi falar. Por puro carinho, eu me senti a mãe de Deus, que era a Terra, o mundo. Por puro carinho mesmo, sem nenhuma prepotência ou glória, sem o menor senso de superioridade ou igualdade, eu era por carinho a mãe do que existe. Soube também que se tudo isso "fosse mesmo" o que eu sentia - e não possivelmente um equívoco de sentimento - que Deus sem nenhum orgulho e nenhuma pequenez se deixaria acarinhar, e sem nenhum compromisso comigo. Ser-Lhe-ia aceitável a intimidade com que eu fazia carinho. O sentimento era novo para mim, mas muito certo, e não ocorrera antes apenas porque não tinha podido ser. Sei que se ama ao que é Deus. Com amor grave, amor solene, respeito, medo e reverência. Mas nunca tinham me falado de carinho maternal por Ele. E assim como meu carinho por um filho não o reduz, até o alarga, assim ser mãe do mundo era o meu amor apenas livre. E foi quando quase pisei num enorme rato morto. Em menos de um segundo estava eu eriçada pelo terror de viver, em menos de um segundo estilhaçava-me toda em pânico, e controlava como podia o meu mais profundo grito. Quase correndo de medo, cega entre as pessoas, terminei no outro quarteirão encostada a um poste, cerrando violentamente os olhos, que não queriam mais ver. Mas a imagem colava-se às pálpebras: um grande rato ruivo, de cauda enorme, com os pés esmagados, e morto, quieto, ruivo. O meu medo desmesurado de ratos. Toda trêmula, consegui continuar a viver. Toda perplexa continuei a andar, com a boca infantilizada pela surpresa. Tentei cortar a conexão entre os dois fatos: o que eu sentira minutos antes e o rato. Mas era inútil. Pelo menos a contigüidade ligava-os. Os dois fatos tinham ilogicamente um nexo. Espantava-me que um rato tivesse sido o meu contraponto. E a revolta de súbito me tomou: então não podia eu me entregar desprevenida ao amor? De que estava Deus querendo me lembrar? Não sou pessoa que precise ser lembrada de que dentro de tudo há o sangue. Não só não esqueço o sangue de dentro como eu o admiro e o quero, sou demais o sangue para esquecer o sangue, e para mim a palavra espiritual não tem sentido, e nem a palavra terrena tem sentido. Não era preciso ter jogado na minha cara tão nua um rato. Não naquele instante. Bem poderia ter sido levado em conta o pavor que desde pequena me alucina e persegue, os ratos já riram de mim, no passado do mundo os ratos já me devoraram com pressa e raiva. Então era assim?, eu andando pelo mundo sem pedir nada, sem precisar de nada, amando de puro amor inocente, e Deus a me mostrar o seu rato? A grosseria de Deus me feria e insultava-me. Deus era bruto. Andando com o coração fechado, minha decepção era tão inconsolável como só em criança fui decepcionada. Continuei andando, procurava esquecer. Mas só me ocorria a vingança. Mas que vingança poderia eu contra um Deus Todo-Poderoso, contra um Deus que até com um rato esmagado poderia me esmagar? Minha vulnerabilidade de criatura só. Na minha vontade de vingança nem ao menos eu podia encará-Lo, pois eu não sabia onde é que Ele mais estava, qual seria a coisa onde Ele mais estava e que eu, olhando com raiva essa coisa, eu O visse? no rato? naquela janela? nas pedras do chão? Em mim é que Ele não estava mais. Em mim é que eu não O via mais. Então a vingança dos fracos me ocorreu: ah, é assim? pois então não guardarei segredo, e vou contar. Sei que é ignóbil ter entrado na intimidade de Alguém, e depois contar os segredos, mas vou contar - não conte, só por carinho não conte, guarde para você mesma as vergonhas Dele - mas vou contar, sim, vou espalhar isso que me aconteceu, dessa vez não vai ficar por isso mesmo, vou contar o que Ele fez, vou estragar a Sua reputação. ... mas quem sabe, foi porque o mundo também é rato, e eu tinha pensado que já estava pronta para o rato também. Porque eu me imaginava mais forte. Porque eu fazia do amor um cálculo matemático errado: pensava que, somando as compreensões, eu amava. Não sabia que, somando as incompreensões, é que se ama verdadeiramente. Porque eu, só por ter tido carinho, pensei que amar é fácil. É porque eu não quis o amor solene, sem compreender que a solenidade ritualiza a incompreensão e a transforma em oferenda. E é também porque sempre fui de brigar muito, meu modo é brigando. É porque sempre tento chegar pelo meu modo. É porque ainda não sei ceder. É porque no fundo eu quero amar o que eu amaria - e não o que é. É porque ainda não sou eu mesma, e então o castigo é amar um mundo que não é ele. É também porque eu me ofendo à toa. É porque talvez eu precise que me digam com brutalidade, pois sou muito teimosa. É porque sou muito possessiva e então me foi perguntado com alguma ironia se eu também queria o rato para mim. É porque só poderei ser mãe das coisas quando puder pegar um rato na mão. Sei que nunca poderei pegar num rato sem morrer de minha pior morte. Então, pois, que eu use o magnificat que entoa às cegas sobre o que não se sabe nem vê. E que eu use o formalismo que me afasta. Porque o formalismo não tem ferido a minha simplicidade, e sim o meu orgulho, pois é pelo orgulho de ter nascido que me sinto tão íntima do mundo, mas este mundo que eu ainda extraí de mim de um grito mudo. Porque o rato existe tanto quanto eu, e talvez nem eu nem o rato sejamos para ser vistos por nós mesmos, a distância nos iguala. Talvez eu tenha que aceitar antes de mais nada esta minha natureza que quer a morte de um rato. Talvez eu me ache delicada demais apenas porque não cometi os meus crimes. Só porque contive os meus crimes, eu me acho de amor inocente. Talvez eu não possa olhar o rato enquanto não olhar sem lividez esta minha alma que é apenas contida. Talvez eu tenha que chamar de "mundo" esse meu modo de ser um pouco de tudo. Como posso amar a grandeza do mundo se não posso amar o tamanho de minha natureza? Enquanto eu imaginar que "Deus" é bom só porque eu sou ruim, não estarei amando a nada: será apenas o meu modo de me acusar. Eu, que sem nem ao menos ter me percorrido toda, já escolhi amar o meu contrário, e ao meu contrário quero chamar de Deus. Eu, que jamais me habituarei a mim, estava querendo que o mundo não me escadalizasse. Porque eu, que de mim só consegui foi me submeter a mim mesma, pois sou tão mais inexorável do que eu, eu estava querendo me compensar de mim mesma com uma terra menos violenta que eu. Porque enquanto eu amar a um Deus só porque não me quero, serei um dado marcado, e o jogo de minha vida maior não se fará. Enquanto eu inventar Deus, Ele não existe.

Empatia





Não conto novidades
Apenas repito
 O que outros dizem
 Sem estar aqui

 Amigos tenho
Que nunca conheci
 É empatia de espírito
 Sentimento que sorri

Parece separado
Mas é tudo misturado
Existir não comporta
Futuro nem passado

É unidade que transcende
E presente não respeita
Encontro sem presença
Ligação que dá no peito

(21/03/2012)

Por causa de um baseadinho?

Como conseguimos construir uma blindagem tão forte ao bom senso?


Por Vera Malaguti
Fragmento do texto: O Alemão é muito mais complexo

Passemos então a analisar essa colonização das almas que fez com que passássemos da crítica da truculência e da militarização da segurança pública à sua naturalização e agora ao aplauso, adesão subjetiva à barbárie. A executivização da mídia como agência do sistema penal brilhou mais uma vez no noticiário antes, durante e depois da simbólica ocupação do Alemão. Comecemos pelo tom épico da operação. No dia 26 de novembro de 2010 o jornal O Globo anunciava, além de um caderno especial, o dia D do combate ao tráfico em letras garrafais na primeira página: “população aplaude polícia e acompanha operação pela TV em clima de Tropa de Elite 3”. Essa combinação de peças publicitárias entre as UPPs e a perversa série de filmes de patrocínio comum já daria material para algumas teses. O cartunista e editor Chico Caruso não pestanejou: fantasiou o Cristo Redentor com o macabro uniforme preto do BOPE. Não ouvi um cristão reclamar, nenhuma bancada moralista protestar. Merval Pereira, nesse mesmo dia na página 4, dizia: “ontem foi dia de a realidade imitar a arte, foi dia de torcer pelo Capitão Nascimento de Tropa de Elite, que todos nós vimos em ação, ao vivo e a cores, nas reportagens das emissoras de televisão”. No dia 27 O Globo assinalava que a “ação do tráfico une população em apoio a polícia”; Eike Batista, espécie de proprietário-geral do Estado, “via na ação vontade de consertar o Rio”; no twitter, o novelista Aguinaldo Silva conclamava os moradores “a resistir”. Enquanto isso um novo blindado, superando o Caveirão, torna-se a estrela da Operação : “a reportagem do Globo embarca no veículo que caiu nas graças da PM”. A reportagem escamoteou ao máximo o mal estar produzido entre as Forças Armadas ao serem atiradas a essa aventura. Essa é uma discussão profunda e consistente que circula na inteligência militar brasileira. Eles conhecem mais que ninguém os riscos advindos dessa passagem ao ato. A Folha de São Paulo noticiou o mal estar . Neste mesmo jornal, no mesmo dia Fernando Barros e Silva falava do triunfalismo exorbitante da Tropa da Mídia.
O paradigma bélico para a Segurança Publica é um artefato, uma construção política através da qual o capitalismo contemporâneo controla os excessos reais e imaginários dos contingentes humanos que não estão no fulcro do poder do capital vídeo-finanaceiro. São esses pobres do mundo que inventam novos países para aportar, sobrevivem nas frestas do mercado com seus difíceis ganhos fáceis, enfim, à sua maneira são os mais verdadeiros empreendedores de um mundo em ruínas, como diz Marildo Menegat. No jornal O Globo : “Se a topografia das favelas cariocas remete às aldeias xiitas no Sul do Líbano, a superpopulação e a desordem urbana podem ser comparadas à Faixa de Gaza”. Peço atenção para a expressão “desordem urbana” e seus efeitos na paisagem de hoje do Rio. A cobertura do jornal já ostentava um logotipo para a cobertura, a Guerra do Rio, com um mini blindado, aquele mesmo que superou o Caveirão, lembrando-nos de Nils Christie e de sua dramática análise da indústria do controle do crime. A manchete é: O Rio é nosso, e a matéria é cheia de epítetos: liberdade, apoio, esperança. Nas entrelinhas o grande mistério, o número de mortos. Qual é oficialmente o número de mortos da pacificação do Alemão, do primeiro massacre até o dia D, combinando chacinas e massacres a conta-gotas? Na Folha apareceram matérias sobre os relatos dos moradores do Alemão, denunciando a existência de corpos na mata com a polícia impedindo o acesso ao local . No dia 1º de dezembro , a Folha também noticiou as queixas de abuso dos moradores, mas nada poderia empanar o sucesso do plano. É incrível como meses depois vem à tona o conjunto de atrocidades, roubos, extorsões cometidas contra os pacificados; escutas mostravam policiais dividindo o botim, uma verdadeira Serra Pelada, diriam eles. Como essa constatação não levou nenhum articulista a questionar o caráter em si da operação, e nem os leitores disciplinados? Como conseguimos construir uma blindagem tão forte ao bom senso? Técnicas de neutralização de que fala Zaffaroni d´après Sykes e Matza. A guerra estava tão naturalizada que os excessos eram recebidos como o que Bush chamou de dano colateral, a morte de civis iraquianos.
Essa cobertura espetaculosa foi sintetizada por José Simão: “E sabe o que a Globo falou pro Bope: PODE INVADIR QUE A GENTE DÁ COBERTURA” e "Policial do BOPE que mata 3 traficantes pode pedir música no Fantástico. E a Globo fez o Ibope do Bope: 88% apóiam ações no Rio...E os corpos dos outros 12% não foram encontrados para opinar. Rarara! Eu já falei que o Bope fechou contrato com a Globo!” A verdade é que a ocupação publicitária juntou os dois eventos: o lançamento de Tropa de Elite e a pacificação são negócios conexos, não é à toa que o inspirador do Capitão Nascimento, o matador limpo e puro, virou âncora, agora alçado à rede nacional, concordando sempre com tudo o que acontece no Rio. A glorificação da polícia de preto e suas caveiras e canções foi sendo construída ao longo do tempo. Em novembro, mesmo mês da Operação, O Globo faz uma série de matérias sobre o lançamento do filme: “Operação de guerra para proteger tropa 2” . No Gente Boa : “Wagner Moura falou sobre a cena em que espanca um político corrupto, que vem sendo aplaudida nos cinemas: também tive prazer quando bati”.
Na Revista de Domingo do mesmo jornal : “Fé no Bope é o nome da matéria sobre o show da banda gospel Tropa de Louvor, formada por policiais evangélicos do Bope”. Na entrevista a Mauro Ventura na revista de domingo do Globo de 10 de outubro de 2010 um ex-capitão do Bope ressalta a importância do filme: “Por causa do filme Tropa de Elite o Bope ficou em evidência. As pessoas queriam ajudar e não sabiam como. Por isso inauguramos um escritório de projetos”. Ao falar do personagem que inspirou no filme, o Matias: “Quando me apresentaram o Ramiro, pensei: é parecido comigo. E do nada dei um tapão na cara dele. Era um teste”. O estrategista que organizou o lançamento afirmou que “soubemos criar expectativa” . No mesmo Gente Boa : “Capitão Nascimento ajuda a ciência”. A farda do filme foi leiloada para construir laboratório em leilão com participação de atores globais. Mauro Ventura entrevista o comandante-geral da PM: “Esse troço de UPP é sensacional. Apontou uns garotos: Era tudo do tráfico, mas nenhum fichado. Usavam cordão de ouro, cabelo amarelinho. Agora, pararam de pintar, tiraram cordão e até o andar mudou. Estão empurrando carrinho de mercado, todos trabalham”. Enfim, a pacificação e a ocupação abriram o caminho para as UPPs que se constituem em ocupações permanentes dessas áreas faveladas, instituindo uma cultura do Estado de polícia que foi arquitetada numa operação militar e publicitária que alavancou o projeto e também o filme que é distribuído pela Globo filmes. Como vimos, no Rio há uma vasta hegemonia de um grande grupo econômico na gestão do Estado. Na Segurança Pública isto é posto em evidência de uma forma explícita. Fechemos com Merval Pereira : “Ainda Tropa de Elite: ...A política de ocupação das comunidades carentes foi um marco no atual governo, diz ele (Mauricio Renault, leitor). E, seguindo uma tendência generalizada, compara o secretário de Segurança Pública José Mariano Beltrame ao Capitão Nascimento, que “não retrocederá frente aos inimigos e coloca uma máquina de guerra contra os traficantes”.
A adesão subjetiva ao Estado de polícia contou com adeptos à direita e à esquerda: uma chance única, disse o Senador ex-cara pintada. O ministro da Educação emocionou-se ao “ver a polícia do Rio de Janeiro colocar sua própria vida para preservar a ordem publica”. Do Haiti, onde sua lucrativa ONG prospera, Rubem Cesar aprovou a criação da Força de Paz, o uso das Forças Armadas em conflitos urbanos desde – claro! – que monitorada por “controle externo”. Enquanto isso os moradores do Alemão contavam ou tentavam contar seus mortos. A OAB-RJ, que já havia se associado à Chacina do Pan (aquela saudada pela Revista Época como inovação no combate ao crime), lançou nota oficial em 24 de novembro de 2010 na qual apresenta “solidariedade e o voto de confiança da OAB-RJ neste momento difícil”. A solidariedade não era com os moradores mas com “os dirigentes da área de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro”. Não se manifestou sobre a prisão de advogados, nem estava a postos para ajudar a conter excessos, nem contra o conjunto de ilegalidades das operações de busca e apreensão coletivas postas em prática por essa guerra contra as favelas do Rio de Janeiro. Enquanto o dublê de âncora e capitão Nascimento, Rodrigo Pimentel, saudava no Globo a “mão forte do Estado”, os moradores tentavam se organizar para resistir. Quando Lula vai ao Alemão, no dia 21 de novembro, Jussara Raimunda, moradora e ativista comunitária, afirma: “É como se fosse um toque de recolher. Com isso fica a dúvida: é realmente paz ou apenas saímos de um sistema para cair em outro?” . No Globo online, reproduzindo o WikiLeaks , o Cônsul dos EUA, em telegramas sigilosos, declara que as UPPs se inspiram nas táticas de contrainsurgência aplicadas pelos americanos nas guerras do Iraque e do Afeganistão. Para Hearne, “a abordagem do programa de pacificação é uma reminiscência do limpar, manter e construir, a doutrina americana de contrainsurgência”. Na Folha de São Paulo , em entrevista, morador que não quis se identificar: “só o tempo vai dizer se foi bom ou não. Para nós mudou do civil para a farda, mas o fuzil é o mesmo”.

Fonte: ANF

sexta-feira, 20 de abril de 2012

Paciência - Lenine




A vida não para...

O Tempo


Mistério é o tempo
Eternidade recortada
Encurralada no infinito
Sempre a assombrar

É imanência que transcende
Transcendência encarnada
Toca a existência
No espaço faz sua morada

Contingência necessária
Fixo em fluxo
Puro paradoxo
Realidade a revelar

Ora corre
Ora pára
E segue seu caminho
Sem mais explicação

(21/03/2012)

Cuidado com o doce...





O israelense Nadav Bagim cria cenários psicodélicos para registrar insetos em sua casa

Foto: BBC Brasil
O fotógrafo israelense Nadav Bagim, também conhecido como Aimishboy, cria cenários psicodélicos para fotografar close-ups de insetos em sua casa. A série de fotos, batizada de WonderLand (País das Maravilhas, em tradução livre) foi feita na casa do fotógrafo, em Ramat-Gan, Israel.
Bagim usa objetos comuns para criar os cenários surreais, coisas que ele encontra em casa como vegetais, sacos plásticos, flores e folhas. Geralmente ele prefere que tudo seja muito colorido, para que o cenário fique mais parecido com um conto de fadas.
Bagim, que não teve treinamento formal como fotógrafo, geralmente precisa de mais de uma hora para construir os cenários em sua casa e, para realçar as cores, ele usa de um a quatro flashes. Depois, entram os "modelos": insetos que ele encontra em casa ou no jardim.
"Dirigir os insetos requer compreensão do comportamento deles. Uma vez que você entende, você vai saber como fazer com que eles se sintam confortáveis, para que eles não fujam", diz Bagim.
Mas, nem tudo é tão simples. O fotógrafo diz que, para levar os insetos para o ponto que ele escolheu, é preciso muita gentileza e paciência. E, às vezes, um pouco de açúcar para atrair os insetos para o cenário.
Desta forma, uma sessão de fotos com os pequenos modelos pode durar muitas horas. Bagim contou que faz pouco uso de ferramentas de edição de fotos como o Photoshop.



Louva-a-deus anda de ‘bicicleta‘ na Indonésia


Esta incrível foto na qual um louva-a-deus parece estar andando de bicicleta foi tirada pelo fotógrafo Eco Suparman.


Eco, de 23 anos, que vive em Bornéu, na Indonésia, acabou fascinado pelo inseto, que repentinamente decidiu andar de bicicleta.


"Tirei esta foto em um cemitério muçulmano na cidade de Ambawang River, na ilha de Bornéu. Estava praticando com minha lente macro e há muitos insetos por lá. Então, este é um de meus lugares favoritos para tirar fotos".


Ele conta que estava tirando fotos do louva-a-deus quando notou a planta. "Imediatamente, pensei: a planta se parece com uma bicicleta. Mas não pude acreditar quando o louva-a-deus saltou para a planta".


Fonte: BBC

Luiz Eduardo Soares - Entrevista

Oração



Oração é sentimento
Momento em que o ser
Inundado do viver
Se entrelaça com o Eterno


(19/03/2012)

Sem o nosso sentido humano





"Como seriam as coisas e as pessoas antes que lhes tivéssemos dado o sentido de nossa esperança e visão humanas? Devia ser terrível. Chovia, as coisas se ensopavam sozinhas e secavam, e depois ardiam ao sol e se crestavam em poeira. Sem dar ao mundo o nosso sentido humano, como me assusto. Tenho medo da chuva, quando a separo da cidade e dos guarda-chuvas abertos, e dos campos se embebendo de água."


                                                   Clarice Lispector

Notícias de uma guerra particular

Pobre razão



Pobre razão
Quando em mim se rebela
E desorientada
Conta mentiras

Encobre a simplicidade
Faz da vida agonia
Lugar difícil
Onde nada é

Desconhece a unidade
Ignora sentidos
E obstinada
Segue a explicar o mundo

Só não sabe que tudo é relação
Que até mesmo eu
Em mim mesmo
Nada sou

(19/03/2012) 

Amor de Índio



Tudo que move é sagrado
E remove as montanhas
Com todo o cuidado
Meu amor
Enquanto a chama arder
Todo dia te ver passar
Tudo viver a teu lado
Com arco da promessa
Do azul pintado
Pra durar
Abelha fazendo o mel
Vale o tempo que não voou
A estrela caiu do céu
O pedido que se pensou
O destino que se cumpriu

De sentir seu calor
E ser todo
Todo dia é de viver
Para ser o que for
E ser tudo
Sim, todo amor é sagrado
E o fruto do trabalho
É mais que sagrado
Meu amor
A massa que faz o pão
Vale a luz do teu suor
Lembra que o sono é sagrado
E alimenta de horizontes
O tempo acordado de viver
No inverno te proteger
No verão sair pra pescar
No outono te conhecer
Primavera poder gostar
No estio me derreter
Pra na chuva dançar e andar junto
O destino que se cumpriu
De sentir seu calor e ser tudo
Sim, todo amor é sagrado


(Beto Guedes)

A Metafísica e suas origens


           

       Quando se fala sobre metafísica, dificilmente chega-se a um consenso em relação à definição do termo. Normalmente, os filósofos, em vez de buscarem uma definição nominal que possa ser utilizada por todos, tendem a tentar definir o conceito já a partir de suas próprias concepções filosóficas.
            Na concepção de Régis Jolivet, a metafísica seria aquela ciência que, distinta da filosofia da natureza, se dedica ao estudo das coisas que ultrapassam o domínio da física, sendo também, consequentemente, uma ciência do imaterial.
            A origem do termo remonta à Andrônico de Rodes, que, na edição da obra de Aristóteles, nomeia os livros que se situam depois da Física de Metafísica. Se a opção pelo nome resumiu-se a uma questão de catalogação ou se teve alguma preocupação filosófica é algo que se discute até hoje. A vasta discussão que se manteve ao longo de toda a história da filosofia em torno do assunto aponta para a segunda opção.
            O próprio Aristóteles, nas obras, não utiliza o termo metafísica, mas filosofia primeira ou teologia. Segundo o Estagirita, há pelo menos quatro definições que podem ser feitas sobre o objeto da metafísica. A primeira delas, seguindo a tradição pré-socrática da busca pela arché, é aquela que apresenta a metafísica como a ciência que investiga os princípios ou as causas supremas. A segunda, ainda em linhas pré-socráticas, encontrando em Parmênides a preocupação do ser em sua pureza, define a metafísica como a ciência do ser enquanto ser, sendo assim uma concepção ontológica. Outra abordagem se concentra na questão daquilo que mais especificamente constitui o ser, sendo a ciência que se preocupa com o problema da substância. E, por fim, com um olhar mais abrangente, está a definição de metafísica como uma ciência divina, ou, em outras palavras, teologia.
            É importante observar que, qualquer que seja a definição, o estudo da metafísica somente será possível considerando-se a transcendência do mundo sensível. Qualquer limitação nesse sentido seria suficiente para sair do domínio da metafísica e voltar para a esfera física. Quanto aos que perguntam sobre a finalidade dessa ciência, Aristóteles responderia que ela tem fim em si mesma. A metafísica nasce da sede natural do homem, que, tomado pelo espanto e pelo maravilhamento diante da realidade, busca conhecer a razão última de todas as coisas.