A boca fala do que o coração tá cheio

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Simão, o mago vacilão

Conta o evangelista Lucas, no livro dos Atos dos Apóstolos, que, certa vez, enquanto Filipe anunciava o Reino de Deus em Samaria, curando e batizando em nome de Jesus - desperto na consciência crística! -, havia ali naquela cidade um homem com notável conhecimento de magia que ludibriava a todos, fazendo com que acreditassem ser ele um grande homem e exemplo de virtude.
Contudo, ao ver Pedro e João - recém chegados à cidade - impondo as mãos sobre as pessoas e estas recebendo o Espírito Santo, seu personagem não pôde mais se sustentar e - sozinho, sem precisar de ninguém para desmascará-lo - revelou, ali mesmo, a intenção de seu coração. Maravilhado com o que vira e desejoso daquele poder, ofereceu dinheiro aos discípulos para que dessem também a ele o dom de batizar com o Espírito Santo através da imposição de mãos.
A resposta de Pedro - certamente, filho de Ogum! -, foi curta e grossa: O teu dinheiro seja contigo para perdição, pois cuidaste que o dom de Deus se alcança por dinheiro. Com essas palavras, que nada têm de maldição ou qualquer outra coisa parecida com rogo de praga, Pedro não só o entrega a concupiscência de seu próprio coração, deixando que a vida lhe trate da maneira mais adequada, como deixa para nós um grande ensinamento. Aliás, dois!
O primeiro deles, e mais óbvio e direto, é o fato de que o Espírito não é sujeitável a nenhuma espécie de lógica mercantil. Sendo, justamente, o responsável por abrir a percepção de que o reino de mamom não passa de uma perspectiva reduzida e, portanto, ilusória da realidade, o Espírito Santo jamais se deixaria aprisionar pelas cadeias das quais vem nos libertar. O Reino de Deus, definitivamente, não está à venda e a única moeda corrente em seu território é a graça. O que passar disso é responsabilidade de cada um diante de seu próprio coração e consciência.
O segundo ensinamento que o caminho do mago Simão nos traz - tão ou mais importante que o primeiro - é que os carismas, dons ou capacidades extrafísicas pouco - ou nada - têm a ver com a retidão e sinceridade de coração com as quais nos apresentamos diante de Deus e dos homens. Tanto Simão quanto os apóstolos eram conhecidos por seus prodígios. Entretanto, como bem é cantada a sabedoria popular no corrido de capoeira: Nem tudo que reluz é ouro, nem tudo que balança cai.
Aprender a discernir o metal verdadeiro do ouro de tolo é tarefa da maior importância no caminho espiritual e - pode ter certeza! - nos poupa de muita confusão e dores desnecessárias. Digo isso porque, geralmente, quando nos deixamos iludir por tudo que brilha em nossa frente, acabamos por transferir a terceiros - que, talvez, julguemos serem mais evoluídos ou amigos de Deus do que nós, não sei… - o poder que só a nós pertence: de reconhecer nossa consciência e fazer nosso próprio caminho. Com isso, nos abrimos para toda sorte de manipulação e assaltos espirituais, que, dificilmente, deixarão de trazer consigo uma boa carga de sofrimento emocional.
É interessante, ainda, ressaltar que, diante do mago 171, a reação de Pedro foi enérgica. Nossa visão romanceada - quando não babaca - do amor, muitas vezes, nos mergulha em profundo engano, levando-nos a alimentar situações que drenam nossa energia, sob a alegação de uma postura amorosa para com o outro. Simão, certamente, não era aquilo que se pode chamar de um pilantra completo. Ninguém o é. Se tivesse filhos - o texto não comenta -, provavelmente, seria amado por eles, que, também, provavelmente, reconheceriam nele uma série de virtudes ocultas aos olhos dos demais. Da mesma forma o fariam sua mãe e seus amigos. Creio que Pedro, cheio do Espírito Santo, também não ignorasse nada disso. Entretanto, repito: Pedro foi enérgico! Há situações que se colocam diante de nós em que uma simples poda não resolve. Os galhos voltam a crescer e crescem revigorados. Às vezes, lançar o machado sobre a raiz de uma árvore é a única maneira de preservar a floresta.
Mágicos e ilusionistas espirituais, como Simão, sempre existiram e, provavelmente, sempre existirão. E não há problema nenhum nisso. Não precisamos achar que são, de alguma maneira, homens maus ou nossos inimigos. Desde que não os empoderemos, serão apenas homens comuns que, inseguros e inconscientes de si mesmos, apegam-se a externalidades - ainda que espirituais! - como forma de suprir a elevada demanda de seus egos gulosos. Em outra palavras, gente desesperada que encontrou na espiritualidade sua forma de chamar atenção. Por isso, entregar Simão ao seu próprio caminho, sem dar-lhe a atenção requerida, é o melhor que podemos fazer por nós e por ele mesmo. Deus, em sua infinita misericórdia, cuidará de todos!

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