Muito se fala sobre o “caminho espiritual”. Seja lá o que se queira dizer com isso, deixa-me sempre a impressão de um alvo ou uma meta distante, onde nunca estamos - ou, pelo menos, não de maneira suficiente - e aonde devemos chegar. Geralmente, por meio de disciplinas, esforços, renúncias e sacrífícios. Durante bastante tempo, também eu existi debaixo dessa perspectiva.
Contudo, a inexorabilidade da própria vida, muitas vezes - e ela parece gostar disso! -, joga por terra nossas certezas e, invariavelmente, torna-nos mais leves e flexíveis. Afinal, nada mais cansativo do que ter muitas opiniões e certezas a sustentar.
Depois de muitas, muitas e muitas vezes ter acreditado, de todo o coração, ter encontrado o caminho, descobri que essa misteriosa entidade espiritual por que tanto procurava é, talvez, a maior cilada existencial em que podemos nos meter. Compreendi, finalmente - ou não -, as palavras do carpinteiro de Nazaré: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vem ao Pai senão por mim”.
Percebi, enfim, que é somente quando enxergo a mim mesmo como o próprio caminho, deixando de buscá-lo em qualquer espécie de externalidade, que posso, então, conhecer o Pai - Mãe, Eu superior, Atman ou seja lá o que for - e, com Ele, tornar-me um. Enquanto o caminho estiver fora, não há esperança de unidade. Apenas luta, desespero e toda sorte de neuroses.
Compreender-se como caminho implica receber a si mesmo. É, antes de tudo, um ato de entrega. Uma entrega-recebimento. É quando, abrindo mão de todo julgamento moral e de toda ética de comparação, exorcizamos a nós mesmos e, acolhendo tudo o que somos, temos a oportunidade de tocar e participar do fluxo cósmico. É, em outras palavras, perceber-se como canal atravessado por forças muito maiores, que, a todo instante, compõem uma harmônica, linda e perfeita dança universal.
Não por acaso, boa parte das angústias humanas têm origem, justamente, quando, nos deixamos distrair dessa dinâmica que nos é tão natural. Nesse processo de distanciamento, surge aquilo a que nos acostumamos chamar de identidade. Não só construímos uma personalidade, como acreditamos que nosso Ser identifica-se a ela. Assim, a questão “quem sou eu?”, sub-repticiamente, induz-nos a uma definição, que, cristalizada de maneira identitária, acaba por por limitar-nos e imobilizar-nos em nossa própria fantasia. Somos, entretanto, muito mais e muito menos do que pensamos.
Eis a armadilha da razão. Embora tenha grande apreço pela filosofia e por sua tara conceitual, não posso negar que, muitas vezes, as limitações de seus próprios instrumentos nos conduz a falsas questões, que, por conseguinte, devolvem-nos respostas ilusórias. Nesse sentido, sigo de mãos dadas aos poetas. Livres da necessidade de defender suas ideias - e até mesmo de se fazerem compreendidos! -, ludibriam a razão e mantêm a salvo a existência com todas as suas cores e sabores.
Quando, como eles, conseguimos libertar-nos dos conceitos que criamos para fazer-nos reféns de nós mesmos - ainda que em cativeiro espiritual -, e somos capazes de encontrar essa poesia viva em nosso próprio existir, deparamo-nos com a assombrosa constatação de que aquela velha estrada cinza de asfalto liso que projetávamos como caminho espiritual, simplesmente, não existe. Quando dentro de nós mesmos começamos a ouvir o canto dos pássaros, o tremular das folhas e o barulho das águas; encontramos nossas feras, visitamos nossos vales e nos banhamos na escuridão da lua nova; subimos nossas montanhas, mergulhamos em nossos mares e cruzamos nossos desertos; só, então, podemos, em nós, ouvir a voz do Cristo: Eu sou o caminho, a verdade e a vida. E, assim, aproximando-nos um pouco mais dessa consciência interior, tornamo-nos, também, um pouco mais um com o Pai. Eis o caminho: eu sou.
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