A boca fala do que o coração tá cheio

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Comida e existência: escolhendo o combustível que me alimentará durante o caminho



Num momento onde se tem observado a indústria da saúde e do bem-estar crescer vertiginosamente – com sua volumosa quantidade de informação disponível para todos os gostos – cabe a nós – indivíduos que, pelo menos três vezes por dia, lançamos para dentro do corpo alimentos que são responsáveis por atualizar nossa vida na Terra – escolher com qual tipo de energia queremos comungar.
Andando por aí, no chão da vida, descobri que a realidade – e o homem, que a ela pertence – não possui uma essência que lhe serve de fundamento. De outro modo, são as relações – os modos como as pessoas e as coisas se configuram em seu processo de interação – que constituem um conjunto de significados responsáveis por fundar o mundo. Ou, em outras palavras, aquilo que entendemos por realidade.  
Nesse sentido, não havendo a existência de um homem universal – ou de um padrão ou modelo de humano que possa ser universalizado e aplicado a todos os homens – há que se entender que a relação do homem com o alimento – se, realmente, quer-se pensar esse homem em termos de sua liberdade – será sempre uma relação pautada por sua singularidade. Portanto, falar de uma alimentação inteligente como uma espécie de dieta universal que deveria ser seguida por todos os homens não me parece lá a opção mais inteligente.
Uma alimentação inteligente, de outra maneira, é justamente aquela que – de modo oposto a essa nossa tendência ocidental racionalista (e violenta) de universalização de nossas experiências – leva em consideração, primariamente, a nossa singularidade. É uma forma de se relacionar com o alimento que se mantém viva e aberta, procurando não delimitar aquilo que se pode (ou deve) ou não comer, mas colocando-se como uma postura de ativa receptividade na dinâmica de abundância da Terra.
Dessa maneira, creio que a principal característica de uma alimentação que se pretenda verdadeiramente inteligente é, justamente, sua abertura proveniente do entendimento de que o ato de comer é um dos muitos modos de nos relacionarmos com a Terra e com a vida. Obviamente, entretanto, essa abertura – como tudo na vida – não é irrestrita. Qual seria, então, o limite?
A resposta é bastante simples: o limite é a própria vida. Sim, explico melhor.
Creio na vida como um processo dinâmico de autorrealização que tem na geração de mais vida seu único propósito. Em termos nietzscheanos, poderia dizer que o grande papel do homem na Terra é a realização de sua vontade de potência. Ou, para não complicar, simplesmente, a realização de sua potência.
Dentro dessa perspectiva, penso que alimentar-me de maneira inteligente é alimentar-me de forma que a relação com o alimento seja uma relação que me auxilie no desenvolvimento da minha potência. Uma alimentação que permita com que meu corpo – essa dádiva por meio da qual interajo com a Terra – mantenha-se como um canal limpo, livre de obstáculos que impeçam ou dificultem o fluxo de energia que por ele passa, constituindo não somente ele próprio, mas, em especial, também o mundo que o cerca.
Sim, isso mesmo. Cada vez tenho mais clara a sensação de identidade entre o meu corpo e o meu mundo. Não é necessário acreditar em mim, nem me apresentar argumentos contrários. Apenas faça a experiência de mudar a alimentação – passar a comer comida no lugar de produto químico – e observe o que ocorre com sua vida “exterior”. Um intestino que retém fezes, entupindo nosso corpo e impedindo o fluxo natural de energia que o constitui, muito dificilmente será capaz de perceber um mundo onde tudo flui em torrentes abundantes de graça. Por outro lado, um organismo por onde a vida flui livremente, certamente conhecerá cada vez mais esse aspecto de generosidade que a vida carrega.
Além disso, penso que uma comida inteligente é uma comida – antes de tudo – sustentável. E, obviamente, sustentabilidade aqui nada tem a ver com a palavra de ordem do momento, que tem proporcionado bolsos cheios e vida confortavelmente insustentável para muita gente. Quando me refiro a alimento sustentável, não falo de alimentos simplesmente produzidos sem a utilização de agrotóxicos, mas que são vendidos a preços altamente especulativos, que só servem para a criação de mais um mercado de luxo totalmente conformado à velha dinâmica do capital. Também não falo daquela fruta ou daquela semente da moda que, importadas de terras extremamente distantes e com características totalmente diversas da minha – e que, portanto, não serve para me atualizar em relação ao espaço em que eu vivo –, acabam se tornando extintas em seus locais de origem, prejudicando a vida daqueles que dela realmente precisam. Do que falo, então?
O alimento sustentável, no meu entendimento, é aquele que está perto de mim. Mais uma vez, simples assim (e mais uma vez, continuo falando de alimento e não de químicas bizarras produzidas para terem sabores incríveis e me tornarem dependente de uma indústria perversa e milionária). Assim, diria que, para mim – morador do Rio de Janeiro nesse início de verão –, não há nada mais inteligente, nesse momento, do que comer manga, por exemplo. A sensação que tenho é que o mundo se transformou numa grande mangueira. É o que a Mãe quer me oferecer agora e aquilo que eu, de braços abertos, sorriso no rosto e água na boca recebo com gratidão.
O caso de um esquimó, entretanto, que vive no inóspito ambiente de terras cobertas por gelo, ou mesmo de alguma comunidade ribeirinha brasileira, cercada pela abundância das águas com seus muitos peixes, penso que já seriam situações completamente distintas e que sugerem outras formas de relacionamento com o meio, que levem em consideração as especificidades daquilo que, gratuitamente – isso é importante –, a natureza oferece. Nos contextos apresentados, por exemplo, não me pareceria razoável sugerir ao esquimó uma dieta à base de manga, nem, tampouco, motivado pela antropomorfização da natureza de que tanto gostam, especialmente, os homens urbanos, sugerir àqueles que identificam suas vidas às águas e à pesca uma alimentação onde o peixe não esteja presente.
Assim, se tivesse que escolher uma palavra para designar um modo de alimentação que julgo inteligente – e a inteligência aqui vai, obviamente, muito além da racionalidade –, creio que falaria de uma alimentação relacional. Relacional como a vida. Seria, nesse sentido, uma alimentação que se percebe não como algo dado, pronto, fechado e encerrado nos muitos conceitos e experiências vividos por outros em suas singularidades, mas uma alimentação que – em consonância com a vida – constitui-se como abertura. Uma alimentação que não apenas me proporcione experiências espirituais fantásticas, mas que, acima de tudo, me torne um ser humano melhor no convívio com os outros. Enfim, uma alimentação que me permita, diariamente, manter-me não apenas biologicamente vivo, mas vivo em toda complexidade do meu ser, permitindo-me, a cada momento, realizar minha potência como humano e sustentar a singularidade do meu próprio caminho. 

sábado, 21 de dezembro de 2013

Racionalidade e decadência


A racionalidade é um modo de abertura do mundo que oculta os seus próprios pressupostos. A totalidade da realidade aparece, mas a partir da lógica do ser simplesmente dado, que pressupõe que tanto o homem quanto os demais entes sejam algo em si, ou seja, destituídos de uma relação ontológica conformativa prévia. O próprio mundo oculta-se, tendo em vista que tudo aparece sob o esquema do em si. Porém, se o mundo só se abre através do homem e é mobilizado pelo seu caráter de poder-ser, então a racionalidade sem travas passa a ser um obstáculo para o próprio homem. A razão disto é clara. A racionalidade aparece por causa e para o poder-ser do homem. À medida que o homem relaciona-se com tudo e todos para assegurar-se do seu curso e dominar os eventos, ele conforma-se de acordo com o mundo racional que faz antecipar tudo e todos. Também ele passa a ser categorizável. Devido a essas características do mundo “racional”, o homem passa a ver-se como ser simplesmente dado, o que o leva à pretensão de supressão do seu caráter de poder-ser. Seus comportamentos passam a ser condicionados por estruturas categoriais, o que favorece a experiência de alienação de sua condição. O curso de sua existência pode ser previamente decidido e o homem passa a ser somente um exemplo de um modelo cujas regras antecipadamente já são sabidas. Para Heidegger, esse tipo de existência não é contraditória. Sendo poder-ser, o homem é o único ser que poder ser dissonante de si mesmo. Tal tipo de existência é chamado por Heidegger de existência imprópria. Ela é o modo mais comum de desdobramento existencial, pois nela a existência é facilitada, já que suprime a tarefa existencial primária de ter de conquistar a cada vez o seu ser em resposta à nadidade inerente ao poder-ser. O mundo impessoal é sempre “racional”, visto que o curso de tudo já é previsível e o homem lida taticamente com tudo, especialmente consigo mesmo. Suas possibilidades de ser já estão decididas e o modo de lidar com os entes também. Tudo se torna seguro e a angústia não ganha aí a sua voz. Por isso, “o ser dos entes em sua existência é então compreendido como ser simplesmente dado”.[1] A absorção do homem nesse mundo racionalizado impessoal é a sua decadência[2]. Decadência, antes de ser um conceito moral, é um modo próprio do ser humano. Decadente, o homem não responde ao seu poder-ser de forma singular, mas impessoalmente. Existe segundo a lógica antecipadora da racionalidade de um mundo que a trata como uma mera função de si mesmo. Por mais que use utensílios, o homem não os compreende como tais. Tudo aparece segundo a ideia de em si, e a existência se traduz em comportamentos que funcionalizam a perspectiva de antecipação do curso de tudo e de todos. A previsibilidade passa a retirar a insegurança constitutiva da existência humana.
Com as informações anteriores, sabe-se que o homem não é a priori animal racional. A racionalidade passa a ser um modo de ser que operacionaliza um tipo determinado de existência, qual seja, a existência decadente, que visa regulamentar os comportamentos e obscurecer a singularidade humana e o poder-ser que a determina.

In: Bastos, Aguinaldo de. Ontologia da violência: o enigma da crueldade / Aguinaldo de Bastos, Alexandre Marques Cabral, Jonas Rezende. – Rio de Janeiro: Mauad X, 2010.






[1] HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. Petrópolis/Bragança Paulista: Vozes/São Francisco, 2006.  §43.
[2] Cf. Ibid., §38

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Valoração moral e decadência em Nietzsche


1 - Introdução

            Apesar de ter rejeitado a existência de uma natureza humana metafísica que conferisse ao homem qualquer sentido de unidade, fazendo-o sentir-se pertencente a uma humanidade, Nietzsche – como que por ironia do acaso – acabou por dedicar bom tempo de seus estudos ao desbravamento de uma questão compartilhada por grande parte dos seres humanos: as origens do bem e do mal.
            Tendo como referência principal a sua Genealogia da Moral, esse breve trabalho tem como objetivo a apresentação de alguns insights nietzscheanos a respeito da origem desses valores, e, especialmente, sua relação com a decadência do homem moderno. Para isso, serão apresentadas não só algumas considerações preliminares sobre a concepção nistzscheana do homem e do mundo, como, por fim, será oferecida, a título de conclusão, uma crítica onde se buscará questionar alguns pontos abraçados pelo filósofo alemão ao longo da construção de seu argumento.

2 – O homem e o mundo como Vontade de Potência

            Se há um conceito em Nietzsche que pode ser considerado central, permeando toda sua obra, certamente é o de Vontade de Potência. Numa espécie de radicalização da tese de Schopenhauer – de que a essência mais íntima do ser é a vontade de viver –, Nietzsche irá entender a vida como força, e uma força que tem em si mesma o seu ponto de aplicação. Em outras palavras, poder-se-ia dizer que viver, para Nietzsche, é sempre viver mais. Não em um sentido de longevidade, mas estando mesmo acima da maneira como se vive: é a vontade de viver como pura afirmação de si.
            Essa ideia será tão importante na filosofia nietzschena que será encontrada tanto como um conceito cosmogônico, quanto como um conceito histórico ou psicológico. O mundo, a história e o próprio homem são, assim, pensados por Nietzsche como um eterno devir resultante da ação de uma multiplicidade de forças. Em um de seus fragmentos póstumos, ele expõe essa ideia de forma bastante clara:

E sabeis o que é para mim ‘o mundo’? Devo mostrá-lo a vós em meu espelho? Este mundo: uma monstruosidade de força, sem início, sem fim, uma firme, brônzea grandeza de força, que não se torna maior nem menor, que não se consome, mas apenas se transmuda, inalteravelmente grande em seu todo, uma economia sem despesas e perdas, mas também sem acréscimo, ou rendimentos, cercada de ‘nada’ como de seu limite, nada de evanescente, de desperdiçado, nada de infinitamente extenso, mas como força determinada posta em um determinado espaço, e não em um espaço que em alguma parte estivesse “vazio”, mas antes como força por toda parte, como jogo de forças e ondas de força ao mesmo tempo um e múltiplo, aqui acumulando-se ali minguando, um mar de forças tempestuando e ondulando em si próprias, eternamente mudando, eternamente recorrentes, com descomunais anos de retorno, com uma vazante e enchente de suas configurações, partindo das mais simples às mais múltiplas, do mais quieto, mais rígido, mais frio ao mais ardente, mais selvagem, mais contraditório consigo mesmo, e depois outra vez voltando da plenitude ao simples, do jogo de contradições de volta ao prazer da consonância, afirmando a si próprio nessa igualdade de suas trilhas e anos, abençoando a si próprio como aquilo que tem de retornar, como um vir-a-ser que não conhece nenhuma saciedade, nenhum fastio, nenhum cansaço –: esse meu mundo dionisíaco do eternamente-criar-a-si-próprio, eternamente-destruir-a-si-próprio, esse mundo secreto da dupla volúpia, esse meu ‘para além de bem e mal’, sem alvo, se na felicidade do círculo não está nenhum alvo, sem vontade, se um anel não tem boa vontade consigo mesmo –, quereis um nome para esse mundo? Uma solução para todos os seus enigmas? Uma luz também para nós, vós, os mais escondidos, os mais fortes, os mais intrépidos, os mais da meia-noite? – Esse mundo é a vontade de potência – e nada além disso! E também vós próprios sois essa vontade de potência – e nada além disso! (NIETZSCHE, 1978, p.397) [1].

            Obviamente, essa afirmação encontra-se assentada sobre alguns axiomas. O primeiro, e que grita aos olhos, é a negação da existência de um Deus criador. Além disso, a quantidade total de força existente nesse universo de matéria não-criada não pode ser infinita, mas – antes – deve ser limitada. É somente a partir daí que Nietzsche poderá afirmar a eternidade do mundo e seu fluxo circular constante que não objetiva nenhuma finalidade específica.
            Assim, lançados rapidamente os pressupostos da filosofia nietzschena – mas de forma suficiente para o intuito deste trabalho –, pode-se partir com mais segurança para a análise das origens dos valores morais propriamente dita.

3 – As origens do Bem e do Mal

            Nietzsche inicia sua dissertação primeira da Genealogia da Moral dirigindo uma dura crítica aos psicólogos ingleses. Para ele, estes – como enigmas vivos – teriam algo mais interessante a revelar do que seus próprios livros, que careciam de um espírito histórico.
            O problema da genealogia da moral traçada por esses psicólogos ingleses é apontado por Nietzsche logo em seu início. Quando pretenderam precisar a origem do conceito e do valor “bom” – associando-o a uma ideia de utilidade das ações não egoísticas, que com o tempo teria sido esquecida, fazendo com que o conceito fosse assimilado por costume como “bom em si mesmo” –, eles não consideraram nem mesmo que o próprio sujeito – e, especialmente, o sujeito moderno, com seu pujante livre-arbítrio – é uma criação, uma invenção. E, para Nietzsche, não levar isto em consideração no estudo das origens da moral representaria um enorme equívoco (Cf. GLIKSMAN, 2001, p. 119) [2].
            Segundo Nietzsche, a maneira de agir e não agir do homem, assim como sua felicidade ou infelicidade, tem uma profunda relação com a fisiologia, afetando de forma surpreendente o pensamento (Cf. Ibidem, p.119,120). Assim é que, partindo de uma análise etimológica, ele irá negar toda essa construção de valores que se baseia na utilidade e no esquecimento, e irá apresentar o “bom” não como uma ideia que fundamenta as ações dos homens, mas identificando-o às próprias ações dos homens bons. Para ele,

o juízo ‘bom’ não emana daqueles a quem se prodigalizou a ‘bondade’. Foram os mesmo bons, os homens distintos, os poderosos, os superiores que julgaram ‘boas’ as suas ações; isto é, ‘de primeira ordem’, estabelecendo esta nomenclatura por oposição a tudo quanto era baixo, mesquinho, vulgar e vilão (NIETZSCHE, 2011, p.32) [3].

Assim, o homem não é definido moralmente por sua ação, mas – ao contrário – é sua ação que, ao revelar sua força, se apropria do ato como bom. Mas quem teriam sido esses primeiros homens bons?
            Em toda a filosofia nietzscheana há uma marca muito forte não só desse espírito histórico – historicista até – como, especialmente, de uma dicotomia que separa os homens em duas espécies, ou melhor, em dois tipos: o homem da moral nobre e o homem da moral escrava.
            O homem bom, dotado dessa força criadora e dessa vontade de potência que domina, obviamente, é identificado ao homem da moral nobre. A partir de seus estudos filológicos de análise etimológica do valor do “bom” em diferentes culturas, Nietzsche não só entendeu que o “bom” sempre esteve ligado a nobre, aristocrático, àquele privilegiado, como concluiu que sua criação como valor moral se deu como forma de expansão do poder, aumento do domínio sobre os escravos e, acima de tudo, como forma de demarcar linguisticamente aquilo que está dentro e aquilo que está fora dos interesses (Cf. EIZIRIK & TREVISAN, 2006, p. 366) [4]. Dessa forma, o que aparece por trás dessa ideia de valoração não é uma utilidade que, de antemão, pressupõe uma moderação, nem uma valiosidade, como afirmavam os historiadores da moral, mas – de outro modo – o poder que uma casta mais nobre possui de criar valores que demarquem hierarquias (MOREIRA, 2010, p. 189) [5].

É óbvio que as designações morais de valor, em toda parte, foram aplicadas primeiro a homens, e somente depois, de forma derivada, a ações: por isso é um grande equívoco, quando historiadores da moral partem de questões como "por que foi louvada a ação compassiva?". O homem de espécie nobre se sente como aquele que determina valores, ele não tem necessidade de ser abonado, ele julga: "o que me é prejudicial é prejudicial em si", sabe-se como o único que empresta honra às coisas, que cria valores. Tudo o que conhece de si, ele honra: uma semelhante moral é glorificação de si (NIETZSCHE, 2001, p. 172-3) [6].

            Assim, se o homem da moral nobre tem esse poder de criar valores e demarcar hierarquias de forma positiva, o mesmo não acontece com o homem da moral escrava. Enquanto o primeiro – com seu estado de alma elevado que o distingue e determina hierarquias – age de forma afirmativa, simplesmente desprezando e afastando de si os seres que exprimem o contrário desse estado de orgulho, considerando-os apenas como ruins, o segundo – por sua vez – age somente de forma reativa e a partir de uma negação.
            É extremamente importante ressaltar aqui que essa reatividade da moral escrava tem como fundamento o ressentimento. O homem da moral escrava é, para Nietzsche, antes de tudo, um ressentido.

Relacionado a um problema fisiológico, o ressentimento serve para evidenciar aquele homem sem forças para reagir diante dos imprevistos e das dificuldades da vida e que, também, não consegue digerir os maus sentimentos, aqueles sentimentos nocivos, venenosos, produzidos por sua incapacidade de realizar “a verdadeira reação, a dos atos (NIETZSCHE, 2006, p. 29 apud MOREIRA, Op. Cit., p. 188).

            Assim, não podendo viver de forma espontânea e ativa, esse indivíduo ressentido passaria a viver em função de “um fora”, de “um outro”, de “um não-eu”, transformando esse Não em seu ato criador (Cf. MOREIRA, Op. Cit., p 188).
É de fundamental importância perceber que a distinção que se faz aqui não é mais entre bom e ruim, como no caso da moral nobre, mas entre bom e mau. O homem da moral escrava para se perceber como bom depende – antes – da afirmação do outro como mau. É a clássica lógica do tu és mau, logo eu sou bom.
Como consequência desse ressentimento e dessa sensação de impotência diante da realidade, surge no homem da moral escrava o desejo de vingança em relação àqueles que o desprezaram. E é exatamente dentro desse contexto de ideias que Nietzsche irá relacionar o advento do cristianismo à decadência do homem moderno.
Em seu entendimento, teria sido o cristianismo o principal responsável pela transmutação conceitual dos valores bom e ruim, provenientes da moral nobre, nos conceitos bom e mau, característicos da moral escrava. Sustentar essa posição, entretanto, não foi fácil. Nietzsche teve que, para isso, não só recorrer às raízes judaicas do cristianismo, como, principalmente, postular o povo judeu como “o povo sacerdotal do ressentimento par excellence” (NIETZSCHE, 2006, p.44, apud MOREIRA, Op. Cit., p.189). Segundo ele:

Na história universal, os grandes odiadores sempre foram sacerdotes, também os mais ricos de espírito — comparado ao espírito de vingança sacerdotal, todo espírito restante empalidece. A história humana seria uma tolice, sem o espírito que os impotentes lhes trouxeram — tomemos logo o exemplo maior. Nada do que na terra se fez contra “os nobres”, “os poderosos”, “os senhores”, “os donos do poder”, é remotamente comparado ao que os judeus contra eles fizeram; os judeus, aquele povo de sacerdotes que soube desforrar-se de seus inimigos e conquistadores apenas através de uma radical tresvaloração dos valores deles, ou seja, por um ato da mais espiritual vingança. Assim convinha a um povo sacerdotal, o povo da mais entranhada sede de vingança sacerdotal. Foram os judeus que com apavorante coerência ousaram inverter a equação de valores aristocrática (bom = nobre = poderoso = belo = feliz = caro aos deuses), e com unhas e dentes (os dentes do ódio mais profundo, o ódio impotente) se apegaram a esta inversão, a saber, “os miseráveis somente são os bons, apenas os pobres, impotentes, baixos são bons, os sofredores, necessitados, feios, doentes são os únicos beatos, os únicos abençoados, unicamente para eles há bem aventurança — mas vocês, nobres e poderosos, vocês serão por toda a eternidade os maus, os cruéis, os lascivos, os insaciáveis, os ímpios, serão também eternamente os desventurados, malditos e danados!... (NIETZSCHE, 1998, p.25-6) [7].

Assim, a partir dessa transmutação dos conceitos, a aristocracia sacerdotal teria criado valores em forma de cura para as supostas doenças da humanidade. E, dentre esses remédios, certamente, o principal teria sido a própria ideia de Deus e de verdade suprema. Com isso, associando a ideia de verdade à de juízo de valor, a aristocracia sacerdotal teria triunfado, codificando e simplificando o mundo em detrimento da multiplicidade, da variedade e do movimento.
O grande problema, para Nietzsche, é que esse tipo metafísico de conhecimento teria como único objetivo criar uma identidade e uma unidade que a vida não tem. Em seu entendimento, o conceito de verdade parte de uma avaliação da vida que nega o fluxo, o movimento, a guerra de forças. Portanto, a verdade não poderia ser usada como critério de avaliação da vida. Só a própria vida possuiria esse critério (Cf. MOREIRA, Op. Cit., p.190).
O que Nietzsche está – ousadamente – afirmando é que aquilo que ele denomina decadência do homem moderno teve início com os judeus e sua rebelião escrava na moral, e triunfou com o amor cristão – este não como uma negação do ódio judeu, mas como coroamento dele.

E o que se vê com essa cultura do ressentimento é a vontade de dominar o animal de rapina que existe no homem, dominá-lo e depois de vencidos e dominados os ideais do homem nobre, conservar suas ficções como os verdadeiros objetos da cultura promovendo um autêntico retrocesso para a humanidade. E é a isso que hoje devemos temer, ao “homem manso”, que forjado por essa cultura possa se sentir como apogeu e meta. Para Nietzsche, não se pode ter mais amor e respeito ao homem enquanto este se mantiver preso a esta cultura (Ibidem, p. 191).

4 - Conclusão

O que fica claro ao longo de todo esse empreendimento de busca das origens dos valores morais é que Nietzsche – à semelhança dos psicólogos ingleses à quem dirige suas críticas – também acaba se mostrando um grande enigma vivo com muito mais revelações a oferecer do que seus próprios livros.
Filho de pastor luterano, o filósofo alemão deixa transparecer ao longo de sua filosofia todos os conflitos inerentes a uma vida que se desenvolve no interior de um ambiente religioso formal e altamente opressor. Não por acaso, nem por alguma evidência histórica, seu pressuposto fundamental é a negação da existência de Deus e a consequente eternidade do mundo.
Assim, partindo desse ponto de vista, não é de se admirar que toda uma filosofia que se sustenta sobre a separação dos homens em tipos, naturalizando a dominação dos mais fortes sobre os mais fracos, tenha partido – ela mesma – de uma negação, ironicamente a marca principal do homem ressentido.
Como afirma Mário Ferreira dos Santos em seu prefácio à Genealogia da Moral – obra da qual também é tradutor, se as acusações que os adversários de Nietzsche lhe fazem não procedem e, muitas vezes, devem, com razão, serem consideradas injustas,  não procediam também as acusações disparadas por Nietzsche àqueles a quem tanto atacou. Não todas, pelo menos.

Se não é Nietzsche o ‘louco degenerado’, porque havia grande religiosidade em sua alma, como o demonstrou em ‘Zaratustra’ e tivemos naquela obra a oportunidade de provar, se ele não ‘podia crer’, na verdade, o de que descria era a caricatura que ele formava, seguindo, neste ponto, as influências de tantos inimigos do cristianismo. E, aqui, foi ele bem frágil e ‘bem rebanho’, pois deixou-se acaudilhar por todos os grandes acusadores que inflamaram, através dos tempos, uma religião que, se deu homens que não estavam à sua altura, não deixa, contudo, de representar o que de mais alto o homem conheceu (NIETZSCHE, 2011, p.15)

Dessa forma, ao dedicar boa parte de seus escritos ao ataque do cristianismo, pode-se concluir que, baseado em seu próprio argumento, restou como saída ao filósofo alemão apenas duas possibilidades: reconhecer a incoerência e o reducionismo de uma filosofia asfixiada pela história; ou, de outro modo, confessar a si mesmo como um representante – empenhado – da moral escrava.

5 - Referências Bibliográficas:

- EIZIRIK, M. F. & TREVISAN, J. F.. Da Genealogia da Moral à Moral do Ressentimento: A Crueldade nos Bons Costumes. In: Psicologia, ciência e profissão, vol. 26, Nº 3. Brasília, Setembro de 2006. Disponível em < http://www.scielo.br/pdf/pcp/v26n3/v26n3a03.pdf > Acesso em: 10 outubro 2012.
- MOREIRA, Antônio Rogério da Silva. Nietzsche: o Ressentimento e a Transmutação Escrava da Moral. In: Argumentus Revista de Filosofia, Ano 2, N°. 3 – 2010. Disponível em: <http://www.filosofia.ufc.br/argumentos/pdfs/edicao_3/25.pdf  > Acesso em: 10 outubro 2012.
- NIETZSCHE, Friedrich. Além do bem e do mal. [Tradução: Paulo César de Souza]. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
- ____________________. Genealogia da Moral. [Tradução: Paulo César de Souza]. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
- ____________________. Genealogia da Moral. [Tradução: Mário Ferreira dos Santos]. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011.
- ____________________. Obras incompletas. [Tradução: Rubens Rodrigues Torres Filho]. São Paulo: Ed. Abril, 1978.




[1] NIETZSCHE, Friedrich. Obras incompletas. [Tradução: Rubens Rodrigues Torres Filho]. São Paulo: Ed. Abril, 1978.
[2] GLIKSMAN, Selmo. A ética do sobre-humano. 2005. Tese de Doutorado. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2001.
[3] NIETZSCHE, Friedrich. Genealogia da Moral. [Tradução: Mário Ferreira dos Santos]. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011.
[4] EIZIRIK, M. F. & TREVISAN, J. F.. Da Genealogia da Moral à Moral do Ressentimento: A Crueldade nos Bons Costumes. In: Psicologia, ciência e profissão, vol. 26, Nº 3. Brasília, Setembro de 2006. Disponível em < http://www.scielo.br/pdf/pcp/v26n3/v26n3a03.pdf > Acesso em: 10 outubro 2012.
[5] MOREIRA, Antônio Rogério da Silva. Nietzsche: o Ressentimento e a Transmutação Escrava da Moral. In: Argumentus Revista de Filosofia, Ano 2, N°. 3 – 2010. Disponível em: <http://www.filosofia.ufc.br/argumentos/pdfs/edicao_3/25.pdf  > Acesso em: 10 outubro 2012.
[6] - NIETZSCHE, Friedrich. Além do bem e do mal. [Tradução: Paulo César de Souza]. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.

[7] NIETZSCHE, Friedrich. Genealogia da Moral. [Tradução: Paulo César de Souza]. São Paulo: Companhia das Letras,1998.

terça-feira, 19 de novembro de 2013

Deleuze e a lógica dos sentidos


Em seu livro Francis Bacon: Lógica da sensação, Deleuze não só analisa de que forma a pintura baconiana questiona o tradicional modelo de figuração, mas, também – de maneira indireta –, acaba por colocar em xeque o próprio modo esquemático de ser da lógica representativa. Para ele, ao romper com os limites da representação, da narração e da figuração clássica, o pintor reconstrói a forma, a figura e a cor, subvertendo a lógica tradicional e proporcionando o mergulho em outro tipo de lógica: a lógica dos sentidos.
Deleuze observa que em Bacon há sempre uma grande preocupação em evitar a típica armadilha da pintura de representar um objeto ou uma figura humana através de semelhança da cópia ao modelo. Para o filósofo francês, há em Bacon a invenção de um campo conceitual/estético que vai além dos limites da simples representação, e, consequentemente, o uso de uma lógica sub-representativa de caráter muito singular. Percebe-se aí uma crítica bastante radical em relação aos mecanismos reprodutivos de produção do real, que é muito bem expressa pelo modo com que o pintor distorce a figura e borra os contornos que a delimitam, fazendo surgir corpos e objetos atravessados por fluxos intensivos e livres de coordenadas fixas e predeterminadas.
Dessa forma, o que se pode perceber é que o pintor opta não por representar um modelo ou um objeto exterior por meio de uma ilustração, mas – de outro modo – por criar imagens potentes e sensíveis que sejam capazes de atingir o sistema nervoso do observador, atuando mais em seus sentidos do que em sua inteligência. Por isso, quando Bacon recorre às variações do corpo humano, o que ele está fazendo é construir um bloco de sensações, onde o corpo, em suas torções e distorções, passa a ser um suporte de inúmeras possibilidades. Em outras palavras, pode-se afirmar que o que Bacon deseja é desestratificar as rígidas codificações do organismo, abrindo possibilidade para a existência de um corpo intensivamente aberto aos fluxos interconectivos.
Com isso, torna-se possível conceituar aquilo que Deleuze chamou de matéria não-estratificada: uma espécie de corpo afetivo, intensivo, anarquista, que só comporta polos, zonas, limiares e gradientes, onde fica explícita a ação de um campo ilimitado de fluxos, que, escapando das codificações dualistas, constituem-se como linhas de desterritorialização. É um corpo caracterizado como “poderosa vitalidade não-orgânica”, um corpo em devir, em intensidade, com poder tanto de afetar, como de ser afetado. Em termos nietzscheanos, um corpo como vontade de poder.

Assim, fica bastante claro que, para Deleuze, a arte baconiana adota a direção de um anti-platonismo em relação ao estatuto da imagem enquanto tal, constituindo-se, portanto, numa crítica aos estratos elementares da representação humana e expressando uma insatisfação em relação aos componentes constitutivos da figuração. Para ele, o que as figuras desfiguradas de Bacon proporcionam é a experiência da beleza entendida não como adequação entre a imagem pintada e seu modelo, ou a abstração formal de uma desfiguração absoluta, mas – de outro modo – a construção de uma imagem formalmente potente e dotada de valores táteis. É, portanto, um quadro menos para ser visto do que para ser tocado por todos os nossos órgãos corpóreos.

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Nietzsche e o caráter trágico da existência


Se para Platão o conhecimento verdadeiro é algo pertencente à esfera das Ideias – o mundo eterno e imutável das essências – e somente alcançado pela via do intelecto, para Nietzsche, de outro modo, fortemente influenciado pela filosofia hieraclítica, o mundo constitui-se como um constante devir que não possui uma essência e nem mesmo algum sentido último.
Para Nietzsche, a vida é o resultado de uma luta de forças e se expressa no homem como uma guerra interior entre o espírito apolíneo e o dionisíaco. Enquanto o primeiro representaria a ordem, a harmonia e a racionalidade, o segundo seria o responsável pela vontade de viver espontânea e pela criatividade geradora. Dessa maneira, o homem livre – que se opõe diametralmente àquilo que Nietzsche entende como homem do rebanho –, seria, justamente, este homem que – enfatizando o aspecto dionisíaco – vive de tal maneira que afirma constantemente a vida, não se enquadrando nos valores morais socialmente construídos, mas construindo novos valores.
Nesse sentido, Nietzsche irá, obviamente, criticar com bastante força a superficialidade do modelo socrático de formação do homem, que, em nome de um ideal de racionalidade e em favor de um modelo de homem dócil, obediente e destituído de personalidade, não só abdicou da cultura, como acabou demolindo o próprio humano.
Segundo o filósofo alemão, o que a filosofia socrática fez foi eliminar da vida seu caráter trágico e – através de um processo de antropomorfização operado pelo intelecto – apoderar-se do mundo, transformando a ilusão e o disfarce em essência. Com isso, o homem não apenas abriu mão da luta pela existência, como teve a necessidade de criar uma verdade com sentido moral que lhe oferecesse uma sensação de conservação.
Dessa maneira, Nietzsche percebeu que por trás de toda busca racional da verdade existe, na realidade, um desejo de morte. Sendo a morte o oposto que dá sentido à vida, esse desejo de esgotamento da vida metamorfoseia-se em saber racional e acaba indo na direção contrária àquela que a vida persegue. É, portanto, como se o sentimento moral humano necessitasse de uma constatação de sua mentira e engano para que as forças desnorteantes da vida pudessem ser controladas e condicionadas à conservação do indivíduo e não da vida. Assim, o saber constitui-se como responsável pela perpetuação do ser e não do devir, que, por sua vez, estaria mais próximo da vida.
Dessa forma, a conclusão a que Nietzsche chega é que, enquanto o esforço do homem trágico – pautado em um pathos de superioridade que se expressa no modo afirmativo com que considera o sofrimento e suporta os terrores da existência – concentra-se em superar as condições consideradas adversas, criando outras situações e recriando valores, o homem teórico – que tem sua expressão maior em Sócrates – não sendo capaz de suportar o sofrimento imposto pela existência, acaba por criar uma espécie de atalho que serve de reparação à existência, conferindo-lhe não só uma finalidade, como, em última instância, um valor moral.


quarta-feira, 2 de outubro de 2013

O DOM DA VIDA NA RELVA HUMILDE


E Jesus disse: “Contemplai, Filhos da Luz, a relva despretensiosa. Vede dentro do que estão contidos todos os anjos da Mãe Terrena e do Pai Celestial. Pois agora entrastes na Corrente da Vida, que vos carregará, a seu tempo, para a vida imortal do reino do vosso Pai Celestial.

Na relva estão todos os anjos. Aqui, no brilho da cor verde das hastes do trigo está o anjo do Sol. Pois ninguém pode olhar para o sol quando ele atinge o seu fastígio nos céus, já que os olhos do Filho do Homem são ofuscados pela sua luz radiante. E é por isso que o anjo do Sol confere a cor verde a tudo aquilo que dá vida, para que o Filho do Homem possa fitar os muitos e vários matizes de verde e neles encontrar força e conforto. Em verdade vos digo, tudo o que é verde e tem vida tem também em seu âmago o poder do anjo do Sol, incluindo essas hastes tenras de trigo novo.

E dessa maneira o anjo da Água abençoa a relva, pois em verdade vos digo, há mais do anjo da Água dentro da relva do que de qualquer outro anjo da Mãe Terrena. Pois se esmagardes a relva com as mãos, sentireis a água da vida, que é o sangue da Mãe Terrena. E todos os dias em que tocardes a relva e entrardes na Corrente da Vida, daí ao solo umas poucas gotas de água, para que a relva se renove pelo poder do anjo da Água.

Sabei também que o anjo do Ar está dentro da relva, pois tudo o que está vivo e verde é o lar do anjo do Ar. Encostai o rosto na relva, respirai fundo e deixai o anjo do Ar entrar profundamente no interior do corpo. Pois ele habita na relva, como o carvalho habita na bolota e o peixe habita no mar.

O anjo da Terra é o que dá à luz a relva, e assim como a criança no ventre vive da alimentação de sua mãe, assim também a terra dá de si ao grão do trigo, fazendo-o germinar para projetar-se ao encontro do anjo do Ar. Em verdade vos digo, cada grão de trigo que jorra para cima, na direção do céu, é uma vitória sobre a morte, onde reina Satanás. Pois a vida sempre começa.

É o anjo da Vida que passa, através das hastes da relva, para o corpo do Filho da Luz sacudindo-o com o seu poder. Pois a relva é vida e o Filho da Luz é vida, e a vida flui entre o Filho da Luz e as hastes de relva, fazendo uma ponte para a Corrente Sagrada de Vida, que deu origem a toda a criação.
E quando o Filho da Luz segura entre as mãos as hastes da relva, o anjo da Alegria lhe enche o corpo de música. Entrar na Corrente da Vida é unir-se ao canto do pássaro, às cores das flores silvestres, ao cheiro dos feixes de grãos, que acabam de ser revolvidos nos campos. Em verdade vos digo, quando o Filho do Homem não sente alegria no coração, trabalha para Satanás e traz esperança aos filhos da treva. Não há tristeza no reino da Luz, apenas o anjo da Alegria. Aprendei, portanto, com as hastes tenras da relva, o canto do anjo da Alegria, para que os Filhos da Luz possam caminhar sempre com ele e, destarte, confortar o coração dos Filhos dos Homens.

A Mãe Terrena provê à subsistência do nosso corpo, pois nascemos dela e nela temos a nossa vida. Por isso mesmo ela nos fornece alimento nas mesmas hastes de relva que tocamos com as mãos. Pois em verdade vos digo, não é apenas como pão que o trigo nos alimenta. Podemos comer também das hastes tenras da relva, para que a força da Mãe Terrena entre em nós. Mastigai bem, contudo, essas hastes, pois os dentes do Filho do Homem são diferentes dos dentes dos animais, e somente quando mastigamos bem as hastes da relva o anjo da Água entra em nosso sangue e dá-nos força. Comei, pois, Filhos da Luz, da erva mais perfeita da mesa de nossa Mãe Terrena, para que os vossos dias sejam longos sobre a terra, pois encontram graça aos olhos de Deus.

Em verdade vos digo, o anjo do Poder entranha-se em vós quando tocais a Corrente de Vida por intermédio das hastes de relva. Pois o anjo do Poder é como luz brilhante que envolve todas as coisas vivas, como a lua cheia é rodeada de anéis de radiância, como a névoa sobe dos campos quando o sol se ergue no céu. E o anjo do Poder introduz-se no Filho da Luz quando o seu coração é puro e o seu desejo se resume em confortar e ensinar os Filhos dos Homens. Tocai, pois, as hastes da relva. E senti o anjo do Poder entrar pela ponta dos vossos dedos, alçar-se no interior do vosso corpo e sacudir-vos, até ficardes tremendo de espanto e de respeitosa admiração.

Sabei que o anjo do Amor também está presente nas hastes da relva, pois o amor está no dar, e grande é o amor dado aos Filhos da Luz pelas tenras hastes da relva. Pois em verdade vos digo, a Corrente de Vida corre através de todas as coisas vivas, e tudo o que vive se banha na Corrente Sagrada da Vida. E quando o Filho da Luz toca com amor as hastes da relva, estas lhe retribuem o amor e o conduzem à Corrente da Vida, onde ele encontra a vida sempiterna. E esse amor nunca se exaure, pois a sua fonte está na Corrente da Vida, que flui para o Mar Eterno e, por mais que o Filho do Homem se tenha distanciado de sua Mãe Terrena e de seu Pai Celestial, o contato das hastes de relva lhe traz sempre uma mensagem do anjo do amor, e seus pés voltam a banhar-se Corrente Sagrada da Vida.

Eis que o anjo da Sabedoria governa o movimento dos planetas, o círculo das estações e o crescimento ordenado de todas as coisas vivas. Dessa maneira, o anjo da sabedoria ordena a comunhão dos Filhos da Luz com a corrente da Vida, por intermédio das tenras hastes de relva. Pois em verdade vos digo, vosso corpo é santo porque se banha na Corrente da Vida, que é a Ordem Eterna.

Tocai as hastes de relva, Filhos da Luz, e tocai o anjo da Vida Eterna. Pois, se olhardes com os olhos do espírito, vereis realmente que a relva é eterna. Agora, nova e tenra, tem o brilho de uma criancinha recém-nascida. Logo se tornará alta e graciosa, como a árvore nova com seus primeiros frutos. Em seguida, amarelará com a idade, e inclinará a cabeça com paciência, como o campo depois da colheita. Finalmente, murchará, pois o potezinho de barro não pode encerrar todo o período de vida do trigo. Mas não morre, pois as folhas amareladas voltarão para o anjo a Terra, que acalenta a planta nos braços e faz dormir, e como todos os anjos trabalham nas folhas desbotadas, eis que elas se modificam e, em vez de morrer, tornam a erguer-se em outra forma. E, assim, os Filhos da Luz nunca veem a morte, e são, apenas, mudados e guindados à vida eterna.

De modo que o anjo do Trabalho nunca dorme, mas enfia as raízes do trigo profundamente no seio do anjo da Terra, a fim de que os rebentos de verde tenro superem a morte e o reinado de Satanás. Pois vida é movimento e o anjo do Trabalho, que nunca pára, executa um trabalho incessante na vinha do Senhor. Fechai os olhos quando tocardes a relva, Filhos da Luz, mas não adormeçais, pois tocar a Corrente da Vida é o mesmo que tocar o ritmo eterno dos reinos imortais, e banhar-se na Corrente da Vida é sentir, cada vez mais, o poder do anjo do Trabalho dentro de vós, criando na terra o reino do Céu.

A paz é a dádiva da Corrente da Vida aos filhos da Luz. Daí a razão porque sempre nos saudamos uns aos outros dizendo, ‘A paz seja convosco’. Ainda assim, a relva vos saúda o corpo com o beijo da Paz. Em verdade vos digo, a Paz não é tão só a ausência da guerra, pois muito rapidamente pode o rio pacífico transformar-se em torrente em torrente desencadeada, e as mesmas ondas que embalam o barco podem, num instante, despedaçá-lo de encontro às rochas. Assim se esconde a violência emboscada, à espera dos Filhos do Homem, quando eles não fazem a vigília da Paz. Tocai as hastes de relva e, por esse modo, tocai a Corrente da Vida. Dessa maneira encontrareis a Paz, a Paz construída com o poder de todos os anjos. E, assim, com essa Paz, os raios da Luz Sagrada expelirão toda a escuridão.

Quando os Filhos da Luz se identificam com a Corrente da Vida, o poder das hastes da relva os conduz ao reino imortal do Pai Celestial. E sabereis mais a respeito desses mistérios quando chegar o momento de ouvi-los, que este ainda não é o instante adequado. Pois outras Correntes Sagradas existem nos reinos imortais; em verdade vos digo, os reinos celestiais são cruzados e recruzados por arroios de luz de ouro, que formam arcos muito além da abóboda do céu e não têm fim. E os Filhos da Luz viajarão por esses arroios para sempre, sem conhecer a morte, guiados pelo amor eterno do Pai Celestial. E em verdade vos digo, todos esses mistérios estão contidos na relva modesta, quando a tocais com ternura e abris o coração para anjo da Vida que se encontra dentro dela.

Juntai, portanto, aos grãos de trigo e plantai-os em potezinhos de barro; e, todos os dias, de coração alegre, comungai com os anjos, a fim de que eles possam guiar-vos à Corrente Sagrada da Vida, e vós possais trazer de sua fonte eterna conforto e força para os Filhos dos Homens. Pois em verdade vos digo, tudo o que aprendeis, tudo o que veem os olhos do vosso espírito, não será mais que um caniço oco levado pelo vento se não mandardes uma mensagem de verdade e luz aos Filhos dos Homens. Pois pelo fruto conhecemos o valor da árvore. E amar é um ensinar sem fim, incessante. Pois assim foram os vossos pais ensinados em outro tempo, até o nosso pai Enoque. Ide agora e a paz seja convosco.”

E Jesus mostrou o potezinho em que viam as hastes de relva nova, como um gesto de benção. E dirigiu-se às colinas ensolaradas, ao longo da margem do rio, como era costume de todos os Irmãos. E os outros o seguiram, cada qual retendo para si as palavras de Jesus, como se fossem uma joia preciosa encerrada no peito.

Trecho extraído de: SZEKELY, Edmond Bordeaux. O Evangelho Essênio da Paz. São Paulo: Editora Pensamento, 2011.


sexta-feira, 30 de agosto de 2013

O INDIVÍDUO CORAM DEO: ÉTICA, REPETIÇÃO E LIBERDADE NA FILOSOFIA EXISTENCIAL DE SØREN KIERKEGAARD




Indrodução

         Apesar de sua evidente riqueza e das inúmeras contribuições que pode trazer para o debate filosófico, é inegável o fato de que o pensamento do filósofo dinamarquês Søren Kierkegaard permanece ainda bastante pouco explorado, especialmente no âmbito da academia brasileira. Nesse sentido, essa pesquisa teve como objetivo não só contribuir com a difusão de suas ideias, como, principalmente, apresentá-las como uma alternativa de pensamento que rompe com o tradicional dogma da autonomia da razão[1] – pressuposto sobre o qual se desenvolveram, praticamente, todas as filosofias até então, dos gregos até os pós-modernos.
         Para isso, inicialmente, procurei compreender o contexto histórico-filosófico no qual o autor encontra-se inserido, buscando delimitar o que ele entende por filosofia existencial, que – de acordo com sua perspectiva – seria a única filosofia realmente legítima; em um segundo momento, debrucei-me sobre sua concepção de Indivíduo, que, como será mostrado, constitui o conceito-chave para a compreensão de todo o seu pensamento; em seguida, trabalhei os conceitos de ética, repetição e liberdade, procurando compreender não só como eles se relacionam entre si, mas, também, o que têm a nos oferecer em termos de contribuição para a nossa própria existência; e, por fim, à título de conclusão, tencionei analisar até que ponto Kierkegaard foi – ou não – fiel ao seu projeto.

O primado da existência

         Nas raríssimas vezes em que se ouve alguma menção ao pensamento de Kierkegaard, geralmente o discurso encontra-se ligado ou a sua clássica concepção dos três estádios da existência, ou a sua alegada paternidade do existencialismo. Entretanto, se se pretende compreender a obra do dinamarquês de maneira mais fiel à compreensão que ele mesmo possuía de si enquanto filósofo, o primeiro mito que precisa ser desfeito, é, justamente, esse que o apresenta como pai do existencialismo.
         Segundo Gouvêa, embora Kierkegaard tenha, certamente, influenciado o pensamento de alguns dos assim chamados filósofos existencialistas – assim como também o fizeram Dostoievsky, Nietzsche, Miguel de Unamuno, Kafka, Henri Bergson e Martin Buber, entre outros –, identificar sua filosofia com essa escola de pensamento constituir-se-ia não somente um erro banal, mas uma traição (Cf. GOUVÊA, 2009, p. 47) [2]. Entretanto, infelizmente, ao definir Kierkegaard como pai do existencialismo, “pode-se mais facilmente louvá-lo ou rejeitá-lo como irracionalista, subjetivista, ou relativista. É o modo mais fácil de livrar-se de um autor difícil” (GOUVÊA, 2006, p. 88) [3].
         De fato, até mesmo um olhar superficial sobre o corpus kierkegaardiano é capaz de revelar, com bastante clareza, a forte repulsa que Kierkegaard sempre nutriu em relação aos sistemas filosóficos. Nesse sentido, nada seria mais irracional do que ele próprio desenvolver um tipo de pensamento contra o qual combateu por praticamente toda a vida, seja ele de cunho existencialista ou de qualquer outra natureza. A existência, para Kierkegaard, definitivamente, não se ajusta a sistemas:

Um pensador ergue um grande edifício, um sistema, um sistema que abrange o todo da existência, história do mundo, etc., e se sua vida pessoal é considerada, para nosso espanto faz-se a descoberta assustadora e burlesca de que ele mesmo não vive pessoalmente neste grande e abobodado palácio, mas numa cabana ao lado, ou numa casa de cachorro, ou na melhor das hipóteses, na guarita do porteiro (KIERKEGAARD apud ibidem, p. 89).

Assim, o que se observa é que a intenção de Kierkegaard nunca foi a de criar sistemas de pensamento ou dar início a alguma escola filosófica. De outro modo, ele via a si mesmo como um corretivo existencial de seu tempo, que tinha como tarefa apresentar os ideais de maneira poética, de forma que pudesse incitar as pessoas sobre a ordem estabelecida (Cf. SONTAG apud ibidem, p. 89). Entretanto, para Gouvêa, Sartre cometeu um grave equívoco ao considerar “o compromisso de Kierkegaard com o cristianismo como se fosse algo supérfluo, apesar da crença deste de que isto era a pedra fundamental de seu pensamento” (GOUVÊA, Op. Cit. p. 90). Na verdade, o que aconteceu foi que não apenas Sartre, como também Heidegger, “ignoraram o único e singular propósito declarado de toda a obra de Kierkegaard: esclarecer conceitos cristãos e mostrar como alguém realmente pode tornar-se cristão” (ibidem, p. 91). Sem esse entendimento, até mesmo a compreensão a respeito dos três estádios da existência fica comprometida.

O movimento descrito pela obra é este: do poeta (da estética), da filosofia (da especulação), para a indicação da definição mais central do que seja cristianismo... Este movimento foi conseguido ou descrito uno tenore, de um fôlego, se posso usar esta expressão, de forma que a obra, vista integralmente, é religiosa do início ao fim – algo que todo mundo pode ver se estiver disposto a ver, e portanto pode ver...a mente perspicaz reconhecerá que correspondendo a esta obra há um originador que, como autor, “desejou apenas uma coisa”. A mente perspicaz reconhecerá ao mesmo tempo que esta coisa é o religioso, mas o religioso completa e profundamente transposto em reflexão, mas de tal forma que esteja completa e profundamente retirado da reflexão e devolvido à simplicidade – isto é, ele verá que a estrada percorrida tem o alvo de aproximar, de obter simplicidade”  (KIERKEGAARD apud ibidem, p. 91).

Todavia, se o exposto até aqui já é suficiente para rejeitarmos qualquer relação mais direta de Kierkegaard com o existencialismo, é também inegável a forte ênfase existencial que pode ser encontrada ao longo de toda sua obra. Para Kierkegaard, de fato, não havia nada mais repugnante do que uma filosofia que se reduzisse a meros jogos linguísticos, com suas proposições bem articuladas, mas vazias de conteúdo. Em seu entendimento, a filosofia deveria ser não uma reflexão de saber, mas uma reflexão de poder, que, de alguma forma, conduzisse o singular a comprometer-se consigo mesmo, tornando-o capaz de reduplicar o ato de pensar no ato de existir (Cf. ALMEIDA E VALLS, 2007, p. 30) [4].
Assim, o que fica bastante evidente é que a chave hermenêutica da filosofia existencial, da maneira como Kierkegaard a compreende, deve ser a decisão apaixonada do existente na transformação da própria existência, visto que toda decisão essencial se dá na subjetividade. Com isso, a filosofia sai do campo de uma mera abstração estéril e assume a perspectiva de um diálogo íntimo e profundo do eu consigo mesmo.
  Obviamente, essa ênfase kierkegaardiana na subjetividade rendeu-lhe várias críticas daqueles que viram nela a possibilidade de degeneração em subjetivismo ou relativismo. Entretanto, para compreender o pensamento do dinamarquês é necessário não somente atentar para o caráter eminentemente cristão de sua obra – como já colocado anteriormente –, como também situá-lo no contexto histórico-filosófico no qual está inserido.
Nesse sentido, é possível afirmar que os escritos kierkegaardianos estão, praticamente, o tempo todo em um intenso diálogo com o racionalismo moderno, expressos, principalmente, nos pensamentos de Kant e Hegel. Para o filósofo de Copenhagen, a filosofia hegeliana, especialmente, poderia até ter alguma utilidade na interpretação da vida, o verdadeiro problema, entretanto, seria vivê-la (Cf. GOUVÊA, Op. Cit., p. 44). Por isso, a identificação que a filosofia moderna opera entre o ser e o pensamento é, tacitamente, rejeitada por Kierkegaard.

Na filosofia das ideias puras, a qual não considera o indivíduo real, a passagem é de absoluta necessidade (como aliás no hegelianismo, no qual tudo se realiza com necessidade), isto é, a passagem do compreender ao agir não tropeça em nenhum embaraço. [...] E é igualmente esse, no fundo, todo o segredo da filosofia moderna, toda ela contida no cogito ergo sum, na identidade do pensamento e do ser; (ao passo que o cristão, esse, pensa: Que vos seja dado segundo a vossa fé ou: tal fé, tal homem, ou: crer é ser). A filosofia moderna não é, como se vê, senão paganismo (KIERKEGAARD, 1979, p. 250) [5].

Também sobre a crítica kierkegaardiana a essa identificação da filosofia moderna do ser e do pensar, Almeida e Valls comentam o seguinte:

A diferença entre pensamento e existência, embora colocada pela razão, não se reduz à razão, porque, na ótica existencial, a razão é uma dimensão da existência, não sinônimo dela. O pensamento puro não é capaz de criar a partir do próprio pensar a realidade, Deus e o Bem. A tarefa existencial não é objeto do pensamento puro, mas da existência, precisamente, do existente, pois “existir significa, antes de tudo, e, sobretudo, ser um indivíduo singular e é por isso que o pensamento puro deve prescindir da existência, porque o singular não se deixa pensar, somente o universal” (ALMEIDA E VALLS, Op. Cit., p. 53).

         Por isso, para Kierkegaard, essa supressão do indivíduo singular diante da abstração do universal que ganhou força na modernidade mostrou-se tão perniciosa e desumanizadora. Nesse sentido, a “correção dialética” operada por Hegel na lógica aristotélica – negando os princípios de não-contradição e do meio excluído – acabou por engolir todas as oposições, transformando a vida numa apatia absoluta e conduzindo-a à desmoralização (Cf. GOUVÊA, 2009, p. 54). Portanto, no entendimento do dinamarquês, “dissolver-se no universal, seja concebido como estado ou como pensamento universal, é rejeitar a responsabilidade pessoal e a existência autêntica (ibidem, p. 55).
         Para compreender essa forte antipatia de Kierkegaard à filosofia moderna – e ao hegelianismo em particular, com sua forte ênfase universalista – é preciso compreender que, para ele, a existência é, antes de tudo, contradição, ou, utilizando o termo mais comumente empregado por ele: paradoxo. Enquanto a filosofia estava identificada à mediação, o cristianismo, por sua vez, constituía o paradoxo. Ainda que a lógica dialética hegeliana tivesse acabado não só com todos os paradoxos, mas, também, com sua própria possibilidade de existência, para Kierkegaard “a personalidade protestará por toda a eternidade contra a ideia de que contrastes absolutos podem ser mediados (e este protesto é incomensurável com a afirmação da mediação); para toda a eternidade ela repetirá seu dilema imortal: ser ou não ser – eis a questão (Hamlet)” (KIERKEGAARD, apud GOUVÊA, 2006, p. 169).

Kierkegaard amava paradoxos porque ele via a importância do paradoxo para a transmissão das mais profundas verdades cristãs. A percepção de que paradoxos são fundamentais para a comunicação das mais profundas verdades religiosas não é sequer exclusivamente cristã ou bíblica. Ela está presente também em outras religiões. São exemplos disso também os Koans do Zen-Budismo, a tradição do Budismo Madhiamica, e o Hassidismo judaico. [...] Enfim, o paradoxo é uma ferramenta por meio da qual o eu ético-religioso pode ser, como Carnell coloca, “chocado de sua tendência natural de ter uma idéia maior de si do que deveria. Enquanto o eu conseguir perpetuar a ilusão de que sua posição no tempo é apenas uma ocasião para especulação, assim o eu continuará ignorante de seu pecado. E esta ignorância, por sua vez, encorajará o eu a conceber Deus como pouco mais do que a contra-partida cósmica da razão humana” (GOUVÊA, Op. Cit., p. 170).

         Portanto, de acordo com o que foi exposto até aqui, três pontos devem ser considerados fundamentais na abordagem do pensamento kierkegaardiano: Kierkegaard não é – nem de longe – um filósofo existencialista, mas um cristão que dedica seu labor filosófico à tarefa de conduzir os homens ao cristianismo do Novo Testamento; apesar disso, sua filosofia apresenta, sim, uma forte ênfase existencial, visto que, mesmo não terminando suas conclusões na existência, ele tira suas conclusões da existência, quer se movimente na esfera dos fatos sensíveis e palpáveis, quer no domínio do pensamento (Cf. KIERKEGAARD, 2011, p.63) [6]; e, por fim, todo o corpus kierkegaardiano encontra-se em constante diálogo com a tradição moderna, numa atitude não só de forte crítica aos sistemas filosóficos, mas, especialmente, de afirmação do indivíduo e da responsabilidade humana diante das escolhas que a vida nos oferece na constante tensão dialética dos opostos.

O Indivíduo coram Deo

Ousarmos ser nós próprios, ousar-se ser um indivíduo, não um qualquer, mas este que somos, só face a Deus, isolado na imensidade do seu esforço e da sua responsabilidade: eis o heroísmo cristão; e confesse-se a sua provável raridade; mas haverá heroísmo no iludirmo-nos pelo refúgio na pura humanidade, ou em brincar a ver quem mais se extasia perante a história da humanidade? Todo o conhecimento cristão, por estrita que seja de resto a sua forma, é inquietação e deve sê-lo; mas essa mesma inquietação edifica. A inquietação é o verdadeiro comportamento para com a vida, para com a nossa realidade pessoal e, consequentemente, ela representa, para o cristão, a seriedade por excelência; a elevação das ciências imparciais, muito longe de representar uma seriedade superior ainda, não é, para ele, senão farsa e vaidade. Mas sério é, eu vo-lo afirmo, aquilo que edifica (KIERKEGAARD, 1979, p. 189).

         Se para Kierkegaard a multidão é a mentira, é na categoria do Indivíduo que o homem encontra a realização da verdade. Opondo-se ao formalismo que nega ou reduz o ato de existir a uma padronização da ordem estabelecida ou a generalidades, o indivíduo encontra-se acima do gênero humano em sua abstração. Para ele, este indivíduo singular, sempre em devir, só é passível de ser concretizado na existência e a partir da diferenciação entre o ser e a essência. (Cf. ALMEIDA E VALLS, Op. Cit., p.51).
         Contudo, como a distinção que Kierkegaard faz entre ser e essência rompe com o modelo tradicional, é importante compreender o que ele tem em mente com tal diferenciação. Segundo o dinamarquês, “o sujeito existente é eterno, mas enquanto existente é temporal (KIERKEGAARD apud ALMEIDA E VALLS, Op. Cit., p. 51). Com isso, ele entende que enquanto possibilidade, o existente é eterno, visto que é criado do nada e, em Deus, tem sua essência, mas, por outro lado, sendo a existência um dom – e considerando-se que Deus se retira no ato da criação –, automaticamente, esvai-se também qualquer possibilidade de permanência dessa essência que poderia vir a determinar uma pseudo-independência do ser humano.
         Dessa maneira, a partir dessa concepção do caráter dadivoso da existência, já não há mais espaço para se trabalhar com causas e efeitos. Tendo sido o dom oferecido, a responsabilidade do que se faz de si mesmo e consigo mesmo diz respeito, exclusivamente, ao indivíduo singular. “Nesse caso, a essência é também uma construção da própria condição humana, ou, em termos kierkegaardianos, a essência também deve ser reduplicada em cada indivíduo, em cada geração” (ALMEIDA E VALLS, Op. Cit., p. 52). Afinal, se e existência já tivesse – de antemão – uma essência pronta, não seria uma existência de fato. Nessa perspectiva, o indivíduo singular

tem como tarefa o tornar-se em palavras vivas, à maneira de Cristo, que é sempre [..] o Modelo, a referência a ser seguida, porque Ele se constitui na verdadeira vida. Isso explica porque, nessa ótica, a verdade não se resume à identidade ou à conformidade entre o ser e o pensamento. A verdade “é” uma vida e é somente na sua apropriação, na aceitação livre e integral da verdade de Cristo enquanto Verdade-Caminho-Vida, é que a verdade adquire o caráter de sinônimo de subjetividade (ibidem, p. 53).

         Como se percebe, portanto, a verdade na filosofia existencial de Kierkegaard não é um conceito, mas – antes – uma vida que é sempre atual. “É a vida que se faz vida, como oferta a cada indivíduo singular numa relação sempre presente do agora da eternidade no tempo (ibidem, p. 56). Com isso, a verdade deixa de ser um fundamento lógico para tornar-se uma apropriação existencial que se dá no interior dessa dialética do finito e do infinito, do temporal e do eterno. Sob essa ótica, o próprio ato de tornar-se cristão assume outro significado: tornar-se contemporâneo com Cristo (Cf. ibidem, p. 58). É, justamente, nesse sentido que, para Kierkegaard, o indivíduo se identifica à verdade. É quando o indivíduo, afastado da multidão, torna-se indivíduo coram Deo.

Ser contemporâneo é ser o único perante Deus. É traduzir-se em autenticidade, e esta, em verdade.  A verdade enquanto é Cristo não pertence ao campo da doutrina, mas à dimensão da realização enquanto apropriação da própria verdade. O que é a verdade? “Cristo é a verdade. Nesse sentido, a verdade não consiste em uma suma de proposições, nem em uma determinação conceitual e coisas similares, senão que a verdade é a Vida.” E, contrariamente às máximas filosóficas, ele explica que o ser da verdade não é uma duplicação direta do ser relativo ao pensamento, que somente dá um ser pensado. “O ser da verdade é um ser, é a duplicação em ti, em mim, de maneira que a tua vida, a minha e a tua, de uma forma aproximativa – em contato com ele – seja o ser da verdade, como a verdade era Cristo: uma vida, pois Ele era a verdade (ibidem, p. 58).

         No mesmo sentido, o próprio Kierkegaard, em As Obras do Amor, afirma o seguinte:

O mesquinho jamais teve a coragem de realizar esse ato audacioso, de humildade e de orgulho agradável a Deus: de ser si mesmo diante de Deus. – pois a ênfase está neste “diante de Deus”, já que esta atitude é a fonte e a origem de todo o caráter particular da pessoa. Quem teve esta audácia tem um caráter individual; ele veio a saber o que Deus já lhe tinha dado, e ele crê exatamente bem do mesmo jeito no caráter particular de cada um. Ter caráter individual é crer no caráter individual de cada um dos outros, pois o caráter individual não é coisa minha; é um dom pelo qual Deus me dá o ser, e ele o dá aliás a todos, e a todos ele dá o ser. Tal é a insondável fonte de bondade que jorra da bondade de Deus, que Ele, o Todo-Poderoso, dá de tal maneira que o que recebe, recebe seu caráter particular, que Ele cria do nada, cria dando uma característica particular, de modo que a criatura, mesmo sendo tirada do nada, não paira diante d’Ele como nada, mas adquire seu caráter próprio (KIERKEGAARD, 2007, p. 306) [7].

         Entretanto, como já salientado no item anterior, é importante que esse discurso de Kierkegaard a respeito da subjetividade seja compreendido à luz de sua polêmica contra Hegel e seu abstrato sujeito absoluto. Segundo o dinamarquês:

Todo homem que não se conhece como espírito ou cujo eu interior não tomou em Deus consciência de si próprio, toda a existência humana, que não mergulha desse modo limpidamente em Deus, mas se funda nebulosamente sobre qualquer abstração ou a ela se reduz (Estado, Nação, etc.), ou que, cega para consigo própria, não vê nas suas faculdades mais do que energias de origem pouco explícita, e aceita o seu eu como um enigma rebelde a qualquer introspecção – toda a existência deste gênero, realize o que realizar de extraordinário, explique o que explicar, até o próprio universo, por muito interessante que, como esteta, goze a vida: mesmo assim, ela será desespero (KIERKEGAARD, 1979, p. 218).

         É também oportuno ressaltar que Kierkegaard jamais afirmou que existem tantas verdades quanto existem indivíduos. Subjetividade da forma como ele entende nada tem a ver com alguma manifestação de atividade pessoal ou qualquer outra expressão de capricho ou egocentrismo humanos. Definitivamente, ele não está se referindo a alguma espécie de personalidade artística, nem cultuando a particularidade a todo custo. “Subjetividade em Kierkegaard, portanto, não significa acreditar no que se queira, fazer apenas o que nos agrada, negar as compulsões da verdade universal (GOUVÊA, Op. Cit., p. 153).
         Portanto,o que se deve ter claro em mente quando Kierkegaard afirma a primazia do indivíduo sobre o geral e apresenta a subjetividade como verdade é que em nenhum momento ele está saindo em defesa de alguma espécie de subjetivismo epistemológico, ou enamorando-se da ideia presente nas ciências naturais que afirma a impossibilidade de uma certeza objetiva. Para o dinamarquês, de outro modo, visto que a noção de confiança é básica para o conceito de fé, esta acaba por configurar-se como uma incerteza, mas uma incerteza objetiva.

Quando subjetividade é verdade, a definição de verdade deve conter também em si mesma uma expressão da antítese à objetividade, um lembrete daquela bifurcação na estrada, e esta expressão indicará ao mesmo tempo a tenacidade da introspecção. Aqui está uma tal definição de verdade: Uma incerteza objetiva, agarrada através da apropriação com a mais apaixonada introspecção, é a verdade, a mais elevada verdade que há para uma pessoa existente (KIERKEGAARD apud ibidem, p. 155).

A ética kierkegaardiana

         Se Kierkegaard é um autor reconhecidamente complexo e que suscita várias possibilidades de confusão por parte de leitores desavisados, sua concepção de ética, certamente, pode ser considerada um de seus temas mais nebulosos. Eventualmente, quando se ouve alguma coisa sobre a ética kierkegaardiana, geralmente o conteúdo da afirmação está associado à compreensão do segundo estádio da existência, situado entre o estádio estético e o religioso. Entretanto, um olhar mais atento sobre o conjunto da obra nos revela que, em Kierkegaard, o conceito de ética quase nunca apresenta significados unívocos.
         O primeiro fato a que devemos atentar, portanto, é que, no pensamento de Kierkegaard, há uma distinção entre uma ética-primeira e uma ética-segunda. Segundo o dinamarquês, “todo o conhecimento e toda a especulação dos Antigos baseavam-se na pressuposição de que o pensamento tinha realidade”, assim também como “toda Ética antiga baseava-se na pressuposição de que a virtude era realizável” (Cf. KIERKEGAARD, 2010, p. 21) [8]. Dessa forma, o pecado – que, para Kierkegaard, constitui um aspecto fundamental da realidade – acabava sendo para a consciência ética o que o erro era para o conhecimento: apenas uma exceção isolada incapaz de provar qualquer coisa.
         Nesse sentido, a ciência responsável por fazer a transposição dessa ética-primeira, de caráter idealista – que tem em Sócrates o seu principal representante – para a ética-segunda – expressa na figura de Abraão como protótipo do cavaleiro da fé – seria a Dogmática. Partindo da realidade efetiva, ela não apenas reconhece a presença do pecado, como explica-o ao pressupor o pecado hereditário (Cf. ibidem, p. 21). Assim, a ética-segunda “pressupõe a Dogmática, e com essa o pecado hereditário, de que se serve em seguida para explicar o pecado do indivíduo, enquanto ao mesmo tempo institui como tarefa a idealidade, porém não no movimento de cima para baixo, mas de baixo para cima” (ibidem, p. 23).
         Na perspectiva de Kierkegaard, a filosofia e a teologia acabaram caindo em uma grande confusão quando – desviando-se do caminho – pretenderam ultrapassar seus limites através do calculismo e da indiferença da mediação como condição para se chegar a Deus. O resultado, como se viu, foi a redução do próprio Deus a um elemento final do mesmo processo lógico. Com isso: “Em lugar de esclarecer e orientar os homens (os homens individuais) ao ético, ao religioso, ao existencial, a filosofia deu o aval para que os homens se colocassem, para dizer de maneira prosaica, em especulações vazias, sem perigo, nas nuvens do puro simulacro” (KIERKEGAARD apud ALMEIDA E VALLS, Op. Cit. p. 45). Como consequência dessa vereda tortuosa, ocorreu que tanto a filosofia, quanto a ética acabaram por se perverter “ao trocar o amor e a seriedade ética por um saber que transformou Deus em paliativo, em analgésico para as dores de consciência” (ALMEIDA E VALLS, Op. Cit., p. 45).

Descobrimos assim, com a ajuda de Kierkegaard, que o tipo de ética que encontramos na tradição platônico-aristotélica não é apenas racionalista (pois apenas o que é humanamente imaginável e justificável pode ser a base e o conteúdo da ética), mas, do ponto de vista religioso, é idólatra, pois até Deus está sujeito a algo superior. Por outro lado, não se pode dizer que seja real, pois não considera a existência. É uma ética domada, muito cultural, muito aceitável, que não tem nada de importante a dizer além de obrigar a um certo padrão comportamental que é adequado e proveitoso para os dirigentes de uma sociedade. Isto não pode ser jamais o retrato de uma ética existencial, nem muito menos de uma ética cristã, pois o padrão da ética cristã deve ser o ensinamento de Jesus que está longe de ser um ensinamento domado, socialmente aceitável, culturalmente conservador, controlador de pessoas, mas sim um ensinamento devastadoramente contra-cultural, libertador, revolucionário e que “vira a mesa” (GOUVÊA, 2009, p.244).

            Dessa maneira, visto que a ética, enquanto reflexão natural acerca das relações, não deixa de ser validada, o que se observa no ponto de vista kierkegaardiano é que há uma transformação do velho sentido estático de dever de Deus, de mandamento divino. Agora, a ética – encontrando a sua verdadeira base – passa a ser compreendida dentro de sua religiosidade e assume a dimensão de uma supra-ética (Cf. ibidem, p. 245). Assim, “sempre que uma pessoa é chamada a agir como um indivíduo, ele está fora da esfera ética e, portanto, não pode encontrar justificação ética para a sua ação” (SCHRADER  apud ibidem, p. 249). Isso significa que um indivíduo – enquanto indivíduo –, faça o que fizer, certo ou errado, estará sempre fora da esfera ética, visto não haver nenhuma justificação ética para uma ação realizada por um indivíduo enquanto indivíduo, apenas enquanto participante de uma sociedade. Na realidade da existência coram Deo – isto é, do indivíduo isolado perante Deus –, cada ser humano encontra-se, inevitavelmente, como indivíduo singular e, desse modo, deve prestar conta de suas ações, sabendo ainda que, diante de Deus, nós somos sempre devedores. Portanto, enquanto indivíduo, todo ser humano encontra-se fora da esfera ética e, conscientemente ou não, inserido na esfera religiosa. “É por isso que Kierkegaard afirma que o estágio ético era meramente um estágio intermediário, uma passagem na qual ninguém pode realmente permanecer” (GOUVÊA, Op. Cit., p. 249).
         No entanto, conforme bem nos lembra Gouvêa, “o pensamento de Kierkegaard não era em nenhum sentido transmoral, se com isso queremos dizer algum tipo de antinomianismo. Ele não era advogado do niilismo moral” (ibidem, p. 250). O que Kierkegaard nos oferece, na realidade, não é a supressão da ética, mas – de maneira inversa – uma base genuína e original para o pensamento ético. Em As Obras do Amor (1847), um de seus mais belos livros, o dinamarquês dedica-se, justamente, a nos mostrar como outro tipo de ética, “melhor, mais séria e mais honesta” (Cf. ibidem, p. 250), é possível.
         Segundo o filósofo de Copenhagen:

Quando [...] se deve amar o próximo, a tarefa existe (a tarefa ética), a qual, por sua vez, é a fonte original de todas as tarefas. Justamente porque o crístico é o verdadeiro ético ele sabe abreviar os raciocínios e cortar fora as introduções panorâmicas, afastar todas as delongas preliminares e libertar de toda perda de tempo; o cristão está imediatamente na tarefa, porque ele a tem consigo. No mundo há uma grande discussão, aliás, sobre o que deveria ser chamado o bem supremo. Mas qualquer que seja o que chamamos assim, por mais diferente que seja, é incrível quanta complexidade se prende ao esforço de alcançá-lo. O Cristianismo, ao contrário, ensina ao homem imediatamente o caminho mais curto para encontrar o que há de mais elevado: fecha tua porta e ora a Deus – pois Deus é que é o bem supremo. E se um homem tiver que sair pelo mundo, sim, aí talvez ele possa ir longe e andar em vão, dar uma volta ao mundo – e em vão, para procurar a pessoa amada ou o amigo. Mas o Cristianismo jamais incorre na falta de mandar uma pessoa andar, nem que seja um único passo, inutilmente; pois quando abrires aquela porta, que tu fechaste para orar a Deus, e saíres, então a primeira pessoa que encontrares é o próximo, que tu deves amar. Que coisa estranha! (KIERKEGAARD, 2007, p. 70-71).

         Assim, o que fica bastante evidente no pensamento kierkegaardiano é que “sem uma intervenção e um fundo religioso, a realização do ideal ético é de fato impossível” (GOUVÊA, 2006, p. 262). Nessa perspectiva, a função da ética passa a ser não somente desenvolver uma receptividade para a religião, como, também, um sentimento de necessidade por ela (Cf. SWENSON apud GOUVÊA, Op. Cit., p. 262).

O conceito de Repetição

         Se Gouvêa estiver correto em sua interpretação, a repetição é um dos conceitos mais importantes trabalhados por Kierkegaard, quiçá o mais importante. O comentador do dinamarquês chega a profetizar que o conceito kierkegaardiano de repetição “ainda irá se evidenciar como um dos conceitos mais importantes na história da filosofia, um conceito cujo alcance e cujas implicações ainda estão longe de serem descobertas, e que por isso mesmo deverá ser um dos conceitos filosóficos mais explorados do século XXI” (GOUVÊA, Op. Cit., p. 213). Comecemos, então, a fazê-lo.
         Etimologicamente, a palavra re-petição significa pedir novamente ou, em outras palavras, re-peticionar. Isso pode se dá de, pelo menos, duas formas distintas: pode-se pedir algo que já se teve e que se quer mais ou, de outro modo, pode-se pedir algo já pedido anteriormente, mas que, por algum motivo qualquer, não se obteve. O conceito de repetição abarca as duas possibilidades: aquela em que se pede algo que se tem ou que se teve e de que se quer mais, e aquela em que o pedido já se quis, embora não tenha sido obtido. “A repetição kierkegaardiana é, portanto, reapropriação (Gjentagelse), isto é, pegar ou tomar novamente aquilo que já se teve ou ainda se tem, mas de que se quer mais, ou aquilo que já se tentou apropriar anteriormente sem completo êxito” (ibidem, p. 214).

A importância da repetição encontra-se no escândalo da kinesis, do movimento, da metamorfose, e todos os fenômenos relacionados à transitoriedade da vida temporal. A filosofia grega nunca soube o que fazer direito com o movimento, a transformação e a temporalidade, apesar dos honrosos esforços de Aristóteles, porque está toda ela calcada na concepção de reminiscência do eterno. Em outras palavras, diante do fluxo da existência, a filosofia grega se re-colhe e en-colhe em direção do ponto inicial, da origem, isto é, do nada, e sai pela porta dos fundos. A repetição apresenta uma marcha adiante, para o eterno no “fim” da temporalidade, não no seu “início” (ibidem, p. 216).

         Assim, o que se percebe, como o próprio Kierkegaard chega a afirmar, é que seu conceito de repetição e a reminiscência platônica, na realidade, correspondem ao mesmo movimento, só que em direções opostas. A reminiscência, ao lembrar o que já passou, seria uma espécie de repetição às avessas. A verdadeira repetição, em contrapartida, configura-se como um movimento para frente, constituindo-se em uma espécie de lembrança do futuro. Exatamente por isso que, de modo diferente da reminiscência – que tende a nos tornar infelizes, nostálgicos e pessimistas – ela “faz-nos felizes, motivados e otimistas, pois apresenta-nos a possibilidade do movimento existencial, do crescimento espiritual, em vez da opção da busca pela aniquilação da personalidade e da individualidade no desapego à temporalidade e o retorno ao eterno” (ibidem, p. 217). Ou, nas palavras do próprio dinamarquês: “Grande é alcançar o eterno, mas maior ainda é guardar o temporal depois de a ele ter renunciado” (KIERKEGAARD, 1979, p. 119) [9].
         Ao contrário do que se pode imaginar, no entanto, Kierkegaard não está, simplesmente, negando o pensamento platônico. Está, na realidade, renovando-o e transformando-o. Não se pode esquecer que foi a partir da reminiscência platônica que, mais tarde – na idade Média – Agostinho – que muito influenciou o pensamento de Kierkegaard – construiu sua epistemologia da iluminação. Entretanto, enquanto no pensamento agostiniano – que, diferentemente da reminiscência platônica, não pressupunha a pré-existência da alma humana – a reminiscência se dava como uma iluminação oferecida por Deus ao ser humano, Kierkegaard vai ainda mais longe e sugere que tanto Platão, quanto Agostinho, embora tenham percebido corretamente um movimento psico-epistemológico, erraram na identificação do seu direcionamento, supondo-o para trás. Para Kierkegaard, esse movimento não só toma a direção oposta, dirigindo-se para frente, como é “um movimento empiricamente verificável e inerente à criação, ao mundo natural, independente, portanto, tanto de uma pré-existência da alma quanto de uma iluminação transcendental adicional ou miraculosa” (GOUVÊA, Op. Cit., p. 217).
         No entendimento de Kierkegaard, a repetição, configurando-se como uma espécie de terceira via que se oferece como opção aos conceitos de esperança e reminiscência – provenientes, respectivamente, da tradição judaico-cristã e da tradição grega – é, na realidade, a verdadeira expressão do conceito – tão combatido por ele – que, no idealismo alemão, ficou conhecido como mediação. Nesse sentido, se, para Kierkegaard, a filosofia grega da reminiscência possuía a honestidade como virtude, o mesmo não se dava com a filosofia moderna.

Hegel, lembra-nos Kierkegaard, propunha-se a trazer dinamismo à lógica e à filosofia, por meio da dialética triádica que sugere e exemplifica muitas vezes. Entretanto, sua filosofia termina em um monismo absoluto, tão estático quanto o Ser de Parmênides. O movimento, em Hegel, é comparável ao das crianças nos carrinhos de um parque de diversão: não importa quão drasticamente elas movam a direção do carrinho, ele continua girando preso na bitola segura e sem a incerteza da liberdade a qual estamos fadados, como disse Sartre, ao menos todos os que acordam do sonho da eternidade platônica e abraçam a condição humana da temporalidade. Kierkegaard sugere, no Epílogo de Temor e Tremor, que Hegel é como Crátilo, o discípulo de Heráclito, que, na intenção de levar adiante o projeto filosófico de dinamismo e transmutação de seu mestre, acabou por apresentar, sem perceber, argumentos em favor das teses de Parmênides, o grande opositor de Heráclito. A kinesis hegeliana seria, portanto, um movimento aparente, abstrato, teórico. Assim também é o conhecimento no platonismo e no agostinianismo. A repetição, ao contrário, implica em um genuíno movimento do espírito humano, um movimento concreto e fenomenológico, com consequências práticas para a vida e o mundo (ibidem, p. 219).


         É por isso que, em A Repetição, o heterônimo de Kierkegaard Constantin Canstantius afirma que “a repetição é o lema em qualquer intuição ética” (KIERKEGAARD, 2009, p. 51) [10]. Mais até do que isso, a repetição é identificada à própria realidade, como uma atitude de seriedade diante da existência. Nas belas palavras do dinamarquês:

É preciso juventude para ter esperança, juventude para recordar, mas é preciso coragem para se querer a repetição. Porque aquele que apenas quer ter esperança é cobarde; aquele que apenas quer recordar é voluptuoso; mas aquele que quer a repetição é um homem, e quanto mais energicamente for capaz de a tornar clara para si próprio, tanto maior será a sua profundidade como criatura humana. Aquele, porém, que não compreende que a vida é uma repetição e que essa é a beleza da vida, esse condenou-se a si mesmo e não merece melhor fim do que o que lhe acontecerá, ou seja, sucumbir; porque a esperança é um fruto sedutor que não satisfaz; mas a repetição é o pão de cada dia que abençoadamente satisfaz. Se um indivíduo circum-navegou a existência, tornar-se-á evidente se tem coragem para entender que a vida é uma repetição e desejo suficiente para com ela se regozijar. Aquele que não circum-navegou a vida antes de começar a viver nunca chegará a viver; aquele que a circum-navegou, e porém ficou satisfeito, tinha uma fraca constituição; aquele que escolheu a repetição, esse vive. Não corre como um rapaz atrás de borboletas, nem se põe em bicos de pés para vislumbrar as maravilhas do mundo, pois que as conhece; nem se senta como uma velha mulher fiando na roca da recordação; antes avança calmamente pelo seu caminho, contente da repetição. Sim, se não houvesse a repetição, o que seria vida? Quem poderia desejar ser uma ardósia na qual o tempo inscrevesse a cada instante um novo texto, ou ser um memorial de coisas passadas? Quem poderia desejar deixar-se mover por tudo o que é efémero, pelo novo, que constantemente entretém a alma, amolecendo-a? Se o próprio Deus não tivesse querido a repetição, o mundo nunca teria surgido.  Deus teria seguido os planos superficiais da esperança, ou teria voltado a retirar todas as coisas e tê-las-ia preservado na recordação. Não o fez, por isso continua a haver mundo, e continua a haver pelo fato de ser repetição (ibidem, p. 32-33).

A liberdade

         Como se deve ter percebido até aqui, há uma ideia central que permeia todo o pensamento de Kierkegaard: a ideia de liberdade. Não raras vezes, inclusive, o dinamarquês apresenta tal conceito como sinônimo de verdade. Entretanto, como já visto anteriormente, o indivíduo, para Kierkegaard, também é, constantemente, identificado à verdade. Dessa maneira, o que fica evidente para nós no pensamento kierkegaardiano é que tanto verdade, quanto liberdade e individualidade apresentam-se indissociavelmente relacionadas, chegando mesmo, muitas vezes, a significarem a mesma coisa.
         Em seu Desespero Humano, Kierkegaard declara que: “O eu é formado de finito e de infinito. Mas a sua síntese é uma relação que, apesar de derivada, se relaciona consigo própria, o que é a liberdade. O eu é liberdade. Mas a liberdade é a dialética das duas categorias do possível e do necessário” (KIERKEGAARD, 1979, p. 207) [11]. Para ele, se a mudança do devir é a realidade, essa passagem só se torna possível pela liberdade, jamais por pura necessidade. Isso porque, em seu entendimento, nada do que está vindo a ser o está fazendo devido a uma razão, mas devido a uma causa. E, nesse sentido, toda e qualquer causa remonta a uma causa atuando livremente. Segundo ele, o engano advindo da ideia de causas intermediárias ocorre porque o devir parece necessário. No entanto, a verdade delas consiste em que, devindas elas mesmas, remetem definitivamente a uma causa que atua livremente. Com isso, mesmo a consequência de uma lei natural não poderia explicar a necessidade de nenhum devir, pelo menos não quando se reflete de maneira definitiva sobre o devir. Assim, da mesma forma ocorre com as manifestações de liberdade quando, não nos deixando enganar por elas, refletimos sobre o seu devir (Cf. KIERKEGAARD, 2011, p. 104).
         Na perspectiva kierkegaardiana:

Se o passado se tivesse tornado necessário, não se deveria poder concluir o oposto no que concerne ao futuro, porém, ao contrário, daí se seguiria que o futuro também era necessário. Caso a necessidade pudesse penetrar num único ponto, não se poderia mais falar de passado e de futuro. Querer predizer o futuro (profetizar) e querer compreender a necessidade do passado é completamente a mesma coisa, e é apenas uma questão de moda se a uma geração uma parece mais plausível do que a outra. O passado, afinal de contas, deveio; o devir é a mudança da realidade pela liberdade. Ora, se o passado se tivesse tornado necessário, não mais pertenceria à liberdade, isto é, àquilo pelo qual ele veio a ser. A liberdade estaria então numa posição ruim, faria ao mesmo tempo rir e chorar, pois levaria a culpa daquilo que não seria de sua competência, produziria aquilo que a necessidade logo haveria de engolir, e a própria liberdade tornar-se-ia uma ilusão, e o devir não menos; a liberdade tornar-se-ia bruxaria, e o devir alarme falso (KIERKEGAARD, Op. Cit., p. 107-108).

         Por isso que, para o dinamarquês, a fé não é um conhecimento, mas – de outro modo – um ato da liberdade, uma expressão da vontade. Ao crer no devir, a fé acaba por suprimir em si a incerteza que corresponde ao nada do não-ser.  Ela crê “neste ‘assim’ do que deveio e já suprimiu, portanto, o ‘como’ possível do que deveio, e embora sem negar a possibilidade de um outro ‘assim’, o ‘assim’ do que deveio é todavia para a fé o que há de mais certo” (ibidem, p. 116).
         É nesse contexto, portanto, que indivíduo, verdade e liberdade são entendidos de maneira muito próxima. Ao considerar a verdade não como uma abstração teórica ou como um conceito frio, mas como um caminho que é identificado com a própria vida, Kierkegaard percebe que “a verdade exige um constante atualizar da Verdade na ação concreta e na realização do indivíduo singular” (ALMEIDA E VALLS, Op. Cit., p. 55). Essa atualização, por sua vez, só é possível através da liberdade. Desse modo, concebida fora de um sistema, a verdade passa a ser concebida como uma coerência prática que se realiza na ação. Ou, em suas próprias palavras: “Eu só conheço a verdade se ela se faz vida em mim” (KIERKEGAARD  apud ibidem, p. 55).
         Em termos éticos, na concepção da ética kierkegaardiana do amor vista anteriormente, o dinamarquês entende que é o dever de amar o próximo que oferece o fundamento necessário para que a verdadeira liberdade se estabeleça. Para ele,

o amor que se submeteu à transformação da eternidade em se tornando dever, e ama porque deve amar, é independente, tem a lei de sua existência na própria relação do amor para com o eterno. Este amor jamais pode tornar-se dependente no sentido não verdadeiro, pois a única coisa de que ele depende é o dever, e o dever é a única coisa que liberta. O amor imediato torna um ser humano livre, e no instante seguinte dependente. O mesmo ocorre com o tornar-se homem de um homem; ao tornar-se, ao tornar-se um “si mesmo”, ele se torna livre, mas no instante seguinte está dependente desse si mesmo. O dever, ao contrário, torna um homem dependente e no mesmo instante eternamente independente. “Só a lei pode dar a liberdade”. Ai, tão frequentemente se acha que há liberdade, e que a lei seria aquilo que amarra a liberdade. Contudo, é justamente o contrário; sem a lei a liberdade pura e simplesmente não existe, e é a lei que dá a liberdade. Também se acredita que é a lei quem faz diferenças, porque não há diferença nenhuma lá onde não existe lei. Contudo, é o contrário; se é a lei que faz diferenças, então é justamente a lei que torna todos iguais diante da lei. Dessa maneira, este “deves” liberta o amor para uma feliz independência; um tal amor não depende , para se manter ou perecer, da contingência do seu objeto, ele depende da lei da eternidade – mas então realmente não perece jamais; um tal amor não depende deste ou daquele, ele só depende da única coisa que liberta; portanto ele é eternamente independente. Com esta independência nenhuma outra pode ser comparada (KIERKEGAARD, 2007, p. 56-57).

Conclusão

         Diante do exposto até aqui, fica bastante claro que o pensamento de Kierkegaard traz em si um aspecto extremamente revolucionário. Muito mais do que criticar a filosofia moderna como um todo – e, especialmente, Hegel, em particular – o que o dinamarquês nos apresenta é um outro paradigma de filosofia. Ironicamente – aliás a ironia é a grande marca de toda sua filosofia –, ao assumir a dogmática e as questões relativas à fé como a base de seu pensamento, Kierkegaard não só rompe com o dogma da autonomia da razão que permeou toda a tradição ocidental, como liberta a si mesmo e sua filosofia, possibilitando um diálogo efetivo entre esta e a realidade. Se, como ele afirma, é a lei a responsável por conferir liberdade ao indivíduo, analogamente, a assunção honesta de seus pressupostos religiosos acaba sendo a grande responsável por permitir-lhe desenvolver uma ética extremamente livre e independente. Isso porque, conforme bem percebe Gouvêa,

como a ética cristã é baseada no nomos do Criador, a ética bíblica não é heteronomia pois não é heteroios em relação a alguém que vive coram Deo. Ética bíblica é a exposição e elucidação dos nomiomata revelacionais, isto é, o nomos ético-cósmico em contraste com a anomia pecado, rebelião e idolatria. Estes nomiomata da ética bíblica são a base para o que Kierkegaard afirma sobre o homem que conheceu o Deus vivo: que “ele determina sua relação com o universal por sua relação com o absoluto, não sua relação com o absoluto por sua relação com o universal” (GOUVÊA, Op. Cit, p. 234).

         Assim, ao contrário do pensa Hannah Arendt quando afirma ter permanecido o dinamarquês preso à tradição em sua crítica à tradição (Cf. ARENDT, 2009, p. 52) [12], Kierkegaard não só nos presenteia com uma concepção superior de ética, pautada no dever de amar o próximo, como apresenta um novo modo de fazer filosofia. Não é à toa que, para Paul Ricoeur – ao introduzir a descontinuidade, a angústia, o nada, o paradoxo, o salto, o drama existencial que se apresenta no vazio, na superficialidade, na inautenticidade da existência –, Kierkegaard inaugura a pós-filosofia (Cf. ALMEIDA E VALLS, Op. Cit., p. 61).
         Portanto, se também Adorno estiver correto em sua crítica ético-política, ao afirmar que a estratégia do Estado consiste em eliminar a personalidade individual, criando o anonimato e difundindo a mentira de que o mais importante é a massa, a multidão, a maioria (Cf. ibidem, p. 65), ouso dizer que o pensamento kierkegaardiano deve não somente deixar de ser alvo de preconceitos infundados por parte daqueles que – incapazes de compreender as implicações mais profundas de sua filosofia – o inferiorizam por seu posicionamento declaradamente religioso, mas, acima de tudo, receber uma atenção especial dos pesquisadores como forma de oferecer alternativas de pensamento para um mundo onde o velho racionalismo moderno já não tem mais muito o que dizer.

Referências Bibliográficas

1 - ALMEIDA E VALLS, Jorge Miranda de e Álvaro L. M.. Kierkegaard. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2007. (Coleção passo-a-passo).
2 - ARENDT, Hannah. A tradição e a época moderna. In: Entre o passado e o futuro. São Paulo: Perspectiva, 2009.
3 - DOOYEWEERD, Herman. No crepúsculo do pensamento ocidental.  [Tradução: Guilherme Vilela Ribeiro de Carvalho, Rodolfo Amorim Carlos] – São Paulo: Hagnos, 2010.
4 - GOUVÊA, Ricardo Quadros. A Paixão pelo paradoxo. São Paulo, SP: Fonte Editorial, 2006.
5 - ____________________. A Palavra e o Silêncio. São Paulo, SP: Fonte Editorial, 2009.
6 - KIERKEGAARD, Søren. A Repetição. [Tradução: José Miranda Justo] – Lisboa, PT: Relógio D’Água Editores, 2009.
7 - ____________________. As Obras do Amor – Algumas considerações cristãs em forma de discursos. [Tradução: Álvaro Luiz Montenegro Valls] – Bragança Paulista: Editora Universitária São Francisco; Petrópolis, RJ: Vozes, 2007.
8 - ____________________. Migalhas Filosóficas ou um bocadinho de filosofia de João Clímacus. [Tradução: Ernani Reichmann e Álvaro Valls] – Petrópolis, RJ: Vozes, 2011.
9 -_____________________. O conceito de angústia. [Tradução: Álvaro Luiz Montenegro Valls] – Petrópolis, RJ: Vozes; São Paulo, SP: Editora Universitária São Francisco, 2010. – (Coleção pensamento humano).
10 - ____________________. O desespero humano. In: Os pensadores. [Tradução: Adolfo Casais Monteiro] – São Paulo: Abril Cultural, 1979.
11 - ____________________. Temor e Tremor. In: Os pensadores. [Tradução: Maria José Marinho] – São Paulo: Abril Cultural, 1979.







[1] Segundo o filósofo holandês Herman Dooyeweerd, esse seria o grande problema do pensamento ocidental: “uma completa confusão a respeito da relação entre racionalidade e natureza humana” (DOOYEWEERD, 2010, p. 29). Um dos pontos centrais de sua tese é a afirmação de que “a razão teórica depende da orientação religiosa fundamental do ser humano, em direção ao que ele crê ser a fonte divina de todas as coisas” (Ibidem, p.28). Dessa forma, ele procura demonstrar que “o pensamento teórico reflete uma função ou aspecto particular da vida humana, o qual perde todo o sentido se deixa de ser compreendido em seu contexto humano integral” (Ibidem, p.29).
[2]  GOUVÊA, Ricardo Quadros. A Palavra e o Silêncio. São Paulo, SP: Fonte Editorial, 2009.

[3]  GOUVÊA, Ricardo Quadros. A Paixão pelo paradoxo. São Paulo, SP: Fonte Editorial, 2006.

[4] ALMEIDA E VALLS, Jorge Miranda de e Álvaro L. M.. Kierkegaard. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2007. (Coleção passo-a-passo).

[5] KIERKEGAARD, Søren. O desespero humano. In: Os pensadores. [Tradução: Adolfo Casais Monteiro] – São Paulo: Abril Cultural, 1979.

[6] KIERKEGAARD, Søren. Migalhas Filosóficas ou um bocadinho de filosofia de João Clímacus. [Tradução: Ernani Reichmann e Álvaro Valls] – Petrópolis, RJ: Vozes, 2011.

[7] KIERKEGAARD, Søren. As Obras do Amor – Algumas considerações cristãs em forma de discursos. [Tradução: Álvaro Luiz Montenegro Valls] – Bragança Paulista: Editora Universitária São Francisco; Petrópolis, RJ: Vozes, 2007.

[8] KIERKEGAARD, Søren. O conceito de angústia. [Tradução: Álvaro Luiz Montenegro Valls] – Petrópolis, RJ: Vozes; São Paulo, SP: Editora Universitária São Francisco, 2010. – (Coleção pensamento humano).

[9] KIERKEGAARD, Søren. Temor e Tremor. In: Os pensadores. [Tradução: Maria José Marinho] – São Paulo: Abril Cultural, 1979.

[10] KIERKEGAARD, Søren. A Repetição. [Tradução: José Miranda Justo] – Lisboa, PT: Relógio D’Água Editores, 2009.

[11] KIERKEGAARD, Søren. O desespero humano. In: Os pensadores. [Tradução: Adolfo Casais Monteiro] – São Paulo: Abril Cultural, 1979.

[12] ARENDT, Hannah. A tradição e a época moderna. In: Entre o passado e o futuro. São Paulo: Perspectiva, 2009.