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quinta-feira, 17 de maio de 2012

O que Gilberto Velho já falava sobre drogas em 1975




“Na situação estudada, em se tratando de um tipo específico de comportamento desviante, o uso de tóxicos, proibidos pelas leis, posso remeter o conceito de cultura dominante ao de cultura oficial, sancionada pelo Estado, expressa em regulamentos e legislação. Por isso falei em categoria oprimida, quando me referi ao fato de essas pessoas não poderem exercer plenamente a sua visão de mundo, tendo que viver permanentemente num certo grau de tensão e clandestinidade. Aí, mais uma vez, sou levado a relativizar o conceito de desvio e comportamento desviante. Tendo realizado a pesquisa numa grande metrópole, numa sociedade estratificada, tive a oportunidade de verificar que os tóxicos são utilizados e reprimidos de forma bastante diferenciada, basicamente em função de classe social, estrato ou grupo de status a que pertença o consumidor. Desta forma, o tóxico não só tem significados diferentes em função do grupo que o utiliza, como a sua utilização pode ser interpretada por não-consumidores, acusadores potenciais e autoridades de maneira diferente, provocando reações particulares.

(...)

Finalmente, sobre comportamento desviante em geral e uso de tóxicos em particular, tenho a repetir que o problema tem que ser contextualizado em termos sociológicos. Embora não estivesse interessado em examinar as propriedades químicas dos tóxicos, coisa para a qual não estava capacitado, nada que eu tenha visto me levou a crer que a utilização por si só seja mais destrutiva, maligna, etc. que o cigarro comum, o álcool ou certos remédios usados regularmente como tranquilizantes. Não tenho condições também de afirmar que não têm efeitos negativos se usados a partir de determinada quantidade. Lembro apenas que as pessoas que usam esses tóxicos passam a conhecê-los empiricamente, estabelecendo classificações e discriminações, como foi visto neste trabalho. A partir dessa experiência, critérios são estabelecidos e precauções tomadas. Nos grupos que tive a oportunidade de observar, não vi nada parecido com um ‘uso indiscriminado’ de tóxicos, havendo formas internas de controle social e identificação de desviantes. O tóxico tem que ser compreendido enquanto um elemento importante, mas não necessariamente determinante, de uma visão de mundo em que o hedonismo é fundamental. Certamente implica em uma divergência em relação à cultura dominante, correspondendo a um certo tipo de contestação. Chamo a atenção para o fato de não se tratar de alguma coisa que esteja fora, originalmente, do sistema de valores do estrato social de origem, mas sim de uma agudização de vertentes e dimensões já existentes. Esse entrechoque de opiniões, pontos de vista e visões de mundo, centrado no problema do comportamento desviante, corresponde a um momento de importantes transformações na estratificação social da sociedade brasileira, podendo ter importantes consequências na distribuição de poder e oportunidade.”

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