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domingo, 27 de maio de 2012

Aristóteles, Coronel Nascimento e a Rio+20






Assim como a Rio+20, também não vim aqui para falar de meio ambiente. Inicialmente pensei em começar esse texto discutindo a conflituosa relação existente entre os pressupostos filosóficos que sustentam algumas teorias econômicas e as recentes tentativas de absorção pelas mesmas de uma maior preocupação em relação aos recursos do planeta.

Desisti. Por dois motivos: primeiro, porque já existe uma quantidade razoável de obras e textos espalhados por aí que abordam a questão; segundo, porque tenho a impressão de que textos desse tipo tendem a se tornar esotéricos demais, atingindo apenas um pequeno grupo de pessoas que, normalmente, já concordam com a gente. Além disso, correria o risco de ser mal interpretado, e cair na armadilha do nosso mundo bipolar, que nada consegue ver além de uma realidade bipartida entre direita e esquerda, ambientalistas e negacionistas, mocinhos e bandidos, e por aí vai. Portanto, resolvi tentar uma via mais universal: o bom senso.

Ainda assim, me acompanham nessa reflexão dois grandes pensadores que, a partir de insights importantes sobre o seu tempo, creio poderem nos serem úteis no sentido de contribuir para a construção de um olhar mais atento sobre os problemas atuais.

O primeiro deles é Aristóteles. A filosofia aristotélica, assim como o pensamento grego como um todo, foi fortemente marcada por aquilo que ficou conhecido como thaumazein: uma atitude de espanto diante de tudo o que é como é. Aristóteles chega mesmo a relacionar a origem da filosofia a essa maneira com que os gregos viam o mundo. “De fato, os homens começaram a filosofar, agora como na origem, por causa da admiração, na medida em que, inicialmente, ficavam perplexos diante das dificuldades mais simples”, diz o Estagirita em sua Metafísica.

O segundo, embora menos cult, certamente, está bem mais próximo da nossa tão complexa realidade brasileira: Coronel Nascimento, personagem principal do filme Tropa de Elite 2, de José Padilha.

Depois de virar herói nacional no primeiro filme dando tapa na cara de estudante usuário de droga e botando vagabundo no saco, Nascimento teve, na subsecretaria de segurança, um encontro com o mundo da política e passou a conhecer as entranhas daquilo que ele denominava de “o sistema”. Confesso que depois dos Tropas, toda vez que ouço essa palavra, lembro da definição dada pelo 01: “O sistema é uma articulação de interesses escrotos”. Ele vai ainda mais longe e, num tom melancólico que parece querer acreditar, mas que beira um ceticismo, afirma que: “O sistema entrega a mão pra salvar o braço. O sistema se reorganiza, articula novos interesses, cria novas lideranças.” Por fim, sua conclusão é que “o sistema é foda” e que “ainda vai morrer muito inocente”.

Trazidas essas duas contribuições, acho que já temos subsídios suficientes para falar sobre a Rio+20 sem ter que ficarmos presos a cientificismos.

Assim, a primeira questão que surge é: o que vem a ser essa tal de Rio+20?

Segundo os organizadores, o evento marca os vinte anos de realização da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio-92), e tem como objetivo contribuir para definir a agenda do desenvolvimento sustentável para as próximas décadas. Os temas centrais serão: a economia verde no contexto do desenvolvimento sustentável e da erradicação da pobreza; e a estrutura institucional para o desenvolvimento sustentável. 

Mas que negócio é esse de economia verde e desenvolvimento sustentável?

Como já disse, e repeti, quero fugir de um tipo de reflexão que, de tão abstrata, perde completamente qualquer ponto de contato com a realidade. Portanto, sigamos simplesmente exercitando nossa capacidade de observar a realidade e confrontá-la com os discursos correspondentes.

No senso comum, me parece que a ideia de desenvolvimento sustentável está ligada às recentes preocupações ambientais em relação ao futuro do planeta. A descoberta, relativamente tarde, de que os recursos naturais não são infinitos fez com que diversos setores da economia passassem a incluir em suas agendas o cuidado com o meio ambiente. Dessa forma, uma megacorporação financeira, como um banco, por exemplo, que se insere nessa perspectiva colorida de economia, já não pode mais operar da mesma forma que antes. O banqueiro verde é um homem moderno e consciente. Ao invés de enviar cartas a seus clientes, prefere usar o e-mail, visto que a tradicional produção de papel é uma atividade altamente degradante; em último caso, quando é estritamente necessário, só o papel reciclado ou oriundo de áreas de reflorestamento é utilizado.

Estranho... mas prossigamos com a Rio+20. Quem, então, pode participar desse fórum que discorrerá sobre o destino do planeta?

Segundo as informações dadas pela ONU, o evento destina-se a todos: chefes de governo dos Estados-membros, organizações civis registradas na entidade e também indivíduos, através do envio de sugestões por e-mail. Em português mais claro: quase ninguém. Coincidentemente, de forma paralela à realização da Rio+20, teremos a reunião dos movimentos sociais do mundo inteiro na Cúpula dos Povos discutindo adivinha o quê: os mesmos problemas do mesmo planeta!

Ué, agora não entendi de vez, você deve estar pensando. Qual é o sentido de um evento que acontece dentro do outro pra discutir os problemas que o evento principal já promete tratar? Além disso, por que os movimentos sociais de um lado e os chefes de Estado do outro? A causa não é a mesma? Não seria melhor o diálogo aberto e a união de esforços? Se apenas uma dessas perguntas passou pela sua cabeça, é um ótimo sinal.

Disse, ainda, anteriormente, que a Rio+20 marca os 20 anos da Rio-92, evento em que essas mesmas “pessoas-instituições” se reuniram na década de 90 para tratar, basicamente, as mesmas questões que serão abordadas esse ano. Sendo assim, é fundamental dar uma olhada no que aconteceu de lá para cá.

Nesse sentido, até onde tenho percebido, se o conceito de desenvolvimento sustentável utilizado em 92 foi colocado em prática, só tenho duas conclusões possíveis a chegar: ou ele é falacioso em si mesmo, ou alguma coisa no momento de sua aplicação deu muito errado.

Optar pela primeira alternativa me remete, invariavelmente, ao ceticismo do Nascimento, e é, de fato, a posição defendida por muitos: a economia verde é um grande engodo e só atende aos interesses daquele que a tudo domina – o lucro. Assim como no filme de Padilha, aqui também o sistema estaria apenas cedendo a mão para salvar o braço. Através de um forte marketing verde lançado sobre estruturas de produção conservadoras, ele vai apenas se remodelando e se ajusta às novas necessidades do mercado.

Entretanto, se escolho a segunda opção, assumo o risco de estar sendo romântico ou até mesmo utópico. Ainda assim, penso, como Aristóteles, que o caminho da vida feliz passa pela justa medida. Mesmo que não alcance certezas conclusivas, acredito que a simples mudança do olhar em relação às coisas que nos cercam – com espanto e maravilhamento diante de tudo aquilo que diariamente nos é apresentado como óbvio – tem um grande poder de mover transformações profundas e necessárias, se não a nível global, pelo menos em um sentido existencial – que a meu ver, inclusive, é o mais importante.

Seja como for, o fato é que, do ponto de vista da sustentabilidade, o mundo em 2012 pouco difere do mundo de 1992. Continuamos a ser uma sociedade que tem como único pilar de sustentação a contradição. Conseguimos não só produzir um mundo onde sobra alimento e pessoas morrem de fome, como passamos a enxergar coisas desse tipo com naturalidade. Especialmente, um mundo que se apresenta como a única opção viável, a despeito de sua gritante inviabilidade. Um mundo que trata com austeridade e força aqueles que se manifestam contrários aos valores predominantes. Enfim, um mundo completamente insustentável.

Dessa forma, sou obrigado a confessar que minhas expectativas em relação à Rio+20 são mínimas. Ao que todas as evidências indicam, ela será apenas mais um megaevento que provocará efervescência na economia carioca. Um megaevento verde, é claro, vale ressaltar. Por outro lado, entretanto, admito que não se pode deixar passar essa rica oportunidade que surge paralelamente no interior da sociedade civil de desenvolver um diálogo realmente construtivo.

Afinal, já passou da hora de colocarmos as cartas na mesa e decidirmos, com honestidade, que tipo de relações e valores deve predominar num mundo que pretenda, verdadeiramente, ser um ambiente saudável de coexistência.














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