Assim
como a Rio+20, também não vim aqui para falar de meio ambiente. Inicialmente
pensei em começar esse texto discutindo a conflituosa relação existente entre os
pressupostos filosóficos que sustentam algumas teorias econômicas e as recentes
tentativas de absorção pelas mesmas de uma maior preocupação em relação aos
recursos do planeta.
Desisti.
Por dois motivos: primeiro, porque já existe uma quantidade razoável de obras e
textos espalhados por aí que abordam a questão; segundo, porque tenho a
impressão de que textos desse tipo tendem a se tornar esotéricos demais,
atingindo apenas um pequeno grupo de pessoas que, normalmente, já concordam com
a gente. Além disso, correria o risco de ser mal interpretado, e cair na
armadilha do nosso mundo bipolar, que nada consegue ver além de uma realidade
bipartida entre direita e esquerda, ambientalistas e negacionistas, mocinhos e
bandidos, e por aí vai. Portanto, resolvi tentar uma via mais universal: o bom
senso.
Ainda
assim, me acompanham nessa reflexão dois grandes pensadores que, a partir de insights importantes sobre o seu tempo,
creio poderem nos serem úteis no sentido de contribuir para a construção de um
olhar mais atento sobre os problemas atuais.
O
primeiro deles é Aristóteles. A filosofia aristotélica, assim como o pensamento
grego como um todo, foi fortemente marcada por aquilo que ficou conhecido como thaumazein: uma atitude de espanto
diante de tudo o que é como é. Aristóteles chega mesmo a relacionar a origem da
filosofia a essa maneira com que os gregos viam o mundo. “De fato, os homens
começaram a filosofar, agora como na origem, por causa da admiração, na medida
em que, inicialmente, ficavam perplexos diante das dificuldades mais simples”,
diz o Estagirita em sua Metafísica.
O
segundo, embora menos cult, certamente,
está bem mais próximo da nossa tão complexa realidade brasileira: Coronel
Nascimento, personagem principal do filme Tropa
de Elite 2, de José Padilha.
Depois
de virar herói nacional no primeiro filme dando tapa na cara de estudante
usuário de droga e botando vagabundo no saco, Nascimento teve, na subsecretaria
de segurança, um encontro com o mundo da política e passou a conhecer as
entranhas daquilo que ele denominava de “o sistema”. Confesso que depois dos Tropas, toda vez que ouço essa palavra,
lembro da definição dada pelo 01: “O sistema é uma articulação de interesses
escrotos”. Ele vai ainda mais longe e, num tom melancólico que parece querer
acreditar, mas que beira um ceticismo, afirma que: “O sistema entrega a mão pra
salvar o braço. O sistema se reorganiza, articula novos interesses, cria novas
lideranças.” Por fim, sua conclusão é que “o sistema é foda” e que “ainda vai
morrer muito inocente”.
Trazidas
essas duas contribuições, acho que já temos subsídios suficientes para falar
sobre a Rio+20 sem ter que ficarmos presos a cientificismos.
Assim,
a primeira questão que surge é: o que vem a ser essa tal de Rio+20?
Segundo
os organizadores, o evento marca os vinte anos de realização da Conferência das
Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio-92), e tem como objetivo
contribuir para definir a agenda do desenvolvimento sustentável para as
próximas décadas. Os temas centrais serão: a economia verde no contexto do
desenvolvimento sustentável e da erradicação da pobreza; e a estrutura
institucional para o desenvolvimento sustentável.
Mas
que negócio é esse de economia verde e desenvolvimento sustentável?
Como
já disse, e repeti, quero fugir de um tipo de reflexão que, de tão abstrata,
perde completamente qualquer ponto de contato com a realidade. Portanto,
sigamos simplesmente exercitando nossa capacidade de observar a realidade e
confrontá-la com os discursos correspondentes.
No
senso comum, me parece que a ideia de desenvolvimento sustentável está ligada
às recentes preocupações ambientais em relação ao futuro do planeta. A
descoberta, relativamente tarde, de que os recursos naturais não são infinitos
fez com que diversos setores da economia passassem a incluir em suas agendas o
cuidado com o meio ambiente. Dessa forma, uma megacorporação financeira, como
um banco, por exemplo, que se insere nessa perspectiva colorida de economia, já
não pode mais operar da mesma forma que antes. O banqueiro verde é um homem
moderno e consciente. Ao invés de enviar cartas a seus clientes, prefere usar o
e-mail, visto que a tradicional produção de papel é uma atividade altamente
degradante; em último caso, quando é estritamente necessário, só o papel reciclado
ou oriundo de áreas de reflorestamento é utilizado.
Estranho...
mas prossigamos com a Rio+20. Quem, então, pode participar desse fórum que discorrerá
sobre o destino do planeta?
Segundo
as informações dadas pela ONU, o evento destina-se a todos: chefes de governo
dos Estados-membros, organizações civis registradas na entidade e também
indivíduos, através do envio de sugestões por e-mail. Em português mais claro:
quase ninguém. Coincidentemente, de forma paralela à realização da Rio+20,
teremos a reunião dos movimentos sociais do mundo inteiro na Cúpula dos Povos
discutindo adivinha o quê: os mesmos problemas do mesmo planeta!
Ué,
agora não entendi de vez, você deve estar pensando. Qual é o sentido de um
evento que acontece dentro do outro pra discutir os problemas que o evento
principal já promete tratar? Além disso, por que os movimentos sociais de um
lado e os chefes de Estado do outro? A causa não é a mesma? Não seria melhor o
diálogo aberto e a união de esforços? Se apenas uma dessas perguntas passou
pela sua cabeça, é um ótimo sinal.
Disse,
ainda, anteriormente, que a Rio+20 marca os 20 anos da Rio-92, evento em que
essas mesmas “pessoas-instituições” se reuniram na década de 90 para tratar,
basicamente, as mesmas questões que serão abordadas esse ano. Sendo assim, é
fundamental dar uma olhada no que aconteceu de lá para cá.
Nesse
sentido, até onde tenho percebido, se o conceito de desenvolvimento sustentável
utilizado em 92 foi colocado em prática, só tenho duas conclusões possíveis a
chegar: ou ele é falacioso em si mesmo, ou alguma coisa no momento de sua
aplicação deu muito errado.
Optar
pela primeira alternativa me remete, invariavelmente, ao ceticismo do
Nascimento, e é, de fato, a posição defendida por muitos: a economia verde é um
grande engodo e só atende aos interesses daquele que a tudo domina – o lucro.
Assim como no filme de Padilha, aqui também o sistema estaria apenas cedendo a
mão para salvar o braço. Através de um forte marketing verde lançado sobre
estruturas de produção conservadoras, ele vai apenas se remodelando e se ajusta
às novas necessidades do mercado.
Entretanto,
se escolho a segunda opção, assumo o risco de estar sendo romântico ou até
mesmo utópico. Ainda assim, penso, como Aristóteles, que o caminho da vida
feliz passa pela justa medida. Mesmo que não alcance certezas conclusivas, acredito
que a simples mudança do olhar em relação às coisas que nos cercam – com
espanto e maravilhamento diante de tudo aquilo que diariamente nos é
apresentado como óbvio – tem um grande poder de mover transformações profundas
e necessárias, se não a nível global, pelo menos em um sentido existencial –
que a meu ver, inclusive, é o mais importante.
Seja
como for, o fato é que, do ponto de vista da sustentabilidade, o mundo em 2012
pouco difere do mundo de 1992. Continuamos a ser uma sociedade que tem como
único pilar de sustentação a contradição. Conseguimos não só produzir um mundo
onde sobra alimento e pessoas morrem de fome, como passamos a enxergar coisas
desse tipo com naturalidade. Especialmente, um mundo que se apresenta como a
única opção viável, a despeito de sua gritante inviabilidade. Um mundo que
trata com austeridade e força aqueles que se manifestam contrários aos valores
predominantes. Enfim, um mundo completamente insustentável.
Dessa
forma, sou obrigado a confessar que minhas expectativas em relação à Rio+20 são
mínimas. Ao que todas as evidências indicam, ela será apenas mais um megaevento
que provocará efervescência na economia carioca. Um megaevento verde, é claro,
vale ressaltar. Por outro lado, entretanto, admito que não se pode deixar
passar essa rica oportunidade que surge paralelamente no interior da sociedade
civil de desenvolver um diálogo realmente construtivo.
Afinal,
já passou da hora de colocarmos as cartas na mesa e decidirmos, com
honestidade, que tipo de relações e valores deve predominar num mundo que
pretenda, verdadeiramente, ser um ambiente saudável de coexistência.