A
alimentação viva, pra mim, sempre falou muito mais sobre vida do que sobre
alimento. Talvez seja por isso que sinto arrepios toda vez que leio algum texto ou
me deparo com uma propaganda qualquer relacionada ao assunto na internet. Até onde
posso perceber, a abordagem que tem sido feita sobre o tema, geralmente – na
maioria esmagadora dos casos, infelizmente –, não passa de marketing pessoal barato com interesses comerciais. Estes, sim, bastante caros.
Com
o pretexto de compartilhar o conhecimento, o que se observa é o crescimento de
um mercado – de luxo, diga-se de passagem – que, ironicamente, contraria tudo
aquilo que, na realidade, deveria ser o pilar de uma alimentação genuinamente
viva. Aliás, talvez seja esse também um dos motivos pelos quais eu me sinta
extremamente constrangido quando, em alguma situação qualquer, alguém me
identifica aos seguidores dessa “dieta” ou de qualquer outra seita alimentar
parecida. Confesso que me sinto melhor dizendo que como apenas aquilo que quero
comer. A mim, pelo menos, basta.
De
qualquer forma, sou obrigado a admitir que – desde que não acreditemos neles –
a utilização de alguns rótulos pode nos ser bastante útil. Especialmente, em
termos de comunicação. Então, por ora, sigamos utilizando o já conhecido termo “alimentação
viva”.
Não
tenho aqui a intenção de cagar regra, muito menos inventar uma espécie de “teologia
da comida”, mas diria que, se há algum princípio básico que deveria servir de
fundamento para uma relação com o alimento que se pretenda verdadeiramente
viva, penso que esse princípio seja o da responsabilidade. Nesse sentido, comer
vivo é – antes de tudo – uma atitude de responsabilização diante da vida. Uma
vida que – infelizmente – aprendemos a terceirizar e da qual alienamo-nos completamente.
E, quando digo vida, estou falando, obviamente, de algo que vai muito além do nosso
umbigo. Afinal, não podemos esquecer que somos seres essencialmente
relacionais.
É
importante dizer também que, apesar de, constantemente, termos a impressão de
experimentar essa sensação em diversos âmbitos da vida, não creio que
tenhamos, de fato, o poder de fazer escolhas. Entretanto, se no plural fica difícil
realizar qualquer tipo de escolha, no singular a história já é bem diferente. Na
singularidade da própria vida, descobrimos que há apenas uma escolha a ser
feita: a vida ou a morte. Ou, em outras palavras: o caminho da bênção ou o
caminho da maldição. É essa a tênue linha que separa a escravidão da liberdade.
Todo o resto segue apenas como decorrência dessa opção fundamental e única.
Tá
bom, mas o que esse negócio todo tem a ver com comida? Certamente, muito mais
do consegue perceber um tipo de mentalidade fragmentada que não consegue
enxergar no alimento nada muito além de proteínas, carboidratos, vitaminas e
todo essa ladainha científica que acabou fazendo com que a mais profunda
relação de comunhão do homem com a terra se degenerasse em meras medidas
quantitativas.
Portanto,
ainda que se paste grama de trigo todo dia durante o dia inteiro, enquanto não
conseguirmos olhar para o alimento e enxergarmos nele algo além de uma
utilidade para a manutenção da nossa vida biológica ou – pior – um remédio
para fazer guerra dentro do nosso próprio corpo, permaneceremos sucumbindo
cambaleantes e perdidos em nossa própria fragmentação.
A
grande graça da alimentação viva – de outro modo – está, justamente, na
contramão de tudo isso. Comer vivo é celebrar a inteireza da vida na
integridade do alimento. É – diante da mesa do Criador – sentir o coração arder
cheio de gratidão e experimentar a certeza de que se está comendo aquilo que de
melhor há para ser comido na terra. É – em outras palavras – andar no caminho
da bênção e se permitir saborear, com o paladar da existência, a
responsabilidade se transformando, deliciosamente, em liberdade.
Sempre
quando penso nisso, uma imagem invade a minha mente. Se, pelo menos do ponto de
vista da narrativa bíblica, a figura do casamento remete ao clímax da comunhão
entre o homem e a mulher, quando os dois tornam-se uma só carne, fico
imaginando o que não significa esse ato de comunhão diário que praticamos pelo
menos três vezes por dia lançando alimentos para dentro do nosso corpo e fundindo-os
conosco, tornando-nos, também, um só com eles. Certamente, se conseguíssemos
compreender a sacralidade desse ritual – aliás, como de toda a vida –,
dificilmente o trataríamos de forma tão profana.
É
só por isso que a tal da alimentação viva – ainda que esteja em alta no mercado
da consciência – nunca será um negócio, uma dieta, remédio ou qualquer outro
meio para se alcançar objetivos secundários que passam ao largo da simplicidade
da vida. Aliás, sua simplicidade assustadora nos comunica, simplesmente, a
assustadora simplicidade da própria vida: esse “lugar” maravilhoso que nos foi
concedido como graça e que tem como único segredo o fato – extremamente
perturbador – de não ter segredos. Não há o que inventar. Está tudo aí. Resta a
nós receber o que a terra – abundantemente – tem nos dado, comer, orar,
comemorar e compartilhar. O que passar disso, não tenha dúvida: estão tentando
te (se) enganar!
“O céu e a terra tomo hoje por
testemunhas contra ti de que te pus diante de ti a vida e a morte, a bênção e a
maldição; escolhe, pois, a vida, para que vivas, tu e a tua descendência”
Deuteronômio 30:19
Profundo texto amigo, na minha opinião você conseguiu captar a essência do que a Ana tenta ensinar, e do que é a Alimentação viva para além do ensinamento, mas em sua vivência. Sacralizar o ato de comer e todo o ato é tornar-se santo sem o aval da igreja,rs, é como vc disse o que de melhor podermos fazer.
ResponderExcluirQue nossos irmãos de sangue também possam enxergar além do utilitarismo essa essência na alimentação viva.
Muito bom Bolinha, como foi citado acima "profundo". Gostei bastante do texto!
ResponderExcluirTenho acompanhado seu blog há um tempo, e tenho achado muito sincero e dinâmico, seu jeito de se expressar. Tá de parabéns irmão.
Só não concordei com o texto bíblico, pois não tem nada haver com o que foi dito anteriormente sobre "alimentação viva". Se você for lê Deuteronômio 30 todo, vai entender o que quer dizer o versículo 19.
Paz irmão, fica com Deus...
Valeu, Kongão! Tamo junto, irmão!
ResponderExcluirCom relação ao texto bíblico, é porque hoje não acredito mais que o texto bíblico tenha algum sentido em si. Isso só faz sentido na teologia. Não na vida. Aliás, se nos mantivermos amarrados estritamente ao contexto, teríamos que acabar jogando o texto todo fora. Afinal, foi escrito para o povo de Israel e num contexto muito específico. A grande graça do texto bíblico é justamente sua vida, que só se torna vida em nós quando nos apropriamos dele. Se não, como fala Paulo lá no novo testamento, ficaremos apenas com a letra morta. Mas, o que vivifica é o Espírito! Por isso que o caminho da bênção tem, sim, a ver não só com alimentação, mas com respiração, pensamentos, conversas, trabalho, lazer e tudo o mais que se chama vida.
Grande abraço, irmão!
Feliz que tu ande lendo minhas diarreias mentais! :)
Te entendo. Sem fé e sem crer não adianta muito ler a bíblia não.
ExcluirMas cada um com a sua tese. Mas como você disse "o que vivifica é o espírito". E cremos no espírito santo!
Abraço irmão...
É isso, irmão. É todo mundo junto!
ExcluirAbração!