A boca fala do que o coração tá cheio

quarta-feira, 31 de julho de 2013

Alimentação viva: estão tentando te enganar!

A alimentação viva, pra mim, sempre falou muito mais sobre vida do que sobre alimento. Talvez seja por isso que sinto arrepios toda vez que leio algum texto ou me deparo com uma propaganda qualquer relacionada ao assunto na internet. Até onde posso perceber, a abordagem que tem sido feita sobre o tema, geralmente – na maioria esmagadora dos casos, infelizmente –, não passa de marketing pessoal barato com interesses comerciais. Estes, sim, bastante caros.
Com o pretexto de compartilhar o conhecimento, o que se observa é o crescimento de um mercado – de luxo, diga-se de passagem – que, ironicamente, contraria tudo aquilo que, na realidade, deveria ser o pilar de uma alimentação genuinamente viva. Aliás, talvez seja esse também um dos motivos pelos quais eu me sinta extremamente constrangido quando, em alguma situação qualquer, alguém me identifica aos seguidores dessa “dieta” ou de qualquer outra seita alimentar parecida. Confesso que me sinto melhor dizendo que como apenas aquilo que quero comer. A mim, pelo menos, basta.
De qualquer forma, sou obrigado a admitir que – desde que não acreditemos neles – a utilização de alguns rótulos pode nos ser bastante útil. Especialmente, em termos de comunicação. Então, por ora, sigamos utilizando o já conhecido termo “alimentação viva”.
Não tenho aqui a intenção de cagar regra, muito menos inventar uma espécie de “teologia da comida”, mas diria que, se há algum princípio básico que deveria servir de fundamento para uma relação com o alimento que se pretenda verdadeiramente viva, penso que esse princípio seja o da responsabilidade. Nesse sentido, comer vivo é – antes de tudo – uma atitude de responsabilização diante da vida. Uma vida que – infelizmente – aprendemos a terceirizar e da qual alienamo-nos completamente. E, quando digo vida, estou falando, obviamente, de algo que vai muito além do nosso umbigo. Afinal, não podemos esquecer que somos seres essencialmente relacionais.
É importante dizer também que, apesar de, constantemente, termos a impressão de experimentar essa sensação em diversos âmbitos da vida, não creio que tenhamos, de fato, o poder de fazer escolhas. Entretanto, se no plural fica difícil realizar qualquer tipo de escolha, no singular a história já é bem diferente. Na singularidade da própria vida, descobrimos que há apenas uma escolha a ser feita: a vida ou a morte. Ou, em outras palavras: o caminho da bênção ou o caminho da maldição. É essa a tênue linha que separa a escravidão da liberdade. Todo o resto segue apenas como decorrência dessa opção fundamental e única.
Tá bom, mas o que esse negócio todo tem a ver com comida? Certamente, muito mais do consegue perceber um tipo de mentalidade fragmentada que não consegue enxergar no alimento nada muito além de proteínas, carboidratos, vitaminas e todo essa ladainha científica que acabou fazendo com que a mais profunda relação de comunhão do homem com a terra se degenerasse em meras medidas quantitativas.
Portanto, ainda que se paste grama de trigo todo dia durante o dia inteiro, enquanto não conseguirmos olhar para o alimento e enxergarmos nele algo além de uma utilidade para a manutenção da nossa vida biológica ou – pior – um remédio para fazer guerra dentro do nosso próprio corpo, permaneceremos sucumbindo cambaleantes e perdidos em nossa própria fragmentação.
A grande graça da alimentação viva – de outro modo – está, justamente, na contramão de tudo isso. Comer vivo é celebrar a inteireza da vida na integridade do alimento. É – diante da mesa do Criador – sentir o coração arder cheio de gratidão e experimentar a certeza de que se está comendo aquilo que de melhor há para ser comido na terra. É – em outras palavras – andar no caminho da bênção e se permitir saborear, com o paladar da existência, a responsabilidade se transformando, deliciosamente, em liberdade.
Sempre quando penso nisso, uma imagem invade a minha mente. Se, pelo menos do ponto de vista da narrativa bíblica, a figura do casamento remete ao clímax da comunhão entre o homem e a mulher, quando os dois tornam-se uma só carne, fico imaginando o que não significa esse ato de comunhão diário que praticamos pelo menos três vezes por dia lançando alimentos para dentro do nosso corpo e fundindo-os conosco, tornando-nos, também, um só com eles. Certamente, se conseguíssemos compreender a sacralidade desse ritual – aliás, como de toda a vida –, dificilmente o trataríamos de forma tão profana.
É só por isso que a tal da alimentação viva – ainda que esteja em alta no mercado da consciência – nunca será um negócio, uma dieta, remédio ou qualquer outro meio para se alcançar objetivos secundários que passam ao largo da simplicidade da vida. Aliás, sua simplicidade assustadora nos comunica, simplesmente, a assustadora simplicidade da própria vida: esse “lugar” maravilhoso que nos foi concedido como graça e que tem como único segredo o fato – extremamente perturbador – de não ter segredos. Não há o que inventar. Está tudo aí. Resta a nós receber o que a terra – abundantemente – tem nos dado, comer, orar, comemorar e compartilhar. O que passar disso, não tenha dúvida: estão tentando te (se) enganar!


“O céu e a terra tomo hoje por testemunhas contra ti de que te pus diante de ti a vida e a morte, a bênção e a maldição; escolhe, pois, a vida, para que vivas, tu e a tua descendência” Deuteronômio 30:19


5 comentários:

  1. Profundo texto amigo, na minha opinião você conseguiu captar a essência do que a Ana tenta ensinar, e do que é a Alimentação viva para além do ensinamento, mas em sua vivência. Sacralizar o ato de comer e todo o ato é tornar-se santo sem o aval da igreja,rs, é como vc disse o que de melhor podermos fazer.

    Que nossos irmãos de sangue também possam enxergar além do utilitarismo essa essência na alimentação viva.

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  2. Muito bom Bolinha, como foi citado acima "profundo". Gostei bastante do texto!
    Tenho acompanhado seu blog há um tempo, e tenho achado muito sincero e dinâmico, seu jeito de se expressar. Tá de parabéns irmão.
    Só não concordei com o texto bíblico, pois não tem nada haver com o que foi dito anteriormente sobre "alimentação viva". Se você for lê Deuteronômio 30 todo, vai entender o que quer dizer o versículo 19.

    Paz irmão, fica com Deus...

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  3. Valeu, Kongão! Tamo junto, irmão!

    Com relação ao texto bíblico, é porque hoje não acredito mais que o texto bíblico tenha algum sentido em si. Isso só faz sentido na teologia. Não na vida. Aliás, se nos mantivermos amarrados estritamente ao contexto, teríamos que acabar jogando o texto todo fora. Afinal, foi escrito para o povo de Israel e num contexto muito específico. A grande graça do texto bíblico é justamente sua vida, que só se torna vida em nós quando nos apropriamos dele. Se não, como fala Paulo lá no novo testamento, ficaremos apenas com a letra morta. Mas, o que vivifica é o Espírito! Por isso que o caminho da bênção tem, sim, a ver não só com alimentação, mas com respiração, pensamentos, conversas, trabalho, lazer e tudo o mais que se chama vida.

    Grande abraço, irmão!

    Feliz que tu ande lendo minhas diarreias mentais! :)

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    1. Te entendo. Sem fé e sem crer não adianta muito ler a bíblia não.
      Mas cada um com a sua tese. Mas como você disse "o que vivifica é o espírito". E cremos no espírito santo!

      Abraço irmão...

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    2. É isso, irmão. É todo mundo junto!

      Abração!

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