A boca fala do que o coração tá cheio

quarta-feira, 31 de julho de 2013

Alimentação viva: estão tentando te enganar!

A alimentação viva, pra mim, sempre falou muito mais sobre vida do que sobre alimento. Talvez seja por isso que sinto arrepios toda vez que leio algum texto ou me deparo com uma propaganda qualquer relacionada ao assunto na internet. Até onde posso perceber, a abordagem que tem sido feita sobre o tema, geralmente – na maioria esmagadora dos casos, infelizmente –, não passa de marketing pessoal barato com interesses comerciais. Estes, sim, bastante caros.
Com o pretexto de compartilhar o conhecimento, o que se observa é o crescimento de um mercado – de luxo, diga-se de passagem – que, ironicamente, contraria tudo aquilo que, na realidade, deveria ser o pilar de uma alimentação genuinamente viva. Aliás, talvez seja esse também um dos motivos pelos quais eu me sinta extremamente constrangido quando, em alguma situação qualquer, alguém me identifica aos seguidores dessa “dieta” ou de qualquer outra seita alimentar parecida. Confesso que me sinto melhor dizendo que como apenas aquilo que quero comer. A mim, pelo menos, basta.
De qualquer forma, sou obrigado a admitir que – desde que não acreditemos neles – a utilização de alguns rótulos pode nos ser bastante útil. Especialmente, em termos de comunicação. Então, por ora, sigamos utilizando o já conhecido termo “alimentação viva”.
Não tenho aqui a intenção de cagar regra, muito menos inventar uma espécie de “teologia da comida”, mas diria que, se há algum princípio básico que deveria servir de fundamento para uma relação com o alimento que se pretenda verdadeiramente viva, penso que esse princípio seja o da responsabilidade. Nesse sentido, comer vivo é – antes de tudo – uma atitude de responsabilização diante da vida. Uma vida que – infelizmente – aprendemos a terceirizar e da qual alienamo-nos completamente. E, quando digo vida, estou falando, obviamente, de algo que vai muito além do nosso umbigo. Afinal, não podemos esquecer que somos seres essencialmente relacionais.
É importante dizer também que, apesar de, constantemente, termos a impressão de experimentar essa sensação em diversos âmbitos da vida, não creio que tenhamos, de fato, o poder de fazer escolhas. Entretanto, se no plural fica difícil realizar qualquer tipo de escolha, no singular a história já é bem diferente. Na singularidade da própria vida, descobrimos que há apenas uma escolha a ser feita: a vida ou a morte. Ou, em outras palavras: o caminho da bênção ou o caminho da maldição. É essa a tênue linha que separa a escravidão da liberdade. Todo o resto segue apenas como decorrência dessa opção fundamental e única.
Tá bom, mas o que esse negócio todo tem a ver com comida? Certamente, muito mais do consegue perceber um tipo de mentalidade fragmentada que não consegue enxergar no alimento nada muito além de proteínas, carboidratos, vitaminas e todo essa ladainha científica que acabou fazendo com que a mais profunda relação de comunhão do homem com a terra se degenerasse em meras medidas quantitativas.
Portanto, ainda que se paste grama de trigo todo dia durante o dia inteiro, enquanto não conseguirmos olhar para o alimento e enxergarmos nele algo além de uma utilidade para a manutenção da nossa vida biológica ou – pior – um remédio para fazer guerra dentro do nosso próprio corpo, permaneceremos sucumbindo cambaleantes e perdidos em nossa própria fragmentação.
A grande graça da alimentação viva – de outro modo – está, justamente, na contramão de tudo isso. Comer vivo é celebrar a inteireza da vida na integridade do alimento. É – diante da mesa do Criador – sentir o coração arder cheio de gratidão e experimentar a certeza de que se está comendo aquilo que de melhor há para ser comido na terra. É – em outras palavras – andar no caminho da bênção e se permitir saborear, com o paladar da existência, a responsabilidade se transformando, deliciosamente, em liberdade.
Sempre quando penso nisso, uma imagem invade a minha mente. Se, pelo menos do ponto de vista da narrativa bíblica, a figura do casamento remete ao clímax da comunhão entre o homem e a mulher, quando os dois tornam-se uma só carne, fico imaginando o que não significa esse ato de comunhão diário que praticamos pelo menos três vezes por dia lançando alimentos para dentro do nosso corpo e fundindo-os conosco, tornando-nos, também, um só com eles. Certamente, se conseguíssemos compreender a sacralidade desse ritual – aliás, como de toda a vida –, dificilmente o trataríamos de forma tão profana.
É só por isso que a tal da alimentação viva – ainda que esteja em alta no mercado da consciência – nunca será um negócio, uma dieta, remédio ou qualquer outro meio para se alcançar objetivos secundários que passam ao largo da simplicidade da vida. Aliás, sua simplicidade assustadora nos comunica, simplesmente, a assustadora simplicidade da própria vida: esse “lugar” maravilhoso que nos foi concedido como graça e que tem como único segredo o fato – extremamente perturbador – de não ter segredos. Não há o que inventar. Está tudo aí. Resta a nós receber o que a terra – abundantemente – tem nos dado, comer, orar, comemorar e compartilhar. O que passar disso, não tenha dúvida: estão tentando te (se) enganar!


“O céu e a terra tomo hoje por testemunhas contra ti de que te pus diante de ti a vida e a morte, a bênção e a maldição; escolhe, pois, a vida, para que vivas, tu e a tua descendência” Deuteronômio 30:19


sexta-feira, 26 de julho de 2013

Aho, pilantragem!




Desde que, há relativamente pouco tempo, comecei a me questionar mais seriamente sobre alternativas para o modo de vida tido como normal pela grande sociedade – de forma bem resumida: trabalhar para pagar contas –, uma série de outros questionamentos foi aparecendo pelo caminho. Conforme mais ia conhecendo novas propostas e os ditos outros paradigmas, a impressão que me dava era que estava cada vez mais longe de alcançar a tão falada sustentabilidade. Não demorou muito, porém, para as peças irem começando a se encaixar. Afinal, não há nada de muito novo debaixo do sol.
            Inicialmente perdido, sem saber direito por onde começar, percebi que precisava de conhecimento. A total falta de direção, entretanto, misturada a uma mentalidade ainda bastante mergulhada no tal sistema a que tanto repudiava, fez-me concluir que o primeiro passo dessa jornada seria fazer algum curso que me capacitasse a operar essa transição. Hoje, passado algum tempo – nem tanto, é verdade – rio sozinho de mim mesmo, observando a patetice desse tipo de pensamento. Mas, faz parte. Ainda bem que Deus não depende da nossa genialidade para nos conduzir em seus caminhos.
            Matriculei-me, então, em um curso cuja proposta seria o desenvolvimento de habilidades que capacitassem seus alunos a criar ambientes sustentáveis nos mais variados âmbitos da vida. O cumprimento da grade curricular, com todas as exigências, em tese, faria de nós designers para a sustentabilidade. A ansiedade, misturada com a ingenuidade do início, fizeram com que os dois mil reais necessários de investimento passassem até despercebidos.
            Sou fodido. Sempre fui. Depois ainda que descobri que Roberto DaMatta – antropólogo brasileiro de quem gosto muito –, em sua obra clássica Carnavais, Malandros e Heróis, transformou o fodido em categoria sociológica, não fico nem mais constrangido com isso. Acho até cool. Como disse a um grande amigo outro dia: não tenho dinheiro e, como não me esforço nenhum pouco para ter, sei que, provavelmente, nunca terei. Apesar disso, nunca me faltou nada. Nunca. Nada. Das menores às maiores coisas; das que dependiam de dinheiro ou das que não dependiam. Não, também não nasci em família rica. Aliás, fodidos são meus pais. Eu sou só um fodidinho.
            A questão é que, obviamente, não tinha essa quantia para realizar o curso. Mas, como queria muito, dei meu jeito. Fodido não tem dinheiro, mas, geralmente, tem amigo. Estava para começar a ganhar uma bolsa de iniciação científica e decidi que iria usar, praticamente, metade dela para custear o tal do curso. Como, entretanto, ainda não tinha começado a receber a bolsa, peguei um adiantamento com um casal de amigos-irmãos e botei o projeto para frente. Estava, realmente, muito empolgado com tudo.
            O curso começou e, no início, foi um grande impacto. Só de estar ali naquele lugar lindo, reunido só com gente boa, pessoas maravilhosas e com consciências elevadíssimas, vivenciando quase que o próprio reino de Deus na Terra, foi, de fato, uma experiência muito deliciosa. Experimentei vários momentos singulares que me proporcionaram sensações comparáveis somente àquelas proporcionadas pelos brinquedinhos entorpecentes. Como sempre tive afinidade com os entorpecentes, não posso negar que gostei muito.
            Entretanto, também assim como toda onda, tudo o que sobe, desce. E não demorou muito para o encanto inicial, aos poucos, ir abrindo espaço para a realidade. Comecei a me sentir extremamente desconfortável de saber que se eu não possuísse dois mil reais, como vários amigos meus não possuem, eu não poderia estar ali desfrutando daqueles momentos tão especiais e daqueles “aprendizados” (a não ser que fosse um dos meia dúzia dos agraciados bolsistas que compunham o universo de 70 participantes). Começou a me incomodar muito perceber o fato de que a grande heterogeneidade que eu percebia no início, revelava-se, na verdade, bem mais homogênea do que parecia. Em pouco tempo, sentia-me como em qualquer outro desses ambientes plastificados que adoramos construir para viver nosso conforto existencial.
            Qualquer outro, não. Vamos falar a verdade. Quem me conhece pelo menos um pouco, sabe que sempre tive uma relação muito forte com religião, espiritualidade, ou seja lá qual o nome que você queira dar àquilo que eu chamo de relacionamento com Deus. Obviamente, ao longo da caminhada, já frequentei muitos ambientes eclesiásticos, ou, num português mais claro: igreja. E, inevitavelmente, aquele ambiente me recordava muito a vibe da ekklesia. Infelizmente, porém, não em sua idealidade discursiva, mas na rarefeita realidade da sua carência de verdade. Mas, se a ideia de igreja te deixa desconfortável, pode ficar à vontade para usar a imagem de uma terapia de grupo para ricos com crise de consciência, se preferir. No fundo, dá quase no mesmo. Com a diferença, é claro, de que na igreja tem pobre. E preto.
            Quando falo de falta de verdade, não falo, no entanto, de uma verdade conceitual e abstrata. Apesar de estudar e gostar de filosofia, não acredito nesse tipo de verdade. Como bem me ensinou meu irmão dinamarquês do século XIX – Søren Kierkegaard –, verdade só é verdade se tiver alguém que a viva. É, portanto, algo de cunho existencial a que me refiro quando falo de verdade. E, nesse sentido, começou a ficar tudo bem estranho e difícil. Na sequência, contudo, como é comum após toda dificuldade, as coisas começaram a clarear.
            Ora, como pode um curso que se propõe a falar – a falar, não, a formar designers – de sustentabilidade no Brasil – uma realidade onde mais de 80% das pessoas não ganha dois mil reais nem para passar o mês – custar dois mil reais (no valor “solidário”)? Não, mas olha bem, amado, você tem que entender que tudo isso tem um custo e esse custo precisa ser compartilhado. Sim, isso eu já entendi. E é exatamente nisso em que a proposta absorve e se iguala à mentalidade de mercado de qualquer empresa convencional. Aliás, a relação de alguns desses líderes com as principais escolas de business do país talvez não seja mera coincidência.
            A questão não é se os custos devem ou não ser compartilhados. Acho que isso é bastante claro para todo mundo. Insistir nesse ponto acaba sendo só uma forma de deslocar o foco do problema. A questão é que um curso de sustentabilidade (seja ele qual for; esse é só um exemplo em um universo bastante vasto de um mercado bem movimentado) que custa dois mil reais – ou mil, ou seja lá quanto for o valor estipulado para a exclusão e determinação daqueles que terão ou não acesso – é, em si, insustentável. Ou é, no mínimo, uma sustentabilidade exclusivista. E, sim, carinha para caceta.
            No final das contas, o jogo é bem simples e em quase nada se difere das já bem conhecidas e batidas fraudes que temos inventado ao longo do tempo para sobreviver em um mundo onde o dinheiro é o bem supremo: um grupo de pessoas desesperadas por sobrevivência – e, certamente, não estou falando do suprimento de necessidades básicas, mas da alimentação das demandas de um mundo que as produz incessantemente – se reúne e decide ensinar outras pessoas, também desesperadas por sobrevivência, a sobreviver. Em troca de dinheiro, é claro. Afinal, essa é uma energia muito importante e ninguém está propondo uma ruptura com o mundo, mas uma transição para um novo paradigma. Enquanto isso, sabe como é, né...? É melhor encostar o bumbum na parede.
            Ao contrário do que possa parecer, entretanto, não estou sugerindo que isso tudo seja pilantragem. Quer dizer: que é pilantragem é óbvio, mas não pura pilantragem. Sinceramente não acho que seja aquele tipo de pilantragem que nasce da maldade de uma índole perversa. Até agora, pelo menos, não esbarrei com ninguém assim. Ninguém, não. Sempre tem um filho da puta. Tomei – junto com um amigo – uma volta de 800 reais de um desses pilantrinhas pseudo-zen, que sumiu com o dinheiro e não fez o trabalho combinado. Não é que tenha deixado de fazer uma parte. Não. Não fez nada mesmo. Mas, deixa para lá. Isso é problema dele.
            O tipo de pilantragem a que me refiro é outra, de tipo bem mais sutil: aquela que se constrói à custa de muito autoestelionato. Aquela que vem com uma roupa bem bonita e recheada com bastante altruísmo e um desejo enorme de salvar o mundo. Infelizmente – ou não –, desejos como esse só encontram abrigo no desespero de vidas fragmentadas e incapazes de compreender que o mundo sou eu e eu sou o mundo e que, consequentemente, mudá-lo é mudar a mim mesmo e mudar a mim mesmo é mudá-lo. Essa revolução interior, entretanto, dado o seu caráter radical e inconciliável com nossos joguetezinhos e barganhas existenciais, já não desperta tantos adeptos. Embora , é verdade, também esteja vendendo bastante.
            Com isso tudo, acho, honestamente, que foi bom ter tido esse tipo de experiência logo no início da jornada. Embora, evidentemente, tudo isso tenha feito com que me sentisse um tremendo idiota, confesso que é disso que eu mais gosto na vida. Não descobri ainda sensação melhor do que me sentir com cara de idiota diante de um novo aprendizado: aquele momento em que, com as calças na mão e a bunda no chão, a vida te olha cheia de graça e te deixa como única opção aquela risadinha cheia de gratidão. Aprender é sempre muito bom.
            Por isso, quero terminar esse texto agradecendo – de coração – a todas os pilantrinhas e as pilantrinhas – vocês são lindas, por sinal! – que estão aí na correria atrás de dinheiro para sustentar suas vidas maneiríssimas. Desejo que vocês vendam muitos cursos, viajem bastante, conheçam os lugares mais paradisíacos do planeta, comam nos restaurantes veganos mais caros da cidade, comprem e vendam muitos produtos orgânicos e ecológicos a preços estratosféricos e, acima de tudo, muita, mas muita, luz e energia positiva nessa caminhada rumo à nova era. Aho, pilantragem!



P.S.: Brincadeiras à parte – confesso que a ironia ainda é o maior dos meus vícios –, que possamos prosseguir – juntos uns com os outros, com sinceridade e honestidade diante da vida – no caminho da transformação pessoal que cada um deve realizar, e para a qual, felizmente, não há alternativa. Se o estabelecimento de uma nova era, definitivamente, não está ao nosso alcance, concentremo-nos na concretização de novas vidas. Que a abundante graça de Deus nos conduza!
           
            

quarta-feira, 24 de julho de 2013

Pobre soldado




Miserável do homem
Que para se impor sobre seus irmãos
Espalha o medo
E dissemina o terror

Como pobre soldado
É incapaz de compreender
Que a manutenção do poder
Faz dele um explorado

Mais do que no bolso vazio
A pobreza tá no espírito
Na vileza cotidiana
De ser um comandado

Só mesmo muita mentira
Embrulhada em tradição
Pra transformar covardia
Em cumprimento de missão

Não, não sabem o que dizem
Muito menos o que fazem
Sua sede de poder
Só alimenta a engrenagem

Quando entenderão, ó vermes?
Que um homem de verdade
Não se esconde atrás de armas
Cometendo atrocidades

O seu sangue frio
Não revela nada além
Do seu enorme desespero
E grotesca falta de brio

Afinal, por trás de todo escudo
E de uma ameaça empunhada
Há sempre muita fragilidade
Mesmo em tinta camuflada

Acorda, homem-rato
E muda a tua direção
Quem sabe ainda haja para ti
Alguma salvação

De uma coisa você pode ter certeza
Na Vida ninguém entra
Com farda ou distinção
A beleza do existir reside na união

segunda-feira, 22 de julho de 2013

Obra de arte e verdade em Heidegger


Introdução

            Desde o seu surgimento enquanto disciplina filosófica, a Estética tem sido, geralmente, abordada a partir de uma perspectiva subjetivista. Após a revolução copernicana operada por Kant no campo da metafísica, o sujeito ganha expressão e passa a ser considerado o centro na manifestação artística, colocando a arte numa posição de subserviência relativa ao estado sentimental do homem em sua relação com o belo.
            Reagindo a esse antropocentrismo moderno exacerbado, Heidegger propõe a construção de outra via de reflexão sobre a arte, que tem como raiz orientadora fundamental uma indagação mais básica: o que é a obra de arte? Essa brevíssima reflexão procurará, assim, abordar alguns aspectos do pensamento heideggeriano que ajudam a responder esse questionamento e, nesse contexto, discutirá a relação entre a obra de arte e o aparecimento da verdade.

O resgate ontológico

            O principal propósito de Heidegger em A Origem da Obra de Arte parece ser fugir de um tipo de discussão reducionista que deixa a arte circunscrita apenas ao âmbito estético. Para ele, a arte pertence também à outra esfera: a ontológica.
            Segundo Heidegger, a contribuição que a metafísica ocidental ofereceu à filosofia, através de seu enfoque ôntico, foi a criação de um modelo formal onde o próprio ser só pode ser compreendido a partir do ente. Uma espécie de ser já previamente entificado. Essa circularidade decorrente da pressuposição do ser como ente teria sido, inclusive, responsável pela identidade muitas vezes encontrada entre ser e ente na história da filosofia.
            O que Heidegger pretende, portanto, é marcar claramente a distinção entre ser e ente e, por fim, afirmar o estatuto ontológico da obra de arte. Nesse sentido, ele entende que o questionamento pelo ser se manifesta através de uma abertura do próprio ser que já estaria dada.

Na cotidianidade se revela desde sempre e já um comportamento para com o ser que, embora possa aparecer inicialmente isento de uma autenticidade (Eingentlichkeit), compete a um ente que abriga a possibilidade de tornar radical essa relação com o ser. Este ente a que é dado a possibilidade de um “reportar-se” autêntico ao ser, Heidegger o chama Dasein. O Dasein é isso que no seu mais variado modo de “dispor-se” aponta, sempre, para um relacionamento com o ser, mesmo que mediado pelo ente, neste sentido, uma entidade desta maneira “determinada” assume no seu “ser-dado” o elemento de transcendência que faz dela um  ultrapassar-a-si-mesmo enquanto mero ente, isto é, não é absolutamente um “ser-dado”, uma simples presença, onde se recolhe a “inércia” da Vorhendenheit  (ALMEIDA, 2007, p. 4) [1].

            Dessa forma, pode-se compreender o Dasein como um ente que possui uma constituição ontológica. Ou, em outras palavras, a sua própria estrutura ôntica como abertura. E, a importância fundamental dessa abertura é que ela não só o distingue do ente enquanto ser-simplesmente-dado, como é ela quem lhe confere existência, entendendo existência aqui em seu sentido etimológico: voltar-se para fora.
            Assim, o que Heiddeger está demonstrando através da transcendência do ser que constitui o Desein é a própria transitividade da existência. Ao realçar o caráter ontológico dessa transitividade para o ser, o filósofo alemão consegue deixar clara a diferença entre o ente existente e o ente em seu modo de simples presença, ou, de outro modo, como imediatidade dada. É somente através dessa distinção que o Dasein poderá liberar o espaço para o aparecimento da verdade.

Arte e verdade

            O conceito de mímeses predominante na metafísica tradicional certamente não é fruto do acaso, mas – antes – decorre de uma maneira peculiar de interpretar a verdade do ente como conformidade e adequação. Para Heidegger, entretanto, essa dinâmica é bastante diferente. “Na obra, não é de uma reprodução do ente singular que de cada vez está aí presente, que se trata, mas sim da reprodução da essência geral das coisas” (HEIDEGGER, 2005, p. 28) [2], afirma ele.
            Utilizando o exemplo do quadro de Van Gogh, ele mostra que a autenticidade artística da obra reside não na perfeição da representação pictórica, mas naquilo que nela aparece iluminado. O sapato, portanto, deixa de ser apenas um sapato, um ser-utensílio corriqueiro do dia-a-dia, e torna-se – enquanto obra – a própria ocasião da verdade.
            O fascínio produzido pela arte estaria, justamente, nesse processo de iluminação. Algo do sapato aparece na obra e esse algo – submerso no cotidiano desgastante do mundo da utilidade – acaba por mostrar-se essencial ao ente. É o que Heidegger entende como “a abertura do ente ao seu ser: o acontecimento da verdade”. (Ibidem, p. 29)
            Aqui, Heidegger opta por recorrer ao sentido grego de alétheia, cuja origem remonta ao passado mítico do rio Léthe, o rio do esquecimento. Para ele, dessa forma, o processo artístico de iluminação do ente seria um não-esquecer, ou melhor, um des-esquecer, um des-ocultar.

Ao promover o desocultamento da verdade do ente, a obra “inaugura” um mundo no qual o ente doravante revelado se encerrava. O “mundanizar” da obra, Heidegger diz que é efetuado pelo instituir, mediante o qual o ente aparece inscrito numa totalidade referencial de sentido. A obra, por conseguinte, descobre a essência do ente ao situá-lo na sua verdadeira mundanidade. Essa “mundividência”, que a arte ao se pôr em obra proporciona, se remete necessariamente à dimensão elementar do telúrico, da terra, que, por sua vez, emerge no “interior” do mundo (ALMEIDA, Op. Cit. p. 12).

            Aparentemente, o que Heideger chama de terra aqui seria, justamente, esse meio “material-imaterial” que encontra a realidade da obra enquanto obra de arte. Na transfiguração dos elementos que compõem a obra – a cor, a pedra, o som, a palavra, etc. –, esses mesmos elementos apontam para o in-surgir da terra através da obra. Em outras palavras: “Aquilo que está obscurecido na terra é justamente o que é iluminado na arte, fazendo com que a terra apareça na abertura do mundo”. (Ibidem, p.13)
            Por outro lado, o que se observa é que mesmo na abertura que a arte promove, a terra não deixa de se esconder completamente. Se por uma via ela se revela – e, em certo sentido, é transformada pela obra de arte –, por outra, ela permanece a se ocultar num mundo que permanece como abertura. Ao mesmo tempo em que ganha realidade a partir da abertura do ser ao ente, ela fecha-se em si mesma, visto que tudo o que se ilumina pressupõe de antemão o próprio ambiente de iluminação.

Conclusão

            Ao unir desvelamento e ocultação em um processo indissociável, Heidegger consegue conferir unidade à compreensão de verdade que procura sustentar. Para ele, todo desvelamento implica, por outro lado, um velamento correspondente a que chama dissimulação. Por isso, é importante notar que ao conceito de alétheia corresponde não só esse aparecimento da verdade, mas, também, a permanência da não-verdade como ocultação dissimuladora.
            Na medida em que a verdade está dada nessa unidade de desvelamento e ocultação, esse pôr-se-em-obra da verdade deve ser visto não só como o produzir da verdade, mas – de forma ainda mais radical – como a própria verdade sendo fonte dessa produção.
            Portanto, mesmo sendo a obra de arte um fruto da fabricação humana, com seu suporte coisal aparentemente manifesto como algo produzido, o ser-criado verdadeiro da obra não pode ser reduzido a esse resultado do simples fazer. Nas palavras de Almeida:

Toda mundanidade se estabelece na oposição beligerante à retração-a-si da terra. Todo povo histórico, enquanto situado num mundo, portanto, numa decisão e numa abertura, apresenta um modo determinado onde se encontra resolvido este conflito estrutural, que no fundo diz respeito àquilo que se abre e se oferece, o ser, e aquilo que é posto em evidência no interior da abertura, o ente. Assim, em toda abertura o que está em evidência é o ente, é por meio da manifestação do ente que a verdade se resguarda ao se ocultar. Por mais que a “veiculação” do ser pelo ente seja a dignidade daquilo que a arte evidencia e traz à luz, ao se constituir num modo em que o ente em sua totalidade emerge, isto é, em que ocorre a apresentação do ser do ente, a criação artística nunca esgota, ou melhor, nunca pode significar um total desvelamento da verdade, pois que o ser do ente aparecerá sempre na forma da oferta e da  presentação. Esta doação imediata do ser do ente é fundada, em cada abertura, em cada mundo decidido, numa compreensão histórica do acontecimento da verdade (Ibidem, p. 15).

            Dessa maneira, a obra de arte – apesar de compartilhar desse aspecto de fabricação humana, assim como os utensílios – difere-se dessas outras manufaturas justamente por seu poder de romper com o olhar habitual do ente ao enxergá-lo em sua totalidade. Assim, não é de se espantar, portanto, que, chamando atenção para esse poder de instituição do mundo através da renovação constante desse relacionamento do ser com o ente, Heidegger venha a afirmar que a própria história encontra suas raízes mais profundas na esfera da arte.

Referências bibliográficas

- ALMEIDA, Patrick de Oliveira. Existência e Arte - Revista Eletrônica do Grupo PET – Ciências Humanas, Estética e Artes da Universidade Federal de São João Del-Rei – Ano III – Número III – janeiro a dezembro de 2007.
- HEIDEGGER, Martin. A origem da obra de arte. [Trad.: Maria da Conceição Costa] – Edições 70: Lisboa, 2005.





[1] ALMEIDA, Patrick de Oliveira. Existência e Arte - Revista Eletrônica do Grupo PET – Ciências Humanas, Estética e Artes da Universidade Federal de São João Del-Rei – Ano III – Número III – janeiro a dezembro de 2007.

[2] HEIDEGGER, Martin. A origem da obra de arte. [Trad.: Maria da Conceição Costa] – Edições 70: Lisboa, 2005.


domingo, 21 de julho de 2013

Manga rosa


Manga suculenta
É aquela que não se come
Se mergulha

Cai pra dentro
E esfrega ela na cara
Sem ouvir nem ver mais nada

Acabei de comer uma assim
A melhor manga do universo
Uma linda manga rosa

segunda-feira, 15 de julho de 2013

Kierkegaard e Nietzsche: breves considerações sobre Cristianismo e existência


Introdução:

            Qualquer pessoa que já tenha adentrado a uma sala de aula de um curso de humanas, ou mesmo participado de discussões informais no campo da ética, certamente, já se deparou com severas críticas ao Cristianismo – ou àquilo que, comumente, é chamado de moral judaico-cristã. Apesar disso, o que, de maneira geral, se percebe nesses discursos é menos um olhar atento e cuidadoso sobre o complexo quadro da religião cristã, com suas multifacetadas nuances, do que um pathos reativo – quase sempre dogmático – que acaba por circunscrever a discussão a limites bastante reduzidos.
            A proposta dessa breve reflexão, portanto, será abordar o Cristianismo a partir do pensamento de dois importantes filósofos que, ao longo de suas obras, dispensaram especial atenção ao tema: o dinamarquês Søren Kierkegaard e o alemão Friedrich Nietzsche. Para isso, será feita, inicialmente, uma apresentação panorâmica de cada autor, procurando-se salientar a relação de cada um com a religião cristã; em seguida, um diálogo entre suas principais ideias, bem como análise de seus pressupostos; e, por fim, uma conclusão crítica, onde se buscará analisar até que ponto os autores lograram – ou não – êxito em seus projetos filosóficos.

          A mosca varejeira de Copenhagen:

            “O presente autor de nenhum modo é um filósofo” (KIERKEGAARD, 1979, p. 110) [1]. A irônica frase de Johannes de Silentio – heterônimo de Kierkegaard em seu belíssimo Temor e Tremor – revela bastante do pensamento do dinamarquês e, especialmente, do contexto histórico-filosófico no qual está inserido.
            Obviamente, a filosofia a que Johannes de Silentio se refere quando nega ser um filósofo não é qualquer filosofia, mas um tipo específico: aquela que se constrói nos moldes da sistematização da filosofia moderna. “Kierkegaard tinha uma aversão por todo tratamento sistemático de temas teológicos ou filosóficos e desdenhava todas as tentativas de formar um ‘sistema’ fechado, completo e auto-contido (GOUVÊA, 2006, p. 21) [2]. Para ele, Hegel – ícone da modernidade a quem dirige boa parte de suas críticas – podia até interpretar a vida; o problema, no entanto, seria vivê-la (Cf. Ibidem, p. 44). Sobre isso, ainda com a ironia que lhe é peculiar, Kierkegaard comenta o seguinte:

“Um pensador ergue um grande edifício, um sistema, um sistema que abrange o todo da existência, história do mundo, etc., e se sua vida pessoal é considerada, para nosso espanto faz-se a descoberta assustadora e burlesca de que ele mesmo não vive pessoalmente neste grande e abobodado palácio, mas numa cabana ao lado, ou numa casa de cachorro, ou na melhor das hipóteses, na guarita do porteiro” (KIERKEGAARD apud GOUVÊA, Op. Cit., p. 89).

            Essa forte rejeição por sistemas de pensamento, somada à ênfase existencial da filosofia kierkegaardiana, fez com que, não raras vezes, o nome de Kierkegaard estivesse associado ao existencialismo, chegando mesmo a ser-lhe atribuído sua paternidade. Entretanto, uma análise – mesmo superficial – do pensamento do dinamarquês mostra ser esse ponto de vista um equívoco. Segundo Gouvêa,

“quando Kierkegaard usa a palavra ‘existencial’ ou ‘verdade existencial’ ele não tem um sistema filosófico em mente, muito menos um que foi pensado depois de sua morte. Ele não se referia a uma compreensão fenomenista da realidade e não buscava uma renovação da questão do ser. Ele também não se referia a um ato sartreano de auto-apropriação em face da absoluta nulidade e falta de sentido que permeia a realidade. Mas a que se referia Kierkegaard, então, quando insistia no caráter existencial da verdade? Ele se referia, acima de tudo, à síntese do temporal e do eterno que ele detectava no ser humano. Para Kierkegaard, a existência não é redutível a antropologias materialistas ou naturalistas nem a abstrações idealistas. Por existencial, Kierkegaard se referia ao pensamento que não esquece jamais que aquele que pensa é um ser humano existente, contrariamente a um idealismo abstrato e especulativo. Ele queria dizer, com o termo ‘existencial’, viver e pensar subjetivamente contra a mera observação objetiva da realidade (que pode ser boa para as ciências naturais, mas não para as humanidades, a ética e a religião). Ele queria dizer introspecção e seriedade, e existência Coram Deo [3]” (GOUVÊA, Op. Cit., p. 93).

            Assim, ainda que se tente explicar a diferenciação entre o pensamento de Kierkegaard e o dos existencialistas, considerando este último como uma espécie de secularização do primeiro, o que se alcança é, no máximo, um eufemismo. “Na verdade, Heidegger e Sartre ignoraram o único e singular propósito de toda a obra de Kierkegaard: esclarecer conceitos cristãos e mostrar como alguém realmente pode tornar-se cristão” (Ibidem, p. 91).
            Portanto, sabendo-se também que, ao longo de toda sua vida e de sua obra, Kierkegaard travou um forte embate contra a cristandade, cabe aqui esclarecer essa aparente contradição. Para isso, será necessário compreender o que ele – precisamente – entende por cristianismo e cristandade.
            Quando, no interior da polêmica do panfleto O Momento – que ficou conhecida como Kirkekamp –, Kierkegaard chega a afirmar – de maneira hiperbólica – que o cristianismo não existe mais, ele está se referindo expressamente ao cristianismo do Novo Testamento. “Para Kierkegaard, a religião que a Igreja Estatal da Dinamarca de seu tempo sustentava e pregava não era o cristianismo do Novo Testamento, e as pessoas em geral não pareciam percebê-lo e continuavam a considerar-se cristãs” (Ibidem, p. 122). É nesse sentido, portanto, que ele irá afirmar que a cristandade é “uma fantástica miragem, uma máscara, uma palhaçada, abrigo de todas as alucinações” (KIERKEGAARD apud ALMEIDA, 2007, p 11) [4].
            Dessa forma, fica claro que a intenção de Kierkegaard nunca foi rejeitar os dogmas essenciais da religião cristã recebidos tanto pelos primeiros pais da Igreja, quanto, posteriormente, pelos reformadores. No seu entendimento, não eram os dogmas o problema da igreja, mas os cristãos. “A doutrina da Igreja estabelecida e sua organização são muito boas. Mas as vidas, nossas vidas – acredite-me estas é que são medíocres” (KIERKEGAARD apud GOUVÊA, Op. Cit., p. 124), afirmou o dinamarquês.

A morte de Deus:

“De fato, nós filósofos e ‘espíritos livres’ sentimo-nos, à notícia de que ‘o velho Deus está morto’, como que iluminados pelos raios de uma nova aurora; nosso coração transborda de gratidão, assombro, pressentimento, expectativa – eis que enfim o horizonte nos aparece livre outra vez, posto mesmo que não esteja claro, enfim podemos lançar outra vez ao largo nossos navios, navegar a todo perigo, toda ousadia do conhecedor é outra vez permitida, o mar, o nosso mar, está outra vez aberto, talvez nunca dantes houve tanto ‘mar aberto’” (NIETZSCHE,2001, p. 233-234) [5].

            Dentre as diversas polêmicas geradas a partir do pensamento do filósofo alemão Friedrich Nietzsche, sua afirmação da morte de Deus, certamente, figura entre as maiores. Essa forte declaração, entretanto, para ser mais adequadamente compreendida deve ser analisada à luz de seu contexto.
            Que o corpus nietzscheano apresenta um caráter eminentemente anticristão não resta muita dúvida. Partindo do pressuposto de que o mundo só se justifica como fenômeno estético, Nietzsche compreende-o como resultado de uma tensão constante entre o apolíneo e o dionisíaco – impulsos artísticos da natureza –, que não só configura o real, como confere a ele seu elemento de criatividade. Com isso, o que o mundo é passa a ser sempre resultado de um eterno processo criativo de formas. Nesse sentido, o que Nietzsche percebeu foi que “à medida que o cristianismo alija de si a experiência do devir em nome de um plano metaempírico e ahistórico, seu pensamento contradiz estruturalmente o cristianismo, o que lhe fez reconhecer o conceito de dionisíaco como essencialmente anticristão (Cf. CABRAL, 2010, p. 2) [6].
            Para o filósofo alemão, o fortalecimento da metafísica nas mais variadas matizes da cultura ocidental se deu através do cristianismo. Se com Sócrates e Platão teria nascido “aquela inabalável fé de que o pensar, pelo fio condutor da causalidade, atinge até os abismos mais profundos do ser e que o pensar está em condições, não só de conhecê-lo, mas inclusive de corrigi-lo” (NIETZSCHE apud CABRAL, Op. Cit, p. 2), é no cristianismo que essa estratégia metafísica de anulação ontológica inerente ao princípio estruturador do mundo se fortalece e se dissemina.
            Entretanto, há de se perceber que também em Nietzsche há uma distinção entre a pessoa de Jesus e o cristianismo histórico que não pode ser negligenciada. Fica claro em O Anticristo, por exemplo, que, apesar de tanto Jesus quanto o cristianismo serem classificados como décadent, a figura de Jesus não se coaduna com o cristo dos cristãos (Cf. CABRAL, Op. Cit, p. 3).
            Ao contrário do que tentou propor Ernest Renan, Nietzsche não vê Jesus como gênio ou herói, mas como idiota.

“No lugar do herói e do gênio, Nietzsche põe a modalidade da idiotia para caracterizar fisiologicamente Jesus. Termo retirado da obra O Idiota de Dostoiévski, a idiotia não deve ser compreendida como adjetivo detrator de Jesus. O que Nietzsche entende por idiotia relaciona-se intimamente com o termo grego idiotés, cujo significado foi assumido no alemão erudito do século XVIII, a saber, “o leigo, desprovido de refinamento científico ou artístico, mas também o indivíduo 'original', alheio à realidade prosaica dos negócios e afazeres” (GIACÓIA JUNIOR, O. Labirintos da alma, p.73). Se Nietzsche assume a ideia de que Jesus possui originalidade por estar alheio a ‘todo conceito de tempo e lugar, ao que é sólido, instituição, Igreja’, isto não significa que Jesus seja um paradigma superior de vitalidade. A estruturação fisiológica de Jesus diz o contrário. É comparada à ‘doentia excitabilidade do tato’, que recua ante um objeto sólido. A consequência é a fuga de toda solidez do real, produto de um “ódio instintivo à realidade”. A presença do ódio no tipo do Redentor não engendra práticas bélicas de aniquilação da realidade instituída, pois Jesus é “alérgico” às ações combativas que reproduzam o caráter agonístico do real. O ódio à realidade engendra o subterfúgio do mundo ‘interior’. A interioridade surge como sintoma da ‘extrema capacidade de sofrimento e excitação’ (AC/AC, §30)”.  (Ibidem, p. 11).

            E aqui, sofrimento não tem seu significado ligado ao uso corriqueiro da palavra, como, por exemplo, quando se experimenta uma dor causada por uma doença ou, então, a perda de um ente querido. De outro modo, deve ser compreendido ontologicamente. Partindo do conceito de vontade de poder, a dor é entendida como fator inerente à realidade, “gerada pela necessidade de rearticulação da malha vital que caracteriza um singular, a partir da assunção do devir” (Ibidem, p. 11). Assim, a própria dinâmica da existência – caracterizada por Nietzsche como agonística – produz esse sofrer que se expressa nesses processos de dissolução e rearticulação das forças envolvidas na constituição da vontade de poder.
Nesse sentido, a atitude de Jesus diante da vida, em direção ao mundo interior, é compreendida por Nietzsche como uma fuga que busca o abrandamento do desprazer e a conservação de um tipo incapaz de assumir a dinâmica aflitiva da vontade de poder. Em outra palavras, afirma Cabral: “Incapaz de assumir a conflitividade inerente à vontade de poder, o tipo do Redentor encontra prazer em uma vida refugiada em uma interioridade alheia à solidez do real” (Ibidem, p. 12).
            Já o cristianismo, por sua vez, segundo Nietzsche, nasce não de Jesus, mas a partir da atribuição, pelos cristãos, de traços alheios a ele. Se a mensagem de Jesus se concentrava no Reino de Deus como um estado do coração onde já não há mais oposições, o Cristo produzido pelo cristianismo será “o anunciador de uma redenção futura, de um julgamento futuro, de uma promessa de eternidade futura e de uma vingança também futura” (Ibidem, p.13). Dessa forma, tudo o que Jesus teria negado como forma de evitar conflitos, a cristandade assume como cerne da mensagem cristã.

“Jesus não podia querer outra coisa, com a sua morte, senão dar publicamente a mais forte demonstração, a prova de sua doutrina... mas seus discípulos estavam longe de perdoar essa morte – o que teria sido evangélico no mais alto sentido; ou mesmo de oferecer-se para uma morte igual, com meiga e suave tranquilidade no coração... Precisamente o sentimento mais ‘inevangélico’, a vingança, tornou a prevalecer. A questão não podia findar com essa morte: necessitava-se de ‘reparação’, ‘julgamento’ (– e o que pode ser menos evangélico do que ‘reparação’, ‘levar a julgamento’!). Mais uma vez a expectativa popular de um Messias aparece em primeiro plano; enxergou-se um momento histórico: o ‘reino de Deus’ vai julgar seus inimigos... Mas com isso está tudo mal compreendido: o ‘reino de Deus’ como ato final, como promessa! Mas o evangelho fora justamente a presença, a realização, a realidade desse ‘reino de Deus’...” (AC/AC,§40 apud CABRAL, Op. Cit., p. 13).

Aproximações e diferenças:

Como bem nota Karl Jaspers em seu Razão e Existência, a semelhança dos pensamentos de Kierkegaard e Nietzsche é tanto mais característica quando se está na presença de uma aparente diferença essencial entre a fé cristã de um e o acentuado ateísmo de outro. Segundo o filósofo alemão que se debruçou sobre as filosofias de ambos os autores, em uma época em que a reflexão vive de aparência, como se o passado seguisse subsistindo, o desejar e o rejeitar a fé se pertencem mutuamente. Dessa forma, não é de se estranhar que o crente se pareça com o ateu e o incrédulo se assemelhe ao crente: ambos estão situados na mesma dialética (Cf. JASPERS, 1959, p. 28) [7].
Também Gilles Deleuze, da mesma forma, consegue enxergar pontos de contato entre os pensamentos de Kierkegaard e Nietzsche que, a despeito das evidentes disparidades entre um e outro, acabam por aproximá-los mais do que um primeiro olhar superficial poderia sugerir. Para o francês, “uma afirmação de Nietzsche vale também para Kierkegaard: não sou homem, sou dinamite. Eles explodem com a mediação hegeliana e, a propósito deles, fala-se de bom grado em ultrapassamento da filosofia” (DELEUZE apud ALMEIDA, Op. Cit., p. 62).
De fato, ambos os autores dialogam intensamente com a tradição e nela encontram a mola propulsora de suas filosofias. Enquanto Kierkegaard responde ao abstrato idealismo racionalista da modernidade com seu total desprezo pela metafísica ou por questões epistemológicas, deslocando o centro de seu pensamento para a existência, onde a missão primordial do homem é tornar-se cristão, Nietzsche vai ainda mais longe e, abolindo a própria ideia de transcendência – tão cara em Kierkegaard – mergulha no niilismo proveniente de um mundo entendido como resultante da vontade de poder.
A forte ênfase na figura do indivíduo também deve ser destacada como ponto de convergência nas obras dos dois autores.

“Kierkegaard era enfático em que o evangelho não era apenas a comunicação de um dogma, mas primeiro e principalmente uma comunicação de vida. Isto é, a transmissão de uma Wetanschauung e um estilo de vida, a condução de uma nova existência. Verdade cristã não é meramente uma série de doutrinas mas antes e principalmente apoia-se numa correta relação de fé. Mera aceitação intelectual do dogma cristão não é fé mas um tipo de superstição. Nem a fé salvadora é apenas o despertar da alma para a presença penetrante de Deus. Ser um cristão no sentido do Novo Testamento significa que o ser, como indivíduo isolado, relaciona-se pessoalmente com Cristo por meio de uma decisão apaixonada e de coração que é estimulada pelo desespero em face de nossa culpa perante Deus. Se a fé é feita dependente de nossa compreensão da doutrina, então a habilidade de tornar-se cristão depende da diferente capacidade intelectual dos indivíduos, o que é ridículo. O cristianismo se sustenta ou cai pela possibilidade igual de cada um tornar-se cristão pela relação de fé em Jesus Cristo. Assim, uma pessoa não pode simplesmente ter a verdade, mas deve estar na verdade, viver na verdade” (GOUVÊA, Op. Cit., p. 156).

De modo semelhante, ainda que não passe pelo cristianismo ou por qualquer outra ideia de transcendência, também “a ética nietzscheana é uma ética do indivíduo, da necessidade de, cuidando de si mesmo, transvalorar-se e ‘tornar-se si mesmo’, transformar-se em si mesmo” (LAGES, 2010, p. 62) [8]. Ou, nas belas palavras do próprio Nietzsche através de Zaratustra: “E se alguém passa através do fogo pela sua doutrina – que demonstra isso? Mais vale, na verdade, que a nossa doutrina venha do nosso próprio incêndio!” (NIETZSCHE, 1981, p. 106) [9].
Por outro lado, como já deve ter ficado claro até aqui, há também pontos irreconciliáveis em suas filosofias. Esses aspectos, entretanto, para serem adequadamente compreendidos necessitam de uma análise em um nível mais profundo: o dos pressupostos.
Como já visto anteriormente, o mundo nietzscheano surge a partir de uma tensão insolúvel entre o apolíneo e o dionisíaco, responsável não só por dar a ele seu componente de criatividade, como por fazer dele um fenômeno estético. Todavia, se o filósofo holandês Herman Dooyeweerd está correto em sua afirmação de que todo pensamento teórico está sempre alicerçado sobre um fundamento religioso de caráter suprateórico (motivo-base religioso da cultura) [10] que seria o responsável pelo direcionamento do ego pensante, é necessário penetrar nessas raízes mais profundas dos pensamentos de Nietzsche e Kierkegaard.
Segundo Dooyeweerd, a religião grega pré-olímpica da vida e da morte – de onde Nietzsche consegue identificar o conflito apolíneo/dionisíaco que serve de esteira para seu pensamento – acabou por deificar

“o fluxo perene de vida orgânica que se originava da mãe-terra e que não podia se fixar nem ser restrito por alguma forma corporal. Supunha-se que desse fluxo de vida na ordem do tempo, as gerações de seres separavam-se a apareciam em formas corporais individuais. A forma corporal poderia ser mantida apenas à custa de outros seres vivos, sendo a vida de um a morte de outro. Assim, haveria injustiça em qualquer forma fixa de vida que, por essa razão, precisava ser paga com o horrível destino da morte, designada pelo termos gregos de anangke e heimarmenè tuché. Esse é o significado das palavras misteriosas do filósofo jônico da natureza, Anaximandro: ‘A origem divina de todas as coisas é o apeiron (i.e., aquilo que carece de uma forma restritiva). As coisas retornam para aquilo do qual elas se originaram em conformidade com a lei da justiça. Pois elas pagam umas às outras a penalidade e a retribuição por sua injustiça na ordem do tempo” (DOOYEWEERD, 2010, p. 229-230) [11].


Assim,

“o motivo central da religião arcaica da vida e da morte encontrou uma clara expressão na visão filosófica de physis, ou natureza, em Anaximandro. Aqui, ‘natureza’ é o motivo da corrente de vida sem forma, em fluxo perene por meio do processo de vir a ser e desvanecer, o qual pertence a todas as coisas perecíveis que nascem em forma corporal e estão sujeitas à anangke. Esse é o sentido original do motivo grego da matéria, originado de uma deificação do aspecto biótico de nosso horizonte temporal de experiência e que encontrou sua mais espetacular expressão no culto a Dionísio, importado da Trácia” (Ibidem, p. 230).

Nesse sentido, se a tese de Dooyeweerd estiver correta em sua análise dessas raízes mais profundas que sustentam o pensamento grego – do qual Nietzsche é declaradamente grande devedor –, há de se considerar – como queria Heidegger [12]– que sob a filosofia nietzscheana há mais metafísica do que o próprio Nietzsche gostaria de admitir.
Kierkagaard, por sua vez, de modo totalmente diverso de Nietzsche, não parece apresentar nenhum problema em afirmar sua heteronomia em relação a Deus. Na verdade, conforme bem ressalta Gouvêa, melhor do que o termo heteronomia para se referir aos fundamentos da filosofia kierkegaardiana, seria a ideia de uma “cosmonomia[13] divinamente sancionada” (GOUVÊA, Op. Cit., p. 222). Isso porque

“como a ética cristã é baseada no nomos do Criador, a ética bíblica não é heteronomia pois não é heteroios em relação a alguém que vive coram Deo. Ética bíblica é a exposição e elucidação dos nomiomata revelacionais, isto é, o nomos ético-cósmico em contraste com a anomia pecado, rebelião e idolatria. Estes nomiomata da ética bíblica são a base para o que Kierkegaard afirma sobre o homem que conheceu o Deus vivo: que ‘ele determina sua relação com o universal por sua relação com o absoluto, não sua relação com o absoluto por sua relação com o universal’” (GOUVÊA, 2009, p. 234) [14].

Dessa forma, o que fica bastante evidente ao longo de toda a obra kierkegaardiana – e que se configura como principal ponto de divergência em relação a Nietzsche – é, justamente, este esforço constante do dinamarquês em rejeitar toda e qualquer possibilidade de autonomia humana. Em Kierkegaard, assim como em Nietzsche, o indivíduo é relação, mas não uma relação de forças cegas que atiram o mundo no nada. Pelo contrário:

“O eu é a síntese consciente de infinito e de finito em relação com ela própria, o que não se pode fazer senão contatando com Deus. Mas tornar-se si próprio, é tornar-se concreto, coisa irrealizável no finito ou no infinito, visto o concreto em questão ser uma síntese. A evolução consiste pois em afastar-se indefinidamente de si próprio, numa ‘infinitização’. Pelo contrário, o eu que não se torna ele próprio permanece, saiba-o ou não, desesperado” (KIERKEGAARD, 1979, p. 208) [15].

Assim, se em Nietzsche a verdadeira liberdade e concretização do eu se dá com a morte de Deus e suas implicações aqui já analisadas, em Kierkegaard a realização do indivíduo – do qual Abraão, enquanto pai da fé, é o exemplo maior – só é possível numa existência Coram Deo.

          Conclusão:

            Apesar de chegarem a destinos bastante distintos em suas filosofias, não se pode negar a amplitude da semelhança existente entre os pensamentos de Friedrich Nietzsche e Søren Kierkegaard. O zelo incansável com que cada um tratou a questão do cristianismo, ironicamente, parece ter feito mais pela religião cristã do que qualquer sacerdote ou membro de igreja poderia fazê-lo.
            Se os pressupostos de onde partiu cada um, obviamente, os conduziram a lugares filosóficos divergentes e até mesmo irreconciliáveis, o que deve ser ressaltado, entretanto, é a mensagem que os une, a saber: a busca pela realização do indivíduo na concretude da existência.
            Ainda que Kierkegaard atribua a Deus a instituição do mundo e tenha a fé como sua relação primordial com a existência, é oportuno salientar que, também para o dinamarquês, a vida é agonística. Se em Nietzsche o conflito que coloca a realidade se dá na origem – com Apolo e Dionísio –, em Kierkegaard a condição pecaminosa do homem lança-o ao paradoxo, fazendo com que a realidade seja essencialmente contraditória.
            A grande e decisiva diferença de suas filosofias, segundo o ponto de vista aqui expresso, fica por conta da solução apontada por cada um dos filósofos diante desse quadro de um mundo agonizante. Enquanto Nietzsche mergulha de cabeça no desespero niilista de uma existência sem Deus, o melancólico Kierkegaard, assumindo sua fraqueza, encontra abrigo, pela fé, na presença do Criador, possibilitando-lhe não o fim do conflito, mas a força existencial necessária para enfrentá-lo.
            Certa vez, em seu diário, refletindo sobre sua vocação na vida e o rompimento com a vida estética que levava e com o pensamento hegeliano que ate então imperava, o jovem Kierkegaard, aos 22 anos, escreve o seguinte:

“[...] aqui eu me posto em frente a um grande ponto de interrogação [...] eu me interesso por demasiadas coisas, e não decisivamente por alguma... o que realmente preciso é ter claro o que devo fazer; não o que devo saber. O que importa é encontrar uma finalidade, ver o que Deus realmente quer que eu faça; a coisa crucial é encontrar uma verdade que seja verdade para mim, encontrar a idéia pela qual eu esteja disposto a viver e a morrer” (KIERKEGAARD apud GOUVÊA, 2006, p. 43).

            Já Nietzsche, obviamente em outro tom, mas com significado não muito distante do expresso por Kierkegaard, usa a boca de Zaratustra para afirmar esta que, certamente, consta entre as mais belas declarações já tiradas de sua pena:

“Mas o pior inimigo que podes encontrar serás sempre tu mesmo; tu mesmo estás à tua espreita em cavernas e florestas. Solitário, percorres o caminho no rumo de ti mesmo! E teu caminho passa por ti mesmo e pelos teus sete demônios! Herege, serás para ti mesmo, e feiticeiro e vidente e doido e céptico e ímpio e celerado. Arder nas tuas próprias chamas, deverás querer; como pretenderias renovar-se se antes não te tornasses cinza!” (NIETZSCHE, Op. Cit., p. 79).

Assim – a despeito do que tentou mostrar Hannah Arendt[16] quando afirmou permanecerem os dois filósofos ainda atados à tradição em suas críticas –,fica evidente que tanto o dinamarquês quanto o alemão cumpriram seu papel naquilo que se propuseram, seja através da melancolia piedosa de Kierkegaard ou da acalorada busca existencial de Nietzsche.
Certamente, o tipo de caminho que um e outro escolheu trilhar dentro da filosofia, chegando mesmo a tornar difícil uma acurada distinção entre seus pensamentos teóricos e suas próprias experiências no chão da vida, definitivamente, não está aberto a refutações. Afinal, a existência – como bem lembra Dooyeweerd [17] – não é teoria para que seja colocada em xeque, muito menos julgada a partir de pressupostos já previamente rejeitados. Apenas uma boa dose de tolice poderia mover alguém a embrenhar-se nesse caminho.

Bibliografia:

- ALMEIDA, Jorge Miranda de; VALLS, Álvaro L. M.. Kierkegaard. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2007. (Coleção passo-a-passo).
- ARENDT, Hannah. A tradição e a época moderna. In: Entre o passado e o futuro. São Paulo: Perspectiva, 2009.
- CABRAL, Alexandre M.. Nietzsche e a onto-teo-logia: uma polêmica heideggeriana. Revista Trágica: estudos sobre Nietzsche. 2º semestre de 2011 – Vol. 4, nº 2, pp. 01-17
- ___________________. Nietzsche e a semântica da vontade de poder. Revista Trágica: Estudos sobre Nietzsche – 1º semestre de 2009 – Vol.2 – nº1 – pp.20-37
-___________________. O Jesus de Nietzsche: a ambiguidade de uma polêmica. Revista Trágica: estudos sobre Nietzsche – 1º semestre 2010 – Vol.3 – nº1 – pp. 01-20
- CARVALHO, G. V. R. (Org.); LEITE, Cláudio A. C. (Org.); CUNHA, M. J. S. (Org.). Cosmovisão Cristã e Transformação: Espiritualidade, Razão e Ordem Social. Viçosa: Ultimato, 2006.
- DOOYEWEERD, Herman. No crepúsculo do pensamento ocidental. [Tradução: Guilherme Vilela Ribeiro de Carvalho, Rodolfo Amorim Carlos] – São Paulo: Hagnos, 2010.
- GOUVÊA, Ricardo Q.. A Paixão pelo Paradoxo. São Paulo, SP: Fonte Editorial, 2006.
- ___________________. A Palavra e o Silêncio. São Paulo, SP: Fonte Editorial, 2009.
- JASPERS, Karl. Razon y Existencia. Buenos Aires: Editorial Nova, 1959.
- KIERKEGAARD, Søren. O desespero humano. In: Os pensadores. [Tradução: Adolfo Casais Monteiro] – São Paulo: Abril Cultural, 1979.
- ____________________. Temor e Tremor. In: Os pensadores. [Tradução: Maria José Marinho] – São Paulo: Abril Cultural, 1979.
- LAGES, Lucas N.R.M.V.. O demônio de Nietzsche: Niilismo, Eterno Retorno e Ética do cuidado de si. 2010. 71f. Dissertação (Mestrado em Ética e Epistemologia) – Centro de Ciência Humanas e Letras, Universidade Federal do Piauí, Teresina. 2010.
- NIETZSCHE, Friedrich. A Gaia Ciência. [Trad. Paulo César de Souza] – São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
- ___________________. Assim falou Zaratustra. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1981.




[1] KIERKEGAARD, Søren. Temor e Tremor. In: Os pensadores. [Tradução: Maria José Marinho] – São Paulo: Abril Cultural, 1979.
[2] GOUVÊA, Ricardo Q.. A Paixão pelo Paradoxo. São Paulo, SP: Fonte Editorial, 2006.

[3] Para Kierkegaard, a figura de Abraão subindo o monte Moriá para o sacrifício de seu filho Isaque por ordem de Deus é o protótipo do indivíduo Coram Deo, i.e., o indivíduo isolado perante Deus.
[4] ALMEIDA, Jorge Miranda de; VALLS, Álvaro L. M.. Kierkegaard. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2007. (Coleção passo-a-passo).
[5] NIETZSCHE, Friedrich. A Gaia Ciência. [Trad. Paulo César de Souza] –  São Paulo: Companhia das Letras, 2001.

[6] CABRAL, Alexandre M.. O Jesus de Nietzsche: a ambiguidade de uma polêmica. Revista Trágica: estudos sobre Nietzsche – 1º semestre 2010 – Vol.3 – nº1 – pp. 01-20

[7] JASPERS, Karl. Razon y Existencia. Buenos Aires: Editorial Nova, 1959.

[8] LAGES, Lucas N.R.M.V.. O demônio de Nietzsche: Niilismo, Eterno Retorno e Ética do cuidado de si. 2010. 71f. Dissertação (Mestrado em Ética e Epistemologia) – Centro de Ciência Humanas e Letras, Universidade Federal do Piauí, Teresina. 2010.

[9] NIETZSCHE, Friedrich. Assim falou Zaratustra. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1981.

[10] Para Dooyeweerd, “o princípio motivador e controlador de uma cultura não é, primariamente, a política, a economia, ou as idéias, mas a religião. Cada comunidade espiritual é unida por um espírito comum, [...] que controla ativamente a vida dessa comunidade. Dooyeweerd chamou esse poder de motivo–base religioso (religious ground-motive) da cultura. Os motivos-bases são as forças motivadoras que dominaram o desenvolvimento da cultura, da ciência e da filosofia ocidental. Cada um deles estabeleceu uma comunidade espiritual entre aqueles que o iniciaram, e permaneceu oculto como o princípio espiritual subjacente de toda a produção cultural. Nesse sentido, os pensadores ocidentais muitas vezes foram dominados por um determinado motivo-base sem nem mesmo terem consciência disso; na verdade, o sentido religioso dos motivos-bases está além do alcance desses pensadores justamente porque toda explicação histórica, em si mesma, pressupõe um ponto de partida central e suprateórico que é dado por um motivo-base religioso” (Cf. CARVALHO, G. V. R. . 2006, p. 125).
[11] DOOYEWEERD, Herman. No crepúsculo do pensamento ocidental. [Tradução: Guilherme Vilela Ribeiro de Carvalho, Rodolfo Amorim Carlos] – São Paulo: Hagnos, 2010.
[12] Segundo Heidegger, “mesmo que um pensamento seja considerado ateu, se ele não põe em jogo a diferença irredutível entre ser e ente, ele caracteriza-se por ser onto-teo-lógico. Este seria justamente o caso de Nietzsche” (CABRAL, 2011, p. 10).

[13] Baseado na interpretação calvinista da soberania de Deus sobre todas as coisas, esse conceito utilizado por Dooyeweerd indica que o cosmos teria imprimido nele um conjunto de leis divinas que regeriam cada aspecto da realidade temporal. Assim, para Dooyeweerd, há um conjunto de  leis divinas que deveriam reger a política, a economia, a sociedade, a ética, a biologia, a física, etc. Toda essa diversidade modal de leis, entretanto, “está relacionada à unidade central da lei divina, ou seja, o mandamento de amar a Deus e ao nosso próximo” (DOOYEWEERD, Op. Cit., p. 56).

[14] GOUVÊA, Ricardo Q.. A Palavra e o Silêncio. São Paulo, SP: Fonte Editorial, 2009.
[15]KIERKEGAARD, Søren. O desespero humano. In: Os pensadores. [Tradução: Adolfo Casais Monteiro] – São Paulo: Abril Cultural, 1979.

[16] Cf. ARENDT, Hannah. A tradição e a época moderna. In: Entre o passado e o futuro. São Paulo: Perspectiva, 2009.

[17] Cf. DOOYEWEERD, Op. Cit. p. 67