A boca fala do que o coração tá cheio

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Dieta Eleitoral

Nessas eleições, meu voto foi de silêncio. Não que não tivesse uma série de opiniões muito inteligentes prontas para despejar em cima dos menos esclarecidos. Tinha, e muitas! Mas - confesso -, já não tenho acreditado tanto assim em minhas opiniões. Tem-me faltado - desculpe a expressão - o saco devido para defendê-las. Como Jaiminho, o carteiro do Chaves, tenho preferido evitar a fadiga e não emprestar mais a elas tanta energia quanto já emprestara em outros momentos. Aliás, diante do quadro político periclitante, nunca antes visto na história desse país, não diria que tem sido lá um esforço tão pesado.
Todavia, se nada falei, muito observei. E - não posso negar - muito me assustei. Mantendo certo distanciamento, pude perceber com uma clareza muito límpida que o sistema eleitoral brasileiro não é apenas algo muito perverso de um ponto de vista ético e político. Ele é diabólico. E não se enganem. Não digo isso com nenhuma conotação mística. Falo de um ponto de vista bem pouco metafísico, levando em consideração apenas o significado mais radical que se pode extrair do vocábulo grego diabolos: aquele que divide, que separa, o caluniador.
Como expectador, conscientemente alienado de todo esse pathos eleitoreiro e daquilo que o alimenta, tive a oportunidade de assistir de camarote o espetáculo mais bizarro da Terra: o espetáculo de nós mesmos! Iludidos e ludibriados por nossa própria arrogância e insensatez, disfarçadas em vestes ideológicas, enredamo-nos num jogo estruturalmente sórdido e servimos de mola mestra não apenas para a manutenção de um sistema político antipolítico, mas, antes de tudo, para a conservação de uma maneira nada saudável de enxergar a vida e suas relações. Uma maneira, diga-se de passagem, biofóbica!
Mas, também, creio que, pela primeira vez, pude compreender um pouco mais profundamente a resposta de Jesus àqueles que, querendo testá-lo questionaram-no à respeito do pagamento de impostos, colocando em xeque o tipo de relação que se deve ter para com as estruturas desse mundo que operam sob suas leis cármicas. Dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus nunca teve nada a ver com uma visão fragmentada de mundo, onde se privilegia o aspecto sagrado da realidade em detrimento de um suposto mundo profano. Cristos - ou Budas - não conhecem essa divisão, são seres integrados e realizados. Porém, não se pode negar que aquele que conhece o Reino de Deus e em sua lei é iniciado - a lei do Amor -, dificilmente, dispor-se-á novamente a entrar em qualquer espécie de questão com César. Não faz mais sentido. César que brinque sozinho de ser rei! Afinal, o filho do Amor sabe que, por mais cruéis que possam ser as leis do Império, nenhuma delas jamais será capaz de subjugar o ser que, na consciência crística, encontrou sua inabalável liberdade.
Portanto, penso que o que o mestre diz, em outras palavras é o seguinte: concentrem suas energias no que vale à pena, no que é elevado. Uma vez mais, sem espiritualismos! Não posso compartilhar de nenhuma concepção que aborde a realidade de maneira fugidia, induzindo-nos a abandonar ou domar nossas paixões. Sou filho do fogo e creio que paixão tem mais é que queimar! Porém, vale lembrar que nelas habita tanto o poder da vida quanto da morte. Por isso, não pouco importante é aprender a direcioná-las para que, de maneira saudável, possam nos conduzir não para a destruição e morte do ser, mas para renovação e vida eterna. Os frutos continuam sendo a evidência imbatível que nos revela se estamos ou não trilhando o caminho da paz e da bem aventurança.
Assim, em termos bem práticos, senti que essa dieta eleitoral fez-me um bem danado. Votei em quem quis votar, sem ter que me defender e justificar de nada; diverti-me o quanto pude com nossa incurável capacidade de criar argumentos - dos mais toscos aos mais sofisticados - que, de alguma forma, legitimam e justificam crenças que, evidentemente, têm origem em regiões muito mais profundas, onde nossa limitada razão jamais chegará; e, acima de tudo, consegui poupar a mim e aos outros da porção de medo que em mim habita e que, pelo menos dessa vez, não conseguiu acordar para vestir-se de ódio ideológico e botar seu bloco na rua. Acho que, finalmente, estou aprendendo um pouquinho de subversão...

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