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sábado, 27 de abril de 2013

Carta a uma professora de educação II


Professora,

Embora ainda não tenha um feedback do último trabalho (nem dos e-mails que envio), resolvi continuar com esse formato mais pessoal. Acho que flui melhor e faz com que eu me sinta menos babaca do que quando sou forçado a ficar floreando o que quero dizer. Espero, mais uma vez, que não se importe.

Dessa vez “escolhi” fazer sobre o documentário Pro Dia Nascer Feliz, de João Jardim. As aspas fazem menção ao fato de, obviamente, não haver, de fato, uma escolha real. Se este fosse o caso, minha escolha seria, certamente, não fazer avaliação alguma nesse momento em que – como informei à senhora via mensagem no ambiente de educação à distância – minha mãe encontra-se internada e, por conta disso, estou bastante sobrecarregado. Mas, como a indústria não pode parar, cá estou eu obedientemente cumprindo meu dever, sem o qual seria considerado despreparado para o exercício do ofício de educador. Vai entender!

 Passemos, então, ao documentário.

O filme é, certamente, um bom retrato da realidade escolar brasileira. O diretor, ao optar pela heterogeneidade – tanto cultural, quanto social – dos casos apresentados, acaba por nos revelar que essa heterogeneidade, na realidade, não é tão heterogênea assim, ainda que guarde suas peculiaridades.

Seja no interior de Pernambuco, em São Paulo, Duque de Caxias ou no Rio de Janeiro, na escola pública ou na particular frequentada pelos filhos da elite, a escola, no final das contas, é sempre uma instituição fria, que não dialoga com os alunos e, de forma mais ampla, com a realidade.

Em todos os casos, as cenas das aulas são hilárias e me fizeram lembrar muito meu tempo de colégio. Engabelação pura! Uma fraude coletiva entre professores, pais, alunos e a sociedade dormente. Com um único porém: a responsabilidade pelo fracasso quase sempre recai sobre o aluno. É sempre ele o desinteressado ou o que tem problemas em casa, dificuldades de cognição, problemas sociais, etc. Raríssimas vezes o modelo é questionado, como foi feito pela diretora da última escola que afirmou não acreditar mais na escola da forma que ela existe e que ela precisa ser repensada, já que o que temos é uma escola do século passado.

Fazendo uma analogia ao documentário de João Moreira Salles, misturando ainda com o filme Tropa de Elite II, Pro Dia Nascer Feliz poderia facilmente se chamar Notícias de uma Guerra Particular II: O inimigo agora é outro. É de fato impressionante a semelhança entre os dois documentários. A única diferença é que ao invés de serem policiais e traficantes se digladiando numa guerra produzida por gente que se alimenta dela, temos, na escola, educadores e alunos perdidos nesse jogo de transferência de responsabilidades, enquanto o sistema – essa articulação de interesses escrotos, nas palavras do Coronel Nascimento – vai bem, obrigado.

O mais triste, porém – e o que sempre me chama mais a atenção em qualquer debate sobre educação –, é a infeliz crença da maior parte dos alunos de que a escola é necessária e que os fará “melhorar de vida”. Essa visão da educação formal como redentora do homem – confesso – é algo que embrulha meu estômago. Como se o mundo tivesse sido criado no século XVIII...

Analisando de forma mais particular os casos apresentados no filme, gostaria de chamar atenção para dois adolescentes.

O Deividson – aluno problema –, da escola pública de Duque de Caxias, é, para mim, a pessoa mais lúcida de todo o documentário e, se me for permitido aumentar a abrangência, da maior parte dos debates sobre educação que ouço tanto dentro da universidade, quanto fora dela. Parece-me ser, de fato, o único que entendeu o que é a escola: uma piada. E, por isso, ri dela e vai aproveitando o que de bom pode tirar dali: a banda. Aquilo que ele encontra prazer de fazer e que, misteriosamente, enquanto faz, não fica “dando alteração”, como é seu costume fazer nas aulas responsáveis por “prover-lhe um futuro”.

O outro exemplo – bem marcante, inclusive – ficou por conta da menina do colégio particular de São Paulo que estava pendurada de recuperação. Para mim, aquilo ali é o retrato mais fiel do que é a educação e do que, obviamente, ela não pode ser: um descolamento total da vida. Uma escola que não só ignora os dilemas existenciais de seus alunos, como os atropela em função de questões mercadológicas, “vestibuláricas”, pedagógicas, ou seja lá de que natureza for, não só falha em seu teórico papel social, como, a meu ver, constitui-se numa instituição criminosa. Falar de prova, de resultado ou qualquer outro tipo de medição pessoal tacanha para um adolescente que tem questões legítimas sobre a morte, por exemplo, como era o caso da menina, não é só uma insensibilidade pueril: é muita sacanagem!

Assim, o documentário serviu para reforçar em mim a certeza de que a universidade – essa grande escola sem inspetor – dificilmente será capaz de contribuir com alguma mudança significativa na realidade da educação brasileira enquanto continuar a reproduzir o modelo de educação vigente nas escolas. Criticamos a escola, dizendo que a educação é voltada para o mercado, mas a maior parte de nós, universitários (e professores) debatedores de aulas de educação, estabelecemos a mesma relação com a educação: no fundo, sabe como é, né, a gente precisa sobreviver. Portanto, penso que enquanto o homem não aprender o real significado da palavra sustentabilidade, toda discussão deveria ser suspensa. Isso, é claro, se não quisermos nos tornar ridículos.

Um beijo!

Rodrigo.


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