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quinta-feira, 18 de abril de 2013

Carta a uma professora de educação



Professora,

Diante do ambiente de franqueza que se deu na última aula, resolvi escrever esse trabalho em forma de carta. Assim, me sinto mais a vontade para colocar o que penso, sem ter que ficar preso às formalidades de textos acadêmicos, que – até onde posso perceber – têm como função principal proteger o autor através dos incontáveis recursos de argumentação retórica. Creio que só se defende quem tem medo, ou quem acredita ter algo a perder.

Assim, sem perder muito tempo, gostaria de, simplesmente, compartilhar com a senhora a patética situação em que me sinto quando tenho que – por força de uma avaliação – ler um texto que não quero. Chego a rir sozinho de mim mesmo. Surgem mil coisas para fazer: pesquisas dos mais variados assuntos na internet, uma fome incontrolável que justifica pausas para inúmeros lanches, leitura de outros livros, cochilos, etc. Enfim, qualquer coisa que me deixe longe da obrigação imposta. Por fim, vendo o prazo aproximar-se, reúno forças do fundo da alma e vou, finalmente, fazer o que não quero, com a velha pergunta na cabeça: por que as coisas têm que ser assim?

Hoje, entretanto, felizmente, apesar do peso de ainda jogar um jogo no qual não acredito, não creio que as coisas – de fato – tenham que ser assim. Sei que podem ser diferentes. Descobri não só que o atual antigo modelo de educação não é uma fatalidade, mas, de outro modo, constitui-se numa opção – e aqui não falo em sentido político, mas individual: onde cada educador escolhe cotidianamente, ao entrar em sala de aula, reproduzir um sistema evidentemente falido –, como, também, que já há gente assumindo suas responsabilidades diante da vida e construindo novas formas de interação com o conhecimento e, especialmente, com o próximo, essa categoria que não cabe em nenhum ambiente bipartido entre professores e alunos que, geralmente, constitui as instituições de ensino, sejam elas escolas ou universidades.

Passemos então ao texto.

Se antes de ler, não queria lê-lo, agora que o li, gostaria menos ainda de tê-lo lido. Pelo menos, do ponto de vista emocional, teria sido uma boa economia.

O texto, que se propõe a falar sobre cognição, inicia-se definindo-a como “a capacidade humana de entender, julgar e interpretar o mundo”. Esse entendimento, por sua vez, estaria referido às “atividades mentais envolvidas na aquisição, processamento, organização e uso do conhecimento”, como afirma o autor logo em seguida. Até aí, nada demais. A surpresa maior ficou por conta do tópico seguinte: desenvolvimento cognitivo do adolescente segundo Piaget.

Ao reduzir, a partir de suas hipóteses, o adolescente a um ser lógico-formal, Piaget acaba por transformá-lo, além de lógico-formal – que já é motivo suficiente de ofensa –, num ser egocêntrico, inexperiente e que encontra sua realização quando progride até a vida adulta, onde, enfim, se depara com o mundo real.
Segundo ele, o adolescente viveria numa espécie ponto de tensão entre o seu idealismo egocêntrico-sonhador-lógico-formal e o mundo real, que seria atingido tendo o trabalho como principal mediador. Obviamente aqui, tanto trabalho, quanto mundo real, apesar de serem colocados como se tivessem uma elevada “densidade ontológica”, apresentam significado, evidentemente, bastante mais restrito.

Assim, ao enxergar o adolescente como esse ser inferior caminhando em direção à iluminação da vida adulta, Piaget consegue ir além e relaciona a incapacidade do adolescente de compreender os absurdos do “mundo real” não com o estado de total fragmentação interna e total desconexão de suas relações fundamentais (alienação da própria vida) em que vive a maior parte dos adultos – correndo de um lado para outro atrás de dinheiro, conhecimento, poder, ou qualquer outra coisa que alimente seus egos, a essa altura da vida já bem desenvolvidos e cristalizados –, mas, sim, uma vez mais, com seu ponto de vista lógico e egocêntrico de apreensão do mundo. Não me lembro a última vez que li algo tão cientificamente babaca. Com o perdão da expressão.

Pascal diz que toda a infelicidade dos homens deriva do fato de nós não conseguirmos permanecer em nossos quartos sozinhos. Quando leio coisas desse tipo, tenho a clara sensação de que se conseguíssemos realizar esse ato da solidão em nosso quarto, não só seríamos mais felizes, como não haveria ciência. Pelo menos não essa esquizofrenia a que chamamos ciência.

Lembrei ainda de Clarice Lispector: “Depois que descobri em mim mesma como é que se pensa, fazendo comigo mesma negociatas, nunca mais pude acreditar no pensamento dos outros”.

Se Piaget soubesse disso, talvez pudesse ver o adolescente não como esse ser de categoria inferior, mas como alguém que, simplesmente, ainda não aprendeu a adulta arte do autoengano. Alguém que olha para a vida e enxerga possibilidades ao invés de acreditar nas próprias cadeias que constrói para si. E por isso sonha e questiona.

“(...) o ponto central do processo de descentração está no ingresso no mundo ocupacional ou início do treinamento profissional. O adolescente torna-se um adulto quando ele assume de fato um trabalho. Este é o momento em que ele se passa de um reformador idealista para um empreendedor. Em outras palavras, o trabalho afasta o pensamento do perigo do formalismo e o traz de volta à realidade (INHELDER e PIAGET, 2003, p.346)”.

Afirmação triste e que – creio – dispensa comentários.

Achei interessante o momento em que – em meio a tantos absurdos – levanta-se a ideia de reciprocidade, respeito mútuo, relações dialógicas e coisas do tipo. Ouvi certa vez, e guardo sempre comigo, a ideia de que diálogo verdadeiro só é possível entre seres humanos, nunca entre papéis sociais. Portanto fica a questão: como falar de respeito, diálogo e reciprocidade em ambientes claramente marcados pela divisão, seja ela social ou dada em qualquer outro nível?

Em outra citação, o texto afirma o seguinte:

“A sociabilidade do adolescente se desenvolve através da interação com outros adolescentes. A interação social dos adolescentes tem como intenção básica a discussão. Quer em dupla, quer em pequenos grupos, o mundo é reconstruído em comum, e o adolescente se perde em discussões infindáveis como um meio de combater o mundo real” (PIAGET apud WADSWORTH, 2003, p.68).

Aqui fiquei na dúvida e tive que voltar e ler de novo. Particularmente, não conheço um adolescente que encontre prazer em discussões infindáveis sobre meios de combater o mundo real. Esse tipo de sofisticação estéril é, sim, a grande marca da academia, da política ou de qualquer outra instituição que acredita ser possível mudar o mundo sem mudar o ser. Os adolescentes, não. Parecem-me seres bem mais simples: encontram prazer na praia, no rolé de skate e no fazer nada.

O tópico seguinte, que aborda o desenvolvimento cognitivo na adolescência a partir da teoria histórico-cultural, é, certamente, bem menos agressivo e opressor que o primeiro, mas, como o próprio nome já revela, apenas mais uma redução: agora não mais lógico-formal, mas histórico-cultural.

Dessa maneira, esse enfoque irá privilegiar “o contexto do sujeito na aprendizagem e a materialidade do mundo que o cerca”. Segundo Vygotsky, é na objetividade deste mundo que as experiências se realizam e adquirem significados. Se a “objetividade deste mundo” não estivesse circunscrita apenas aos aspectos sócio-histórico-culturais da realidade até que poderíamos ter algo interessante.

Logo de início, a frase “Hoje se espera que os candidatos à humanidade desenvolvam habilidades como usar o computador, dirigir, usar celular, etc.” gerou em mim a curiosidade de saber quem – ou o quê – seriam esses candidatos à humanidade. Com todo o desgaste emocional da leitura da primeira parte, resolvi ignorar.

Apesar de, aparentemente, ter a intenção de romper com a concepção adultocêntrica, essa outra abordagem permanece ainda bastante presa a ela na medida em que eleva a formação de conceitos ao patamar daquilo do que há de mais elevado em termos de apreensão do mundo. Chega-se, inclusive, a ser feita a engraçada afirmação de que “as funções mentais superiores – percepção, atenção seletiva, memória mediada, pensamento, linguagem e imaginação – que têm por finalidade o desenvolvimento do pensamento ao se integrarem na formação de conceitos, obedecem à lei genética geral do desenvolvimento cultural”. À título de brincadeira, até serve para dar uma descontraída, mas se for levada a sério, fica difícil de engolir.

O interessante de perceber é que tanto a primeira teoria quanto esta têm em comum a concepção – velada, obviamente – do homem como um ser fragmentado. Enquanto na primeira essa fragmentação se revela no processo de construção de conformidades e autoenganos que o autor chama de adaptação ao mundo real, aqui, nesta, a condição humana é dividida entre autor e personagem da cultura, que, teoricamente, convivem em um paradoxo harmonioso. Ora, basta estar vivo para saber que o eu (autor) não pode coexistir numa dialética tão amigável assim com o ego (personagem da cultura). Não acredito na realidade (ontológica) do ego. E realidade, obviamente, no sentido de que ele tenha existência própria, afirmativa e criativa. Penso o ego muito mais como negação, como separação, reação, afastamento e usurpação do eu. Por isso, creio que a teoria faça o caminho justamente contrário ao sugerir que o desenvolvimento cognitivo na adolescência está associado à formação de pensamentos e conceitos. Na medida em que a formação de conceitos é característica de um tipo de pensamento altamente fragmentado, o que há na adolescência, de forma geral, não é um desenvolvimento cognitivo, mas – antes – um processo de fragmentação do eu e engorda do ego. Este sim, alimentado por conceitos. O desenvolvimento cognitivo verdadeiro, por seu lado, é solapado pela escola.

O resultado, como todos nós podemos comprovar, somos nós mesmos: os incríveis adultos! Que tudo sabem, são mestres, professores, ensinadores dos mais variados tipos e que, salvo raríssimas exceções, não conseguem dar conta nem de suas próprias existências. Outro dia conversando com um amigo sobre isso, dizendo a ele mais ou menos essas mesmas coisas, ele me disse:

“ – É mesmo. Eu lembro que quando era criança, sempre ficava me perguntando porque eu tinha que obedecer aos adultos, porque sempre tinha uma porção de adulto me dando uma porção de ordem, me dizendo o que fazer, como fazer e eu olhava pra vida deles, e a vida deles era igual a de todo mundo: uma merda! Cheia de problema, sofrimento, incoerência... nunca entendi”.

Então, independente de teoria A, B ou C, penso que nunca chegaremos a um lugar satisfatório na questão da educação, enquanto não adotarmos como pressuposto a radical igualdade entre os seres humanos. Além disso, penso que, muito dificilmente, sairá alguma solução para a questão da educação dos debates estéreis e vaidosos de que tanto se orgulha a academia. Aliás, não sei nem se creio em solução para a educação. Uma coisa, porém, eu acredito que possa mudar: eu mesmo. O que passar disso, pelo menos no meu entender, é verborragia acadêmica sustentada por autoengano.

Espero que não fique chateada com o meu ponto de vista. Mas, realmente, é o que penso. E me sentiria muito mal em escrever qualquer outra coisa.

Beijo,

Rodrigo.






4 comentários:

  1. Rodrigo quero somente agradecer por te conhecer e declarar que às vezes sinto vontade de ter escrito um texto como esse!Bjks

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  2. Rodrigo, mandou super bem. Agora vou ali citá-lo em meu texto próximo texto retórico, ok? kkk

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