A boca fala do que o coração tá cheio

terça-feira, 3 de março de 2015

Casamento (II)



No entre do encontro
A latência manifesta
É como a festa da potência
Que no dar-se ao outro
Recebe como troco
O ouro de si mesmo

Na ação da relação
O um se abre ao dois
Dois se tornam Um
Unidos 
Contemplam o alvorecer e o florescer
Do melhor de cada ser

Uma ciranda de delícias
Onde opostos não se opõem
Mas no perfeito encaixe da engrenagem
Gira livre o mais profundo
Descortinando a cada passo
Mistérios do ir junto

Bendito seja o homem
Que topando em seu destino
Não contente com a metade
Lançou-se por inteiro
No penhasco do Amor
Abismo da alteridade








segunda-feira, 2 de março de 2015

O corpo


Morada dos deuses e demônios
Rio da alma
Onde corre e ocorre o oculto

Por ele escorrem a dor e a lágrima
Nele dançam suor e alegria

Vibra ao som de nossas águas
Imerso no mar das sutilezas
E ao firme toque do tambor
Precipita-se em movimento

De cima a  baixo relampeja
Da terra ao céu ouvem-se as luzes
Sobe e desce a ardente chama
No desenho infinito da serpente

Amigo das alturas
Abrigo das profundezas
Ocaso do manifesto
Salve o corpo!
Vivam os pés que tocam o chão!

Louvado seja o pó da terra
Louvado o torno eterno da existência
Mão que molda o barro no Amor
Tornando o criado 
Criador








quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

O que a escola e a caserna têm em comum

Quem me conhece há mais tempo sabe das minhas muitas peripécias acadêmico-profissionais até, finalmente, conseguir o tão valorizado pedaço de papel que, hoje, me legitima como “alguém na vida”. Tendo estudado em Colégio Militar, durante muito tempo acreditei, inclusive, que o grande sonho da minha vida seria seguir carreira. E lá fui eu.

            Entretanto, se você chegou na minha vida há menos tempo e me conheceu ontem, já tem condições de imaginar que a ideia não deu lá muito certo. Em pouco tempo pedi as contas e segui minha estrada. Não posso negar – e não nego –, contudo, que todo esse período de convívio com os militares, somando o tempo de colégio e esse pouco tempo de formação, me ensinou muitas coisas.

            Lembro-me, por exemplo, que quando estava pedindo desligamento da Academia Militar, um dos muitos amigos que tentou dissuadir-me da ideia, virou-se para mim e disse: “Eu te entendo, cara. Mas não precisa ir embora. Tem que ter jogo de cintura. Aprende uma coisa: Se todo mundo remar pra trás, o barco também anda”.

            Obviamente, não mudei de ideia e mantive meu caminho. Mas, de fato, nunca esqueci as palavras dele. E lá se vão mais de 10 anos. Aliás, diria que, hoje, como professor do Estado, convivendo e conhecendo os bastidores da educação pública, a máxima daquele intendente orgulhoso de sua malandragem nunca fez tanto sentido.

            A escola é, talvez, a melhor representação social daquele barco de que falava meu amigo. O professor nada mais é que aquele aluno que realizou o sonho de voltar para a escola, só que, agora, sabendo como as coisas realmente são. E, como bom aluno que é, também não gosta de aula. Assim como o aluno fará o máximo para não assisti-las, o professor, legitimado no seu discurso político – isso é importante para não dar aquele ar de vagabundagem, que não pega bem –, fará o que puder para não ter que dá-las.

            Até aí, nenhum problema. Afinal, não creio que, em 2015, ainda haja tanta gente acreditando que aula seja algo, assim, tão importante. A questão é que, apesar de estarem juntos no mesmo barco, remando para trás, continuam a comportar-se como se inimigos fossem, deixando-se vencer pela correnteza.

            Infelizmente, enquanto a educação estiver subordinada à política – e política aqui não no sentido filosófico clássico, mas no sentido real-existencial-brasileiro de um jogo de interesses anti-políticos –, a escola nunca será um ambiente de trocas interpessoais com vistas à formação e ao desenvolvimento integral de indivíduos, mas permanecerá como arena de combate.

            Não espero do Estado uma solução para essa dinâmica. Foi ele que a criou e não será ele, obviamente, que irá resolvê-la. A solução para a questão da educação, portanto, está nas mãos de alunos e professores. Somos nós quem fazemos a educação. Se formos francos – conosco mesmos, acima de tudo –, teremos que assumir essa responsabilidade.

            Os mais comunistas, certamente, desejarão me agredir nesse momento, mas, indo de encontro ao discurso corrente daqueles que lutam pela a educação, creio que a educação precisa ser despolitizada. Se educar é conviver, o verdadeiro propósito da educação jamais poderá ser realizado por intermédio de uma instituição que não tenha a convivência entre seres humanos como prioridade.

            Contudo, penso que, afastando-se dessas batalhas politiqueiras encrustradas no ideário do funcionalismo público, a escola, paradoxalmente, tem tudo para, transcendendo sua institucionalidade, transformar-se no epicentro de uma nova-antiga forma de fazer política, onde as relações entre os cidadãos não poderão mais ser subjugadas pela desumanidade e pela frieza de instituições despersonalizadas.

            A hora é de assumirmos nosso caminho e decidirmos, com honestidade, em que mundo queremos viver. Decidir que escola eu quero ser. Se queremos ficar nos reunindo para comer cream cracker e reclamar da vida, esperando pela aposentadoria, ou se, quem sabe, preferimos um destino um pouco mais interessante. O tempo de esperar que o outro – seja ele o Estado, Deus ou o Chapolin Colorado – faça algo por nós acabou.

Que saibamos fazer boas escolhas. Nossos filhos agradecerão.