A boca fala do que o coração tá cheio

domingo, 24 de março de 2013

DEle, por Ele e para Ele: o Amor


[...] No discurso usual sobre uma casa ou um prédio, cada um sabe o que se entende por base ou fundações. Mas qual é, no domínio do espírito, a base ou a fundação da vida espiritual que tem de suportar o edifício? É justamente o amor; o amor é a fonte de todas as coisas, e no sentido espiritual o amor é o fundamento mais importante da vida espiritual. Em cada ser humano em que há amor, está implantada, no sentido espiritual, a fundação. E o edifício que, no sentido espiritual, deve ser erguido é outra vez amor, e é o amor que edifica. Amor edifica, e isso significa: ele edifica amor. Nossa tarefa está então definida; o discurso não se dispersa nos detalhes e na multiplicidade, ele não começa de maneira confusa por algo que de modo totalmente arbitrário precisaria interromper em algum lugar para poder enfim terminar; não, ele se concentra e concentra a atenção sobre o essencial, sobre o que é sempre igual em toda a multiplicidade das coisas; o discurso permanece do início ao fim um discurso sobre o amor, justamente porque o edificar é a determinação mais característica do amor. Amor é o fundamento, amor é o edifício, amor edifica. Edificar, é edificar amor, e é o amor que edifica. Sem dúvida, empregamos às vezes o termo edificar em uma acepção mais geral; opondo-nos à decadência que só quer derrubar, ou à confusão que só é capaz de derrubar e destroçar, dizemos que a pessoa competente edifica, aquela pessoa capaz de governar e orientar, que sabe ensinar proveitosamente em sua especialidade, aquela que é mestre em sua arte. Neste sentido, qualquer um edifica, em contraste com o demolir. Porém, toda essa edificação no domínio do conhecimento, da inteligência, da habilidade artística e da integridade profissional, etc. não é, contudo, já que não edifica o amor, edificação no sentido mais profundo da palavra. Pois, espiritualmente, amor é fundação, e edificar é construir a partir da fundação.
            Quando então falamos da obra do amor que consiste em edificar isso deve significar uma de duas coisas: que o que ama implanta o amor no coração de uma outra pessoa, ou então deve significar que o que ama pressupõe que o amor esteja no coração da outra pessoa, e justamente por essa pressuposição edifica nela o amor a partir da fundação, na medida em que, é claro, a pressupõe amorosamente, no fundamento. Edificar deve ser uma ou outra dessas duas coisas. Mas será mesmo que um ser humano pode implantar amor no coração de uma outra pessoa? Não, essa é uma relação sobre-humana; uma relação inconcebível entre dois seres humanos; o amor humano não edifica neste sentido. É Deus, o criador que deve implantar amor em cada ser humano, Ele, que é amor em pessoa. Por isso é justamente desamoroso, e de modo algum edificante, se alguém arrogante imagina que quer e que pode criar amor na outra pessoa; nesse sentido, nenhum zelo apressado e metido a importante edifica o amor, e nem é, ele mesmo, edificante. A primeira forma de edificar mostrou-se então inconcebível, portanto devemos examinar a segunda situação. Assim, obtivemos a explicação do que quer dizer “o amor edifica”, e queremos nos deter nessa explicação: aquele que ama pressupõe que o amor esteja presente no coração da outra pessoa, e justamente com essa pressuposição ele edifica nela o amor a partir do fundamento – na medida em que ele, é claro, amorosamente o pressupõe no fundamento.
            Não é o caso pois de se perguntar o que o amoroso, que quer edificar, deve então fazer para transformar a outra pessoa ou para forçá-la a demonstrar o amor, mas se trata, isso sim, de como o amoroso de maneira edificante força a si mesmo. Observa: já é edificante considerar que o amoroso edifica pelo autodomínio! Apenas o desamoroso imagina que deve edificar pressionando o outro; o amoroso pressupõe constantemente que o amor está presente, justamente assim ele edifica. Um construtor faz pouco da pedra e da areia que usa para a construção; um mestre pressupõe que o discípulo não sabe, um agente correcional pressupõe que o outro homem é corrupto: porém o homem amoroso que edifica só tem um único método, pressupor o amor; o que haveria de resto por fazer só poderia ser constantemente obrigar-se a sempre pressupor o amor. É assim que ele favorece a eclosão do bem, ele faz crescer com amor o amor, ele edifica. Pois o amor só pode e só quer ser tratado de uma única maneira, com um amor que faz avançar; amar o amor fazendo-o adiantar-se é edificar. Mas amá-lo fazendo avançar é justamente pressupor que ele esteja presente no fundamento. Alguém pode ser tentado a ser construtor, a ser o professor, a ser agente de correção, porque isso parece ser dominar sobre outras pessoas; mas o edificar como o faz o amor não poderia tentar, pois é justamente ser aquele que serve; por isso só o amor tem vontade de edificar porque, porque ele está disposto a servir. O construtor pode apontar para o seu trabalho e dizer: “Eis minha obra”; o mestre pode mostrar o seu discípulo; mas o amor que edifica não tem nada a mostrar: seu trabalho consiste simplesmente em pressupor. E é isso que é tão edificante de considerar. Admitamos que o homem amoroso consiga edificar o amor numa outra pessoa; quando então o edifício está erguido, ele se mantém afastado junto a si e diz, humilhado: “Afinal, eu sempre pressupus isso”. Ai, aquele que ama não tem mérito nenhum. O que foi edificado não permanece como um monumento à memória da arte do construtor, ou como o discípulo que lembra o ensinamento do mestre; o amoroso nada faz além de pressupor que o amor estivesse no fundamento. O amoroso trabalha com muita calma e solenidade, e no entanto as forças da eternidade estão em ação; humildemente o amor se faz mais despercebido justamente quando mais trabalha, sim, seu trabalho é como se não fizesse nada. Ai, para a agitação e a mundanidade isso corresponde à maior das tolices: dizer que num certo sentido, o simplesmente não fazer nada deva ser o trabalho mais difícil. E no entanto, tal é o caso. Pois é mais difícil dominar o seu ânimo do que capturar uma cidade, e mais difícil edificar, como o amor faz, do que executar a mais incrível das obras. E se já é difícil em relação a si mesmo dominar o seu ânimo, quanto mais difícil o será, em relação a uma outra pessoa, aniquilar-se inteiramente a si mesmo, e não obstante fazer tudo e sofrer tudo! E se de resto deve ser difícil começar sem pressuposições, verdadeiramente a mais difícil das tarefas é começar a edificar pressupondo que o amor esteja presente e terminar com esta mesma pressuposição; todo o trabalho que alguém faz é assim previamente reduzido a nada, na medida em que a pressuposição, do início ao fim, é a auto-abnegação, ou a que o construtor permanece oculto e como que inexistente. Por isso, só podemos comparar esse edificar do amor com o trabalho oculto da natureza. Enquanto o homem dorme, as forças da natureza não dormem nem de noite nem de dia; ninguém se pergunta como é que elas aguentam – enquanto todos se deleitam com o encantamento do prado e com a fecundidade dos campos. Assim se comporta o amor: ele pressupõe que o amor esteja presente como o germe no grão; e se ele consegue lhe fazer crescer, ele então se oculta como estava oculto quando trabalhava da manhã à noite. Mas tal é justamente o edificante na natureza: tu vês todo este esplendor, e então isso te arrebata, edificando quando te pões a pensar no quanto é estranho que tu não vejas aquele que produz tudo isso. Se pudesses ver Deus com teus olhos corporais, se ele, se me atrevo a dizer, parasse ao teu lado e dissesse: “Fui eu quem fez tudo isso”, o edificante teria desaparecido.
            O amor edifica, ao pressupor que o próprio amor esteja presente. Desse modo, um que ama edifica o outro, e aqui é então bem fácil pressupô-lo, onde ele está notoriamente presente. Ai, mas o amor jamais está completamente presente em homem algum; nesta medida é possível afinal fazer outra coisa além de pressupô-lo: descobrir nele um defeito qualquer ou alguma fraqueza. E quando então alguém, desamorosamente, descobriu isso, quer talvez, como se diz, retirar, retirar esse argueiro, para edificar corretamente o amor. Mas o amor edifica. A quem ama muito, muito lhe é perdoado, mas quanto mais perfeitamente aquele que ama pressupõe que o amor esteja presente, tanto mais perfeito será o amor que ele há de cultivar amorosamente no outro. Não há no mundo inteiro uma só relação em que o igual pelo igual valha tanto; em que o resultado corresponda tão exatamente ao que foi pressuposto. Não levantemos objeções; não evoquemos a experiência, pois seria justamente desamoroso fixar arbitrariamente uma data em que se deva manifestar o que se produziu. O amor não entende desse tipo de previsões; ele está eternamente certo do cumprimento da pressuposição; quando não é este o caso, então o amor está em vias de enfraquecimento.
            O amor edifica pressupondo que o amor está presente no fundamento, e por isso o amor edifica também lá onde humanamente falando parece faltar amor, e onde em termos humanos parece necessário primeiramente demolir, certamente não pelo prazer, porém para a salvação. O contrário de edificar é demolir. Esta oposição jamais se mostra mais nitidamente do que quando o tema do discurso afirma que o amor edifica; pois em qualquer outro contexto em que se trata de edificar, este termo tem semelhança com o de demolir, em que sempre se trata de fazer com ou em outro. Mas quando aquele que ama edifica, faz exatamente o contrário de demolir, pois o amoroso faz alguma coisa em si mesmo: ele pressupõe que o amor esteja presente na outra pessoa – o que é por certo o contrário de fazer alguma coisa com o e no outro. Demolir é algo que satisfaz bem facilmente o homem preso aos sentidos; ele pode decerto ter prazer em edificar, no sentido de fazer alguma coisa com um outro e no outro; mas edificar dominando-se a si mesmo, isso só traz satisfação ao amor. E contudo este é o único modo de edificar. Mas no zelo bem intencionado de demolir e de edificar, esquecemo-nos de que em última análise nenhum ser humano tem condições de estabelecer a fundação do amor numa outra pessoa.
Vê, aqui se mostra justamente quão difícil é a arte da edificação que o amor exerce e que se encontra descrita naquela célebre passagem do apóstolo Paulo (1Cor 13), pois o que ali é dito sobre o amor constitui-se justamente em determinações mais precisas sobre como o amor se comporta ao edificar. “O amor é paciente”, e graças a isso ele edifica; pois a paciência é aliás justamente a perseverança em pressupor que o amor esteja realmente presente no fundamento. Aquele que julga, mesmo que isso se dê lentamente, aquele que julga que falta amor à outra pessoa, retira as fundações – ele não pode edificar; mas o amor edifica pela paciência. Por isso “ele não traz inveja” e também não guarda “rancor”; pois inveja e rancor negam o amor na outra pessoa e com isso corroem, quanto fosse possível, a fundação. O amor que edifica suporta, pelo contrário, a incompreensão, a ingratidão, a cólera da outra pessoa – tantas coisas com um peso já bem suficiente: como então o amor carregaria ainda a inveja e o rancor! Tal é a divisão do mundo: o que tem inveja e rancor não carrega por sua vez os fardos da outra pessoa, mas aquele que ama e não tem inveja nem rancor carrega os fardos de outrem. Cada um carrega o seu fardo, o invejoso e o amoroso; ambos são num certo sentido mártires, pois como disse um homem piedoso: também o invejoso é um mártir – mas do diabo. “O amor não busca seu próprio interesse”, por isso ele edifica. Pois aquele que procura seu interesse deve afastar todo o resto, deve demolir para dar lugar ao seu interesse, que ele quer edificar. Mas o amor pressupõe que o amor esteja presente no fundamento, por isso ele edifica. “Ele não se alegra com a injustiça”; mas aquele que quer demolir ou pelo menos tornar-se importante a seus próprios olhos achando que é necessário demolir, deste homem podemos dizer que ele se alegra com a injustiça – senão, não haveria nada a demolir. O amor, ao contrário, se regozija em pressupor que o amor esteja presente no fundo, por isso ele edifica. “O amor tolera tudo”; pois o que é tolerar tudo? É, em última análise, encontrar em todas as coisas o amor que se pressupõe no fundamento. Quando dizemos de um homem de saúde forte que ele tolera todo tipo de comida e bebida, entendemos com isso que sua saúde se nutre até de coisas malsãs (assim como ao doente até um alimento saudável faz mal), nós entendemos que com isso que sua saúde se alimenta até do que parece menos nutritivo. É assim que o amor tolera tudo, pressupondo sem cessar que o amor esteja mesmo presente no fundamento – e desta maneira ele edifica. “O amor tudo crê”, pois tudo crer é justamente – ainda que não o vejamos; sim, apesar de vermos o contrário – pressupor que o amor esteja contudo presente no fundo, mesmo no perdido, no corrompido, no mais raivoso dos homens. A desconfiança arranca fora as fundações, ao pressupor que o amor não está presente; por isso a desconfiança não consegue edificar. “O amor espera tudo”, mas esperar tudo é justamente pressupor que o amor esteja presente no fundamento e que ele ainda se manifestará naquele que tomou o mau caminho, no desorientado, até mesmo no perdido – embora não o vejamos ou vejamos o contrário. Vê só, o pai do filho pródigo era talvez o único a ignorar que tinha um filho perdido, pois o amor do pai esperava tudo. O irmão mais velho logo soube que seu irmão estava perdido sem nenhuma esperança. Mas o amor edifica; e o pai tornou a ganhar seu filho perdido, justamente porque, esperando tudo, pressupunha que o amor estivesse presente no fundo. Apesar do extravio do filho, não ocorreu nenhum rompimento da parte do pai (e uma ruptura é bem o contrário de edificar); este último esperava tudo, por isso ele edificou na verdade com seu perdão paterno, justamente porque o filho percebeu bem vivamente que o amor paterno havia permanecido com ele, de modo que não houvera nenhuma ruptura. “O amor suporta tudo”, pois suportar tudo é justamente pressupor que o amor esteja presente no fundo. Quando dizemos que a mãe suporta todas as malcriações de sua criança, dizemos com isso então que ela, considerada como mulher, sofre com paciência a maldade? Não, dizemos algo diferente, que ela, enquanto mãe, fica constantemente lembrando que é sua criança, e portanto pressupondo que a criança ainda a ame, e que isso se mostrará um dia. Se não fosse assim, falaríamos decerto de como a paciência tudo suporta e não de como o amor suporta tudo. Pois a paciência suporta tudo e cala, e se a mãe suportasse assim as impertinências de sua criança, com isso diríamos propriamente que, contudo, a mãe e a criança se teriam tornados estranhas uma à outra. Pelo contrário, o amor suporta tudo e cala pacientemente – mas pressupõe durante o silêncio que o amor mesmo assim continue presente na outra pessoa.
            É assim que o amor edifica. “Ele não se infla, ele não usa de precipitação, ele não se irrita”: ele não se infla na opinião de que ele teria a função de criar o amor na outra pessoa, não é irritado e precipitado, impaciente, quase sem esperança na pressa com que primeiro deve demolir para então edificar de novo; não, ele pressupõe constantemente que o amor esteja presente no fundamento. Por isso é absolutamente o espetáculo mais edificante ver o amor edificar, uma visão com a qual os próprios anjos são edificados; e por isso seria absolutamente o que há de mais edificante se um homem conseguisse comentar corretamente de que modo o amor edifica. Há muitas visões que nos agradam, muitas que nos reconfortam, muitas que nos encantam, muitas que nos emocionam, muitas que elevam nossa alma, muitas que nos cativam, muitas que nos persuadem e assim por diante; mas há apenas uma visão edificante: ver o amor edificar. Por isso, o que quer que tenhas visto de horrível ou repugnante no mundo, que desejarias poder esquecer porque quer abater tua coragem, tua confiança, dar-te desgosto da vida e repugnância de viver: medita simplesmente como o amor edifica, e estarás edificado para viver! Há uma enorme quantidade de diversos objetos que se prestam a discursos, mas apenas um é edificante: de que maneira o amor edifica. Assim, qualquer que tenha sido teu destino, tão amargo que poderias desejar jamais ter nascido e quanto antes melhor emudecer na morte: medita apenas na maneira como o amor edifica, e então estarás edificado novamente para poder falar! Há apenas um único espetáculo edificante e apenas um único assunto edificante; tudo, no entanto, pode ser dito e ser feito de modo edificante, pois onde quer que esteja o edificante, está amor, e onde quer que haja amor, há o edificante, e tão logo o amor esteja presente, ele edifica.
            O amor edifica pressupondo que o amor esteja presente. Nunca fizeste tu mesmo esta experiência, m. ouvinte? Se alguma vez alguém falou contigo de tal modo ou agiu com relação a ti de tal modo que te sentiste verdadeiramente edificado, isso foi porque tu percebeste de maneira viva como ele pressupunha que o amor estivesse em ti. Ou como imaginas que deveria ser a pessoa realmente capaz de te edificar? Não é verdade que lhe desejarias inteligência e instrução e talento e experiência? Mas tu não acreditarias, porém, que isso importa decisivamente, antes tu gostarias que fosse uma única pessoa confiavelmente amorosa, isto é, uma pessoa verdadeiramente amorosa. Tu achas, portanto, que para edificar, o decisivo e essencial depende de ser amoroso ou ter amor a um ponto tal que possamos confiar nisso. Mas agora, o que é amor? Amor é pressupor amor; ter amor é pressupor amor nos outros; ser amoroso é pressupor que os outros sejam amorosos. Entendamo-nos bem. As qualidades que um homem pode ter são, ou bem qualidades que ele possui para si – embora as empregue em relação aos outros –, ou bem são qualidades para outros. Sabedoria é uma qualidade que existe por si, poder e talento e conhecimentos, etc. também existem por si.Ser sábio não quer dizer pressupor que outros sejam sábios; pelo contrário, pode ser muito sábio e muito verdadeiro se o verdadeiramente sábio admite que muito pouca gente é sábia. Sim, já que “sábio” é uma qualidade dada por ela própria, nada impede, em princípio, admitir que viva ou tenha vivido um sábio que se atrevesse a dizer que admitia serem todos os demais desprovidos de sabedoria. Na ideia de ser sábio, e admitir que todos os outros não o sejam, não há nenhuma contradição. Na vida real, uma tal expressão seria arrogância, mas no mero pensamento enquanto tal, aí não há nenhuma contradição. Em contrapartida, se alguém resolvesse achar que era amoroso, mas também que todos os demais não são amorosos, nós lhe diríamos: Alto lá! Aqui há uma contradição no próprio pensamento; pois ser amoroso é afinal de contas justamente admitir, pressupor que outros seres humanos também sejam amorosos. O amor não é uma qualidade dada por ela mesma, mas uma qualidade pela qual (ou na qual) tu és para outros. Na conversação diária, decerto, ao enumerar as qualidades de alguém, dizemos que ele é sábio, razoável, amoroso – e não notamos a diferença que separa esta última qualidade das precedentes. Sua sabedoria, sua experiência, seu bom senso ele tem para si, mesmo se daí tira proveito para outros; mas se ele é, verdadeiramente amoroso, não é ele que tem amor, no mesmo sentido como ele tem sabedoria: mas seu amor consiste justamente em pressupor que nós outros também tenhamos amor. Tu o elogias como o que tem amor, tu achas que se trata de uma qualidade que ele tem, o que é verdade também; tu te sentes edificado por ele, justamente porque ele é amoroso; mas tu não vês que a explicação é que seu amor significa que ele pressupõe amor em ti, e que justamente com isso te edificas, e justamente com isso o amor se edifica em ti. Se fosse realmente o caso que um homem pudesse realmente ser amoroso sem que isso significasse pressupor o amor nos outros, tu não poderias de jeito nenhum te sentir edificado no sentido mais profundo, por mais confiável que fosse o fato de ele ser amoroso, tu não poderias de jeito nenhum te sentir edificado no sentido mais profundo, tampouco como tu te edificas no sentido mais profundo por mais confiável que seja o fato de sua sabedoria, seu bom senso, sua experiência, sua erudição. Se fosse possível que ele pudesse ser verdadeiramente amoroso sem que isso significasse pressupor amor nos outros, tu também não poderias de jeito nenhum confiar inteiramente nele; pois a confiabilidade na questão do amor consiste exatamente em que, até quando duvidas sobre ti mesmo, se há amor em ti, ele é bastante amoroso para o pressupor, ou melhor, ele é o amoroso que o pressupõe. Mas tu exigias que, para edificar verdadeiramente, um homem deveria ser verdadeiramente amoroso. E ser amoroso mostrou-se agora significar: pressupor amor nos outros. Tu dizes assim exatamente o mesmo que o nosso discurso desenvolveu.
            Assim retorna nossa consideração ao seu ponto de partida. Edificar é pressupor amor; ser amoroso é pressupor amor; só o amor edifica. Pois edificar é erguer algo desde um fundamento, mas, espiritualmente, o amor é o fundamento de todas as coisas. Implantar no coração de um outro o fundamento do amor, disso nenhum ser humano é capaz; todavia, o amor é o fundamento, e só podemos edificar a partir de um fundamento, portanto só podemos edificar ao pressupor amor. Se retirares o amor, ninguém edificará e ninguém será edificado.


Søren Kierkegaard

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