[...] No discurso usual
sobre uma casa ou um prédio, cada um sabe o que se entende por base ou
fundações. Mas qual é, no domínio do espírito, a base ou a fundação da vida
espiritual que tem de suportar o edifício? É justamente o amor; o amor é a
fonte de todas as coisas, e no sentido espiritual o amor é o fundamento mais
importante da vida espiritual. Em cada ser humano em que há amor, está
implantada, no sentido espiritual, a fundação. E o edifício que, no sentido
espiritual, deve ser erguido é outra vez amor, e é o amor que edifica. Amor
edifica, e isso significa: ele edifica amor. Nossa tarefa está então definida;
o discurso não se dispersa nos detalhes e na multiplicidade, ele não começa de
maneira confusa por algo que de modo totalmente arbitrário precisaria
interromper em algum lugar para poder enfim terminar; não, ele se concentra e
concentra a atenção sobre o essencial, sobre o que é sempre igual em toda a
multiplicidade das coisas; o discurso permanece do início ao fim um discurso
sobre o amor, justamente porque o edificar é a determinação mais característica
do amor. Amor é o fundamento, amor é o edifício, amor edifica. Edificar, é
edificar amor, e é o amor que edifica. Sem dúvida, empregamos às vezes o termo
edificar em uma acepção mais geral; opondo-nos à decadência que só quer
derrubar, ou à confusão que só é capaz de derrubar e destroçar, dizemos que a
pessoa competente edifica, aquela pessoa capaz de governar e orientar, que sabe
ensinar proveitosamente em sua especialidade, aquela que é mestre em sua arte. Neste
sentido, qualquer um edifica, em contraste com o demolir. Porém, toda essa
edificação no domínio do conhecimento, da inteligência, da habilidade artística
e da integridade profissional, etc. não é, contudo, já que não edifica o amor,
edificação no sentido mais profundo da palavra. Pois, espiritualmente, amor é fundação, e edificar é construir a partir da fundação.
Quando então falamos da obra do amor que consiste em
edificar isso deve significar uma de duas coisas: que o que ama implanta o amor
no coração de uma outra pessoa, ou então
deve significar que o que ama pressupõe que o amor esteja no coração da outra
pessoa, e justamente por essa pressuposição edifica nela o amor a partir da
fundação, na medida em que, é claro, a pressupõe amorosamente, no fundamento.
Edificar deve ser uma ou outra dessas duas coisas. Mas será mesmo que um ser
humano pode implantar amor no coração de uma outra pessoa? Não, essa é uma
relação sobre-humana; uma relação inconcebível entre dois seres humanos; o amor
humano não edifica neste sentido. É Deus, o criador que deve implantar amor em
cada ser humano, Ele, que é amor em pessoa. Por isso é justamente desamoroso, e
de modo algum edificante, se alguém arrogante imagina que quer e que pode criar
amor na outra pessoa; nesse sentido, nenhum zelo apressado e metido a
importante edifica o amor, e nem é, ele mesmo, edificante. A primeira forma de
edificar mostrou-se então inconcebível, portanto devemos examinar a segunda
situação. Assim, obtivemos a explicação do que quer dizer “o amor edifica”, e
queremos nos deter nessa explicação: aquele
que ama pressupõe que o amor esteja presente no coração da outra pessoa, e
justamente com essa pressuposição ele edifica nela o amor a partir do
fundamento – na medida em que ele, é claro, amorosamente o pressupõe no
fundamento.
Não é o caso pois de se perguntar o que o amoroso, que
quer edificar, deve então fazer para transformar a outra pessoa ou para
forçá-la a demonstrar o amor, mas se trata, isso sim, de como o amoroso de
maneira edificante força a si mesmo. Observa: já é edificante considerar que o
amoroso edifica pelo autodomínio! Apenas o desamoroso imagina que deve edificar
pressionando o outro; o amoroso pressupõe constantemente que o amor está
presente, justamente assim ele edifica. Um construtor faz pouco da pedra e da
areia que usa para a construção; um mestre pressupõe que o discípulo não sabe,
um agente correcional pressupõe que o outro homem é corrupto: porém o homem
amoroso que edifica só tem um único método, pressupor o amor; o que haveria de
resto por fazer só poderia ser constantemente obrigar-se a sempre pressupor o
amor. É assim que ele favorece a eclosão do bem, ele faz crescer com amor o
amor, ele edifica. Pois o amor só pode e só quer ser tratado de uma única
maneira, com um amor que faz avançar; amar o amor fazendo-o adiantar-se é
edificar. Mas amá-lo fazendo avançar é justamente pressupor que ele esteja
presente no fundamento. Alguém pode ser tentado a ser construtor, a ser o
professor, a ser agente de correção, porque isso parece ser dominar sobre
outras pessoas; mas o edificar como o faz o amor não poderia tentar, pois é
justamente ser aquele que serve; por isso só o amor tem vontade de edificar
porque, porque ele está disposto a servir. O construtor pode apontar para o seu
trabalho e dizer: “Eis minha obra”; o mestre pode mostrar o seu discípulo; mas
o amor que edifica não tem nada a mostrar: seu trabalho consiste simplesmente
em pressupor. E é isso que é tão edificante de considerar. Admitamos que o
homem amoroso consiga edificar o amor numa outra pessoa; quando então o edifício
está erguido, ele se mantém afastado junto a si e diz, humilhado: “Afinal, eu
sempre pressupus isso”. Ai, aquele que ama não tem mérito nenhum. O que foi
edificado não permanece como um monumento à memória da arte do construtor, ou
como o discípulo que lembra o ensinamento do mestre; o amoroso nada faz além de
pressupor que o amor estivesse no fundamento. O amoroso trabalha com muita
calma e solenidade, e no entanto as forças da eternidade estão em ação;
humildemente o amor se faz mais despercebido justamente quando mais trabalha,
sim, seu trabalho é como se não fizesse nada. Ai, para a agitação e a
mundanidade isso corresponde à maior das tolices: dizer que num certo sentido,
o simplesmente não fazer nada deva ser o trabalho mais difícil. E no entanto,
tal é o caso. Pois é mais difícil dominar o seu ânimo do que capturar uma
cidade, e mais difícil edificar, como o amor faz, do que executar a mais
incrível das obras. E se já é difícil em relação a si mesmo dominar o seu
ânimo, quanto mais difícil o será, em relação a uma outra pessoa, aniquilar-se
inteiramente a si mesmo, e não obstante fazer tudo e sofrer tudo! E se de resto
deve ser difícil começar sem pressuposições, verdadeiramente a mais difícil das
tarefas é começar a edificar pressupondo que o amor esteja presente e terminar
com esta mesma pressuposição; todo o trabalho que alguém faz é assim
previamente reduzido a nada, na medida em que a pressuposição, do início ao
fim, é a auto-abnegação, ou a que o construtor permanece oculto e como que
inexistente. Por isso, só podemos comparar esse edificar do amor com o trabalho
oculto da natureza. Enquanto o homem dorme, as forças da natureza não dormem
nem de noite nem de dia; ninguém se pergunta como é que elas aguentam –
enquanto todos se deleitam com o encantamento do prado e com a fecundidade dos
campos. Assim se comporta o amor: ele pressupõe que o amor esteja presente como
o germe no grão; e se ele consegue lhe fazer crescer, ele então se oculta como
estava oculto quando trabalhava da manhã à noite. Mas tal é justamente o
edificante na natureza: tu vês todo este esplendor, e então isso te arrebata,
edificando quando te pões a pensar no quanto é estranho que tu não vejas aquele
que produz tudo isso. Se pudesses ver Deus com teus olhos corporais, se ele, se
me atrevo a dizer, parasse ao teu lado e dissesse: “Fui eu quem fez tudo isso”,
o edificante teria desaparecido.
O amor edifica, ao pressupor que o próprio amor esteja
presente. Desse modo, um que ama edifica o outro, e aqui é então bem fácil
pressupô-lo, onde ele está notoriamente presente. Ai, mas o amor jamais está
completamente presente em homem algum; nesta medida é possível afinal fazer
outra coisa além de pressupô-lo: descobrir nele um defeito qualquer ou alguma
fraqueza. E quando então alguém, desamorosamente, descobriu isso, quer talvez,
como se diz, retirar, retirar esse argueiro, para edificar corretamente o amor.
Mas o amor edifica. A quem ama muito, muito lhe é perdoado, mas quanto mais
perfeitamente aquele que ama pressupõe que o amor esteja presente, tanto mais
perfeito será o amor que ele há de cultivar amorosamente no outro. Não há no
mundo inteiro uma só relação em que o igual pelo igual valha tanto; em que o
resultado corresponda tão exatamente ao que foi pressuposto. Não levantemos
objeções; não evoquemos a experiência, pois seria justamente desamoroso fixar
arbitrariamente uma data em que se deva manifestar o que se produziu. O amor
não entende desse tipo de previsões; ele está eternamente certo do cumprimento
da pressuposição; quando não é este o caso, então o amor está em vias de
enfraquecimento.
O amor edifica pressupondo que o amor está presente no
fundamento, e por isso o amor edifica também lá onde humanamente falando parece
faltar amor, e onde em termos humanos parece necessário primeiramente demolir,
certamente não pelo prazer, porém para a salvação. O contrário de edificar é
demolir. Esta oposição jamais se mostra mais nitidamente do que quando o tema
do discurso afirma que o amor edifica; pois em qualquer outro contexto em que
se trata de edificar, este termo tem semelhança com o de demolir, em que sempre
se trata de fazer com ou em outro. Mas quando aquele que ama
edifica, faz exatamente o contrário de demolir, pois o amoroso faz alguma coisa
em si mesmo: ele pressupõe que o amor esteja presente na outra pessoa – o que é
por certo o contrário de fazer alguma coisa com
o e no outro. Demolir é algo que
satisfaz bem facilmente o homem preso aos sentidos; ele pode decerto ter prazer
em edificar, no sentido de fazer alguma coisa com um outro e no outro; mas
edificar dominando-se a si mesmo, isso só traz satisfação ao amor. E contudo
este é o único modo de edificar. Mas no zelo bem intencionado de demolir e de
edificar, esquecemo-nos de que em última análise nenhum ser humano tem
condições de estabelecer a fundação do amor numa outra pessoa.
Vê, aqui se mostra
justamente quão difícil é a arte da edificação que o amor exerce e que se
encontra descrita naquela célebre passagem do apóstolo Paulo (1Cor 13), pois o
que ali é dito sobre o amor
constitui-se justamente em determinações mais precisas sobre como o amor se
comporta ao edificar. “O amor é paciente”,
e graças a isso ele edifica; pois a paciência é aliás justamente a perseverança
em pressupor que o amor esteja realmente presente no fundamento. Aquele que
julga, mesmo que isso se dê lentamente, aquele que julga que falta amor à outra
pessoa, retira as fundações – ele não pode edificar; mas o amor edifica pela
paciência. Por isso “ele não traz inveja”
e também não guarda “rancor”; pois
inveja e rancor negam o amor na outra pessoa e com isso corroem, quanto fosse
possível, a fundação. O amor que edifica suporta, pelo contrário, a
incompreensão, a ingratidão, a cólera da outra pessoa – tantas coisas com um
peso já bem suficiente: como então o amor carregaria ainda a inveja e o rancor!
Tal é a divisão do mundo: o que tem inveja e rancor não carrega por sua vez os
fardos da outra pessoa, mas aquele que ama e não tem inveja nem rancor carrega
os fardos de outrem. Cada um carrega o seu fardo, o invejoso e o amoroso; ambos
são num certo sentido mártires, pois como disse um homem piedoso: também o invejoso
é um mártir – mas do diabo. “O amor não
busca seu próprio interesse”, por isso ele edifica. Pois aquele que procura
seu interesse deve afastar todo o resto, deve demolir para dar lugar ao seu
interesse, que ele quer edificar. Mas o amor pressupõe que o amor esteja
presente no fundamento, por isso ele edifica. “Ele não se alegra com a injustiça”; mas aquele que quer demolir ou
pelo menos tornar-se importante a seus próprios olhos achando que é necessário
demolir, deste homem podemos dizer que ele se alegra com a injustiça – senão,
não haveria nada a demolir. O amor, ao contrário, se regozija em pressupor que
o amor esteja presente no fundo, por isso ele edifica. “O amor tolera tudo”; pois
o que é tolerar tudo? É, em última análise, encontrar em todas as coisas o amor
que se pressupõe no fundamento. Quando dizemos de um homem de saúde forte que
ele tolera todo tipo de comida e bebida, entendemos com isso que sua saúde se
nutre até de coisas malsãs (assim como ao doente até um alimento saudável faz
mal), nós entendemos que com isso que sua saúde se alimenta até do que parece
menos nutritivo. É assim que o amor tolera tudo, pressupondo sem cessar que o
amor esteja mesmo presente no fundamento – e desta maneira ele edifica. “O amor tudo crê”, pois tudo crer é justamente
– ainda que não o vejamos; sim, apesar de vermos o contrário – pressupor que o
amor esteja contudo presente no fundo, mesmo no perdido, no corrompido, no mais
raivoso dos homens. A desconfiança arranca fora as fundações, ao pressupor que
o amor não está presente; por isso a desconfiança não consegue edificar. “O amor espera tudo”, mas esperar tudo é justamente pressupor que o amor esteja
presente no fundamento e que ele ainda se manifestará naquele que tomou o mau
caminho, no desorientado, até mesmo no perdido – embora não o vejamos ou
vejamos o contrário. Vê só, o pai do filho pródigo era talvez o único a ignorar
que tinha um filho perdido, pois o amor do pai esperava tudo. O irmão mais
velho logo soube que seu irmão estava perdido sem nenhuma esperança. Mas o amor
edifica; e o pai tornou a ganhar seu filho perdido, justamente porque,
esperando tudo, pressupunha que o amor estivesse presente no fundo. Apesar do
extravio do filho, não ocorreu nenhum rompimento da parte do pai (e uma ruptura
é bem o contrário de edificar); este último esperava tudo, por isso ele
edificou na verdade com seu perdão paterno, justamente porque o filho percebeu
bem vivamente que o amor paterno havia permanecido com ele, de modo que não
houvera nenhuma ruptura. “O amor suporta
tudo”, pois suportar tudo é justamente pressupor que o amor esteja presente
no fundo. Quando dizemos que a mãe suporta todas as malcriações de sua criança,
dizemos com isso então que ela, considerada como mulher, sofre com paciência a
maldade? Não, dizemos algo diferente, que ela, enquanto mãe, fica
constantemente lembrando que é sua criança, e portanto pressupondo que a
criança ainda a ame, e que isso se mostrará um dia. Se não fosse assim, falaríamos
decerto de como a paciência tudo suporta e não de como o amor suporta tudo.
Pois a paciência suporta tudo e cala, e se a mãe suportasse assim as
impertinências de sua criança, com isso diríamos propriamente que, contudo, a
mãe e a criança se teriam tornados estranhas uma à outra. Pelo contrário, o amor
suporta tudo e cala pacientemente – mas pressupõe durante o silêncio que o amor
mesmo assim continue presente na outra pessoa.
É assim que o amor edifica. “Ele não se infla, ele não
usa de precipitação, ele não se irrita”: ele não se infla na opinião de que ele
teria a função de criar o amor na outra pessoa, não é irritado e precipitado,
impaciente, quase sem esperança na pressa com que primeiro deve demolir para
então edificar de novo; não, ele pressupõe constantemente que o amor esteja
presente no fundamento. Por isso é absolutamente o espetáculo mais edificante
ver o amor edificar, uma visão com a qual os próprios anjos são edificados; e
por isso seria absolutamente o que há de mais edificante se um homem
conseguisse comentar corretamente de que modo o amor edifica. Há muitas visões
que nos agradam, muitas que nos reconfortam, muitas que nos encantam, muitas
que nos emocionam, muitas que elevam nossa alma, muitas que nos cativam, muitas
que nos persuadem e assim por diante; mas há apenas uma visão edificante: ver o
amor edificar. Por isso, o que quer que tenhas visto de horrível ou repugnante
no mundo, que desejarias poder esquecer porque quer abater tua coragem, tua
confiança, dar-te desgosto da vida e repugnância de viver: medita simplesmente
como o amor edifica, e estarás edificado para viver! Há uma enorme quantidade
de diversos objetos que se prestam a discursos, mas apenas um é edificante: de
que maneira o amor edifica. Assim, qualquer que tenha sido teu destino, tão
amargo que poderias desejar jamais ter nascido e quanto antes melhor emudecer
na morte: medita apenas na maneira como o amor edifica, e então estarás
edificado novamente para poder falar! Há apenas um único espetáculo edificante
e apenas um único assunto edificante; tudo, no entanto, pode ser dito e ser
feito de modo edificante, pois onde quer que esteja o edificante, está amor, e
onde quer que haja amor, há o edificante, e tão logo o amor esteja presente,
ele edifica.
O amor edifica
pressupondo que o amor esteja presente. Nunca fizeste tu mesmo esta
experiência, m. ouvinte? Se alguma vez alguém falou contigo de tal modo ou agiu
com relação a ti de tal modo que te sentiste verdadeiramente edificado, isso
foi porque tu percebeste de maneira viva como ele pressupunha que o amor
estivesse em ti. Ou como imaginas que deveria ser a pessoa realmente capaz de te
edificar? Não é verdade que lhe desejarias inteligência e instrução e talento e
experiência? Mas tu não acreditarias, porém, que isso importa decisivamente,
antes tu gostarias que fosse uma única pessoa confiavelmente amorosa, isto é,
uma pessoa verdadeiramente amorosa. Tu achas, portanto, que para edificar, o
decisivo e essencial depende de ser amoroso ou ter amor a um ponto tal que
possamos confiar nisso. Mas agora, o que é amor? Amor é pressupor amor; ter
amor é pressupor amor nos outros; ser amoroso é pressupor que os outros sejam
amorosos. Entendamo-nos bem. As qualidades que um homem pode ter são, ou bem
qualidades que ele possui para si – embora as empregue em relação aos outros –,
ou bem são qualidades para outros. Sabedoria é uma qualidade que existe por si,
poder e talento e conhecimentos, etc. também existem por si.Ser sábio não quer
dizer pressupor que outros sejam sábios; pelo contrário, pode ser muito sábio e
muito verdadeiro se o verdadeiramente sábio admite que muito pouca gente é
sábia. Sim, já que “sábio” é uma
qualidade dada por ela própria, nada impede, em princípio, admitir que viva ou
tenha vivido um sábio que se atrevesse a dizer que admitia serem todos os
demais desprovidos de sabedoria. Na ideia de ser sábio, e admitir que todos os
outros não o sejam, não há nenhuma contradição. Na vida real, uma tal expressão
seria arrogância, mas no mero pensamento enquanto tal, aí não há nenhuma
contradição. Em contrapartida, se alguém resolvesse achar que era amoroso, mas
também que todos os demais não são amorosos, nós lhe diríamos: Alto lá! Aqui há
uma contradição no próprio pensamento; pois ser amoroso é afinal de contas
justamente admitir, pressupor que outros seres humanos também sejam amorosos. O
amor não é uma qualidade dada por ela mesma, mas uma qualidade pela qual (ou na
qual) tu és para outros. Na conversação diária, decerto, ao enumerar as
qualidades de alguém, dizemos que ele é sábio, razoável, amoroso – e não
notamos a diferença que separa esta última qualidade das precedentes. Sua
sabedoria, sua experiência, seu bom senso ele tem para si, mesmo se daí tira
proveito para outros; mas se ele é, verdadeiramente amoroso, não é ele que tem
amor, no mesmo sentido como ele tem sabedoria: mas seu amor consiste justamente
em pressupor que nós outros também tenhamos amor. Tu o elogias como o que tem
amor, tu achas que se trata de uma qualidade que ele tem, o que é verdade
também; tu te sentes edificado por ele, justamente porque ele é amoroso; mas tu
não vês que a explicação é que seu amor significa que ele pressupõe amor em ti,
e que justamente com isso te edificas, e justamente com isso o amor se edifica
em ti. Se fosse realmente o caso que um homem pudesse realmente ser amoroso sem
que isso significasse pressupor o amor nos outros, tu não poderias de jeito
nenhum te sentir edificado no sentido mais profundo, por mais confiável que
fosse o fato de ele ser amoroso, tu não poderias de jeito nenhum te sentir
edificado no sentido mais profundo, tampouco como tu te edificas no sentido
mais profundo por mais confiável que seja o fato de sua sabedoria, seu bom
senso, sua experiência, sua erudição. Se fosse possível que ele pudesse ser
verdadeiramente amoroso sem que isso significasse pressupor amor nos outros, tu
também não poderias de jeito nenhum confiar inteiramente nele; pois a
confiabilidade na questão do amor consiste exatamente em que, até quando
duvidas sobre ti mesmo, se há amor em ti, ele é bastante amoroso para o pressupor,
ou melhor, ele é o amoroso que o pressupõe. Mas tu exigias que, para edificar
verdadeiramente, um homem deveria ser verdadeiramente amoroso. E ser amoroso
mostrou-se agora significar: pressupor amor nos outros. Tu dizes assim
exatamente o mesmo que o nosso discurso desenvolveu.
Assim retorna nossa consideração ao seu ponto de partida.
Edificar é pressupor amor; ser amoroso é pressupor amor; só o amor edifica.
Pois edificar é erguer algo desde um fundamento, mas, espiritualmente, o amor é
o fundamento de todas as coisas. Implantar no coração de um outro o fundamento
do amor, disso nenhum ser humano é capaz; todavia, o amor é o fundamento, e só
podemos edificar a partir de um fundamento, portanto só podemos edificar ao
pressupor amor. Se retirares o amor, ninguém edificará e ninguém será
edificado.
Søren Kierkegaard