A boca fala do que o coração tá cheio

terça-feira, 21 de agosto de 2012

Mestres, calai-vos!



Os dias passam
E claro fica
Que na casa da falação
Quem habita 
É o desespero

Mestres
Mestres
   Mestres...

Tudo sabem de tudo
Mas não suportam 
O silêncio
Aterrador
Nem a dor
Da própria existência
Gemendo por vida

Pobres mestres...

Ensinam outros a viver
Sem perceber que não conhecem
Nem sequer 
A própria miséria

Tolos mestres...

Pra que tanto barulho?
Por que tanta necessidade?

Calai-vos
E permiti-vos
Um pouquinho de verdade




sábado, 18 de agosto de 2012

Reminiscência e conhecimento em Platão



O tema central do Mênon concentra-se sobre a questão se a virtude se ensina ou não. A resolução do problema, entretanto, não pode ser encontrada sem que antes se tenha uma definição exata do que é a virtude. Seria possível ao homem conhecer algo sem o conhecimento prévio do que algo é? – é a pergunta levantada por Sócrates.
Mênon, ao tentar solucionar o questionamento socrático sobre o que seria a virtude, acaba por oferecer respostas que já contêm em si mesmas o conceito. Para Sócrates, porém, não se pode explicar o todo pelas partes, visto que para conhecer as partes, seria necessário, antes, conhecer o todo. Assim, Mênon vê-se num labirinto sem saída e, em estado de aporia, compara Sócrates a uma raia elétrica, peixe marinho que entorpece quem dela se aproxima e toca.
A saída proposta por Sócrates para o problema da origem do conhecimento passa pela imortalidade da alma. Para ele, o homem tem um conhecimento inato, algo que já traz dentro de si e que seria fruto do conhecimento da alma, que, por ser eterna, tudo conhece. Portanto, o conhecimento dar-se-ia através de um processo de anamnese, onde o sujeito, na realidade, não conhece algo novo, mas apenas recorda-se do que já sabe. É o que ficou conhecido na história da filosofia como teoria da reminiscência.
No Fédon, Sócrates irá retomar a questão e, numa perspectiva mais metafísica, enfatizar a relação entre a reminiscência, os objetos sensíveis e as formas. Para ele, é a reminiscência que irá possibilitar a apreensão das formas, ou das essências inteligíveis – que encontram-se separadas das coisas sensíveis –, permitindo o conhecimento verdadeiro, que, por sua vez, também será contraposto à ideia de opinião (doxa).
É interessante perceber que em seus diálogos, Platão parece apresentar uma distinção entre a formação do filósofo e aquela do homem comum. O conhecimento das Formas, ou a episteme, seria alcançado apenas pelo primeiro. O segundo viveria, do ponto de vista do conhecimento, numa espécie de mundo inconsciente, onde as Formas são pressupostas no contato com as coisas. Daí a necessidade da instrução e a responsabilidade do filósofo em conduzi-lo à descoberta de verdade.

domingo, 5 de agosto de 2012

O pó tem pressa

"[...] O universo nebuloso da maconha e do haxixe, orientado para a sensibilidade e o prazer, a contemplação e o devaneio, vizinhos das experiências lisérgicas e dos transes psicodélicos, cede lugar a outra constelação, que seria melhor descrita pelo substantivo plano, onde a verticalidade das mirações e das explorações autorreflexivas não tem vez. O plano da coca é a plataforma rasteira da ligação, da adrenalina, da hiperatividade ansiosa, do engajamento febril na ação e no risco. Enquanto maconha repousa e adormece, independentemente dos danos à saúde, conduzindo o sujeito da fruição e do delírio ao relaxamento e à prostração, induzindo-o a indispor-se com o que for agitado e violento, a cocaína acende todos os faróis do corpo e apaga as luzes do espírito, na medida em que energiza a impetuosidade e reduz a autonomia da vontade, submetendo-a crescentemente ao círculo vicioso da retroalimentação do barato, cuja celeridade exige sua contínua e perpétua extensão. O repouso sendo sucessivamente adiado, o corpo se exaure e a vontade se escraviza. O pó é o império da ligação e, portanto, o reino da libido, entretanto, paradoxalmente, condena o homem –  não a mulher –, repleto de desejo, ao vácuo exasperante da impotência. Por isso, o pó frustra. Para reparar a frustração, o cheirador corre impaciente atrás de mais uma careira. A frustração repetida e redobrada interpela o usuário a cobrir o buraco que ele cava. O consumidor mais uma vez atraiçoado pela inversão de expectativas investe todas as forças para reparar a frustração renovada, o que o leva a cavar ainda mais fundo sua decepção e sua angústia, porque a plenitude novamente se furta. A intensidade aumenta, a voltagem da corrida atrás do próprio rabo se eleva, a cada rodada, a cada noite, a cada sessão, ampliando a fome de ser, a fome de preencher a ansiedade, até que ela se torna maior que o sujeito e come aquilo que, nele, tem essa fome. A fome, assim toma conta do sujeito e o substitui. A fome passa a ser o sujeito. Passa a ser.

Adeus, sujeito. Adeus, autonomia e liberdade. Adeus, planos e possibilidades de paz e amor. Paz e amor dançam quando a sutil arquitetura hippie é despedaçada pela máquina hiperativa da cocamania. O sentido comunitário já era. Compaixão e empatia evaporam. O cheirador não tem tempo para frescuras românticas, ornamentos místicos, metafísica barroca e ecomoralismo aquariano. Não tem tempo. Não tem espaço mental para fantasias idílicas e enredos sinuosos de ritmos pausados. O pó tem pressa. A coca é expressa. As carreiras são aspiradas por narinas inquietas. O usuário trafega em fuso horário próprio. Por isso, é com frequência afetado pelo Jet lag e despenca, exausto, exaurido.

O pó tem pressa."


SOARES, Luiz Eduardo. Tudo ou nada: A história do brasileiro preso em Londres por associação ao tráfico de duas toneladas de cocaína. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2012.