No
princípio era o verbo, o verbo estava com Deus e o verbo era Deus. Mas, como o
Deus Amor nunca foi, de fato, uma ideia ou um conceito filosófico grego, o logos não o pode suportar por muito
tempo e o derramou na existência. O Amor, assim, se fez carne...
O nascimento de Jesus não nos fala, portanto, da fundação
de uma nova religião ou da formação de um novo pensamento cultural. A boa nova
que o caminhar do filho do homem sobre a terra nos traz é de natureza muito
mais simples e profunda: o Amor se realiza entre os homens no sagrado chão da
existência.
Ironicamente, muito antes de Nietzsche, o próprio Cristo
já havia – nele mesmo – realizado a inversão da metafísica tradicional. Num
movimento de transcendência às avessas, mergulhando na imanência da terra e do
corpo, verbo e sujeito fundiram-se num casamento, tornando-se, literalmente,
uma só carne.
Agradar seus interlocutores nunca foi sua prioridade.
Comprometido com sua potência divina, era, por muitas vezes, duro e rigoroso
com os comportamentos que iam de encontro não às leis da vida – que os judeus
tinham muitas, diga-se de passagem –, mas à Vida das leis. Conectado e sintonizado
ao verdadeiro espírito da lei, caminhou em liberdade, tudo cumprindo, sem,
contudo, ser subjugado por coisa alguma.
Amigo das festas, dos vagabundos e de toda a pilantragem,
comeu e bebeu – a ponto de ser chamado de comilão e beberrão – com ladrões e
prostitutas. Recebeu e acolheu esse mundo de tal maneira que o mundo não foi
capaz de suportá-lo, enviando-o para a morte na cruz. Morte, aliás, sobre a
qual triunfou e sobre a qual nos ensinou.
O nascimento de Jesus, comemorado nesse dia, é,
certamente, muito mais do que a celebração de um mero legado do cristianismo. É
a celebração da própria humanidade e da certeza de que o Reino de Deus não é
uma meta espiritual a ser alcançada, mas uma realidade que já está em – e entre
– nós.
Assim é que, nesse Natal – momento em que, independente
da correspondência ao fato histórico do nascimento de Jesus, milhões de pessoas
ao redor do mundo estão vibrando juntas numa mesma intenção – meu desejo
sincero é de seguir na trilha deixada pelas pegadas do nazareno. Não seguir os
passos do judeu que, há 2000 anos, andou pela Galiléia operando sinais e
prodígios. Não tenho a menor pretensão de imitar ou ser como Jesus. Por um
motivo óbvio: não sou Jesus. Sou Rodrigo! Essa seria, talvez, a maior traição
aos seus ensinamentos.
De outra forma, minha oração é que, a cada dia, o Natal
se faça em mim, realizando o nascimento e o crescimento da consciência crística
em meio ao caminhar entre os homens. Para que assim como o beija-flor realiza
sua essência quando está junto à sua flor, fazendo aquilo para o que foi
criado, também eu – que tenho em mim tanto o Cristo, quanto o beija-flor! –
possa experimentar a expressão do meu ser em toda sua plenitude.
Que
nossos cristos, flores e beija-flores interiores vivam em todos nós!
Feliz
Natal!
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