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quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

O que a escola e a caserna têm em comum

Quem me conhece há mais tempo sabe das minhas muitas peripécias acadêmico-profissionais até, finalmente, conseguir o tão valorizado pedaço de papel que, hoje, me legitima como “alguém na vida”. Tendo estudado em Colégio Militar, durante muito tempo acreditei, inclusive, que o grande sonho da minha vida seria seguir carreira. E lá fui eu.

            Entretanto, se você chegou na minha vida há menos tempo e me conheceu ontem, já tem condições de imaginar que a ideia não deu lá muito certo. Em pouco tempo pedi as contas e segui minha estrada. Não posso negar – e não nego –, contudo, que todo esse período de convívio com os militares, somando o tempo de colégio e esse pouco tempo de formação, me ensinou muitas coisas.

            Lembro-me, por exemplo, que quando estava pedindo desligamento da Academia Militar, um dos muitos amigos que tentou dissuadir-me da ideia, virou-se para mim e disse: “Eu te entendo, cara. Mas não precisa ir embora. Tem que ter jogo de cintura. Aprende uma coisa: Se todo mundo remar pra trás, o barco também anda”.

            Obviamente, não mudei de ideia e mantive meu caminho. Mas, de fato, nunca esqueci as palavras dele. E lá se vão mais de 10 anos. Aliás, diria que, hoje, como professor do Estado, convivendo e conhecendo os bastidores da educação pública, a máxima daquele intendente orgulhoso de sua malandragem nunca fez tanto sentido.

            A escola é, talvez, a melhor representação social daquele barco de que falava meu amigo. O professor nada mais é que aquele aluno que realizou o sonho de voltar para a escola, só que, agora, sabendo como as coisas realmente são. E, como bom aluno que é, também não gosta de aula. Assim como o aluno fará o máximo para não assisti-las, o professor, legitimado no seu discurso político – isso é importante para não dar aquele ar de vagabundagem, que não pega bem –, fará o que puder para não ter que dá-las.

            Até aí, nenhum problema. Afinal, não creio que, em 2015, ainda haja tanta gente acreditando que aula seja algo, assim, tão importante. A questão é que, apesar de estarem juntos no mesmo barco, remando para trás, continuam a comportar-se como se inimigos fossem, deixando-se vencer pela correnteza.

            Infelizmente, enquanto a educação estiver subordinada à política – e política aqui não no sentido filosófico clássico, mas no sentido real-existencial-brasileiro de um jogo de interesses anti-políticos –, a escola nunca será um ambiente de trocas interpessoais com vistas à formação e ao desenvolvimento integral de indivíduos, mas permanecerá como arena de combate.

            Não espero do Estado uma solução para essa dinâmica. Foi ele que a criou e não será ele, obviamente, que irá resolvê-la. A solução para a questão da educação, portanto, está nas mãos de alunos e professores. Somos nós quem fazemos a educação. Se formos francos – conosco mesmos, acima de tudo –, teremos que assumir essa responsabilidade.

            Os mais comunistas, certamente, desejarão me agredir nesse momento, mas, indo de encontro ao discurso corrente daqueles que lutam pela a educação, creio que a educação precisa ser despolitizada. Se educar é conviver, o verdadeiro propósito da educação jamais poderá ser realizado por intermédio de uma instituição que não tenha a convivência entre seres humanos como prioridade.

            Contudo, penso que, afastando-se dessas batalhas politiqueiras encrustradas no ideário do funcionalismo público, a escola, paradoxalmente, tem tudo para, transcendendo sua institucionalidade, transformar-se no epicentro de uma nova-antiga forma de fazer política, onde as relações entre os cidadãos não poderão mais ser subjugadas pela desumanidade e pela frieza de instituições despersonalizadas.

            A hora é de assumirmos nosso caminho e decidirmos, com honestidade, em que mundo queremos viver. Decidir que escola eu quero ser. Se queremos ficar nos reunindo para comer cream cracker e reclamar da vida, esperando pela aposentadoria, ou se, quem sabe, preferimos um destino um pouco mais interessante. O tempo de esperar que o outro – seja ele o Estado, Deus ou o Chapolin Colorado – faça algo por nós acabou.

Que saibamos fazer boas escolhas. Nossos filhos agradecerão.